PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: PROBLEMATIZANDO O DEBATE ISBN: 85-7644-072-5 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE REITOR Alcibiades Luiz Orlando VICE-REITORA Onildes Maria Taschetto PRÓ-REITOR INTERINO DE EXTENSão Bartolomeu Tavares DIRETOR DO CAMPUS DE CASCAVEL Alfredo Petrauski DIRETORA DO CECA - CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES: Aparecida Feola Sella COORDENADOR DO COLEGIADO DE PEDAGOGIA: Marco Antonio Batista Carvalho Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE EQUIPE: Campus de Cascavel Vera Lúcia Ruiz R. da Silva (COORDENADORA DO PEE) Jane Peruzo Iacono (COORDENADORA DO PROJETO DO MEC) Alfredo Roberto de Carvalho Claudia Picolotto Dorisvaldo Rodrigues da Silva Enio Rodrigues da Rosa Joice Maura Schwengber Jomar Vieira da Rocha José Roberto Carvalho Luzia Alves da Silva Maria Filomena Cardoso André Patrícia da Silva Zanetti Soelge Mendes da Silva Vandiana Borba Campus de Foz do Iguaçu Cristiane Ferraro Gilabert da Silva Ligia Angélica Radis Steinmetz Campus de T Toledo oledo Sandra Regina Belotto Campus de Francisco Beltrão Dejair Cardoso Baseggio Adriana de Mello Rosane Arruda Campus de Marechal Cândido Rondon Zelina Berlatto Bonadiman Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE (Org.) 2006 PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: PROBLEMATIZANDO O DEBATE © 2006, EDUNIOESTE Editora e Gráfica Universitária - EDUNIOESTE Rua Universitária, 1619 - Fone (45) 3220-3085 - Fax (45) 3324-4590 CEP 85819-110 - Cascavel, PR - Caixa Postal 701 end. eletrônico: www.unioeste.br/editora/ e-mail: editora@unioeste.br Revisão gramatical: Raquel Ribeiro Moreira Capa: Alexandre Mendes dos Reis Núcleo de Inovações Tecnológicas - NIT/UNIOESTE Projeto Gráfico e Diagramação: Rachel Cotrim Ficha Catalográfica: Marilene de Fátima Donadel - CRB9/924 EQUIPE ORGANIZADORA: Lúcia Terezinha Zanato Turek Luzia Alves da Silva Maria Filomena Cardoso André Patricia da Silva Zanetti Vandiana Borba Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da Silva Alfredo Roberto de Carvalho Dorisvaldo Rodrigues da Silva Enio Rodrigues da Rosa Elizabeth Rossetto Jane Peruzo Iacono Jomar Vieira Rocha José Roberto Carvalho Pessoa com deficiência na sociedade contemporânea : problematizando P475 o debate / organização do Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com necessidades Especiais – PEE. – Cascavel : EDUNIOESTE, 2006. 216 p. ISBN: 85-7644-072-5 1. Educação especial 2. Deficiência – Aspectos sociais 3. Deficiência – Legislação 4. Deficiência – Política governamental – Brasil 5. Deficiência – Integração social 6. Pessoa com deficiência I. Programa Institucional de Ações Relativa às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE, Org. CDD 20. ed. 371.9 362.4 Apresentação A coletânea de artigos reunidos neste livro, juntamente com o outro, “A Pessoa com Deficiência: aspectos teóricos e práticos”, constitui-se na primeira publicação organizada pelo Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais da Unioeste, resumidamente chamado de Programa de Educação Especial – PEE, criado em 1997. Este Programa se insere num conjunto de conquistas obtidas pelo movimento organizado das pessoas com deficiência do município de Cascavel, principalmente após 1994, com a fundação do Fórum Municipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Característica marcante da equipe do PEE que merece consideração, é o fato de a grande maioria dos seus integrantes serem pessoas com deficiência formadas na própria UNIOESTE e militantes do movimento social. A maioria participa do Fórum acima mencionado, de entidades sindicais e das entidades de pessoas com deficiência e/ou dos serviços que desenvolvem ações para promover e atender às necessidades específicas de cada área das deficiências. O Fórum foi criado no final de 1995, depois de amplo processo de discussão iniciado um ano antes, no final de 1994, quando o Programa de Apoio à Inserção da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho, da Agência do Trabalhador / SINE de Cascavel, promoveu o Seminário “A Pessoa com Deficiência e o Mundo do Trabalho”. Página 6. Neste Seminário, a partir de uma proposta aprovada na plenária final, foi formada uma comissão representativa das entidades de ou para pessoas com deficiência e dos programas e serviços afins, com o objetivo de constituir-se como um espaço de reflexão, mobilização e encaminhamento das reivindicações do movimento no município. Em 1995, a Comissão promoveu o Seminário “A Pessoa Portadora de Deficiência e a Conquista da Cidadania”, do qual resultou um conjunto de propostas, entre as quais a que propunha a criação do Fórum Municipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Com a finalidade de efetivar a proposição, em dezembro do mesmo ano, a Comissão realizou uma plenária com mais de 250 pessoas, em sua grande maioria com deficiência, onde foi debatida e aprovada a constituição do Fórum. Mesmo não sendo uma entidade com registro em cartório, o Fórum não só se constituiu num importante espaço de discussão das pessoas com deficiência, profissionais das áreas e outros interessados, como também conquistou legitimidade e representatividade política e social, no município de Cascavel e Região. O movimento das pessoas com deficiência de Cascavel tem se caracterizado, na região e no estado, pela postura firme e intransigente na defesa dos direitos do segmento, denunciando a utilização da imagem da pessoa com deficiência com fins caritativos, bem como procurando desconstruir a idéia, ainda muito presente no imaginário social, que só vê na pessoa com deficiência insuficiência e incapacidade. Nos últimos dez anos, inúmeras propostas foram discutidas pelo movimento e diversos encaminhamentos foram feitos para as autoridades locais, estaduais e nacionais, algumas das quais se converteram em importantes conquistas. A criação, estruturação e consolidação do Programa de Educação Especial da UNIOESTE – PEE, é mais um resultado do processo Página 7. de mobilização das pessoas com deficiência, particularmente daquelas que ingressaram na universidade e tiveram de travar lutas, inclusive com ameaça de greve de fome, quando praticamente nada ainda existia em termos de atendimento às suas necessidades específicas. Outra característica que o PEE trouxe do movimento organizado desta região e tem procurado valorizar e conservar, é a prática da discussão e decisão coletivas. Em razão disso, o PEE não só continua mantendo uma estreita relação com o movimento das pessoas com deficiência da região Oeste e Sudoeste, como também tem procurado contribuir para seu fortalecimento. O livro aqui apresentado constitui-se em mais um resultado, tanto do trabalho coletivo produzido a partir dos estudos e dos debates sobre os principais problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência na sociedade contemporânea, como do trabalho e da organização social dessas pessoas, travados no conjunto da sociedade e no Grupo de Pesquisa História, Educação e Sociedade - HISTEDOPR, sub grupo da Educação da Pessoa com Deficiência. Apesar de os artigos aqui reunidos, abordarem temas específicos ligados ao campo da problemática social das pessoas com deficiência, do ponto de vista da opção teórico-metodológica, o grupo tem se dedicado ao estudo da obra “Fundamentos de Defectologia” (1997), de Vigotski. A opção pela obra deste pesquisador surgiu após o contato com o conteúdo do capítulo “A Criança Cega”, presente no livro acima referido, trazido de Cuba e com tradução livre da professora Lucia Zanato Tureck. Nesta obra, o autor desenvolve os princípios da teoria sócio-psicológica alicerçada no método materialista histórico dialético, demonstrando que a deficiência não só coloca dificuldades para aquele que a possui, mas também se converte numa poderosíssima força motriz capaz de reorganizar todo o organismo para a superação do defeito. Página 8. Assim, como forma de divulgar as importantes contribuições deste pesquisador, no segundo capítulo desta coletânea, apresentase já traduzido pelo grupo o primeiro capítulo da obra Fundamentos de Defectologia: “O Defeito e a Compensação”, esperando que o texto sirva de aporte teórico para subsidiar a prática pedagógica dos professores, especializados ou não, que atuam nas escolas da rede pública ou particular de ensino. A decisão sobre esta publicação, a escolha das temáticas e as pessoas responsáveis pela elaboração dos artigos, foram discutidas e definidas pelo Colegiado do Programa de Educação Especial – PEE – campus de Cascavel. Embora cada artigo represente a expressão política e a compreensão teórica dos seus autores, em linhas gerais, o resultado não deixa de ser uma espécie de síntese do pensamento do grupo acerca dos diversos assuntos aqui abordados. O livro está organizado em sete capítulos com as seguintes temáticas: capítulo I - Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais (Patrícia da Silva Zanetti e Elizabeth Rossetto); II - O Defeito e a Compensação (Lev Semyonovich Vigotski); III – Algumas Reflexões Sobre a Inclusão Escolar de Alunos com Deficiência (José Roberto Carvalho e Lucia Terezinha Zanato Tureck); IV – Reflexões Sobre a Política de Formação de Professores Especialistas em Educação Especial/ Educação Inclusiva (Luzia Alves da Silva e Jane Peruzo Iacono); V - O uso da Informática como Instrumento de Apoio no Processo Educacional de Pessoas com Deficiência (Dorisvaldo Rodrigues da Silva e Vera Lucia Rruiz Rodrigues da Silva); VI - As Pessoas com Deficiência e a Lógica da Organização do Trabalho na Sociedade Capitalista (Alfredo Roberto de Carvalho e Paulino José Orso); e VII -Apontamentos sobre o Movimento Social das Pessoas com Deficiência no Brasil (Enio Rodrigues da Rosa e Vandiana Borba). Página 9. O livro é prefaciado pelo Professor Dr. José Geraldo Silveira Bueno (PUC/SP), pesquisador com o qual o PEE tem mantido diálogo desde 2001, quando participou pela primeira vez do V Seminário de Cegos, promovido pela Associação Cascavelense de Pessoas com Deficiência Visual (ACADEVI) e pela UNIOESTE. Esta coletânea, juntamente com o livro “A Pessoa com Deficiência: aspectos teóricos e práticos”, faz parte do projeto “Formação Continuada em Educação Especial e Tecnologias nas Áreas das Deficiências Física e Visual (2005-2007) para Professores do Ensino Básico”, uma atividade de extensão proposta pelo Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais (PEE), financiado em parte pelo Ministério da Educação – MEC / Secretaria de Ensino Superior - SESU. Participam do curso 60 professores, entre especialistas em educação especial, membros das equipes pedagógicas das escolas e professores do ensino regular, divididos em duas turmas, escolhidos mediante critérios definidos pelo Programa de Educação Especial da UNIOESTE, Núcleo Regional da Educação (NRE), Associação dos Municípios da Região Oeste do Paraná (AMOP) e Secretaria Municipal de Educação de Cascavel (SEMED). Como parte das atividades, esses professores estão desenvolvendo um projeto em suas respectivas escolas, com o objetivo de socializar com os colegas os conhecimentos transmitidos pelo curso. Além do livro “A Pessoa com Deficiência: aspectos teóricos e práticos” - cujos textos foram elaborados com conteúdos para subsidiar a formação - cada professor recebeu também um CD com textos de leis e decretos nacionais e dezenas de documentos internacionais sobre o assunto, monografias defendidas por membros do grupo, analisando alguns problemas enfrentados pela pessoa com deficiência em suas relações sociais, artigos específicos e recursos tecnológicos que Página 10. podem ser utilizados com e pelas pessoas com deficiência, tanto em seu processo educacional, como em sua vida pessoal. Iniciado no campus de Cascavel, em 1997, o PEE estendeu-se aos outros quatro campi da Unioeste, primeiramente com as bancas especiais no vestibular e demais concursos, depois no apoio à permanência dos acadêmicos com deficiência na universidade, na realização de projetos de extensão e eventos, integrando-se às demais universidades paranaenses. O ensino, a pesquisa e a extensão, tripé do fazer universitário, integram as atividades do PEE e compõem a pauta do debate contínuo em seu interior. Institucionalmente é vinculado à Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) e ao Centro de Educação, Comunicação e Artes (CECA), do campus de Cascavel. Os autores Cascavel, inverno de 2006. Página 11. Prefácio Desde que entrei em contato por telefone, se não me engano em 2001, com o Enio Rodrigues da Rosa que me convidava para o V Seminário de Cegos, com a temática “ A inserção da pessoa cega na sociedade”, organizado pela Associação Cascavelense de Deficientes Visuais – ACADEVI, do qual participei com muito prazer, fui entrando em contato com um grupo de acadêmicos, profissionais e pessoas com deficiência atuante e comprometido com as questões da democratização da educação no Brasil e, dentro dela, da educação especial. De lá para cá, cada vez que tenho a possibilidade de entrar em contato com esse grupo, mais me impressiono com o entusiasmo e vigor de seus componentes, apesar das imensas dificuldades que a escola brasileira vem enfrentando, a partir das reformas que o neo-conservadorismo político vigente nos impingiu e que tem acarretado funestas conseqüências, que se contrapõem a uma efetiva democratização da escola básica brasileira e, conseqüentemente, da educação das pessoas com deficiência. Agora, sou convidado a prefaciar a coletânea por eles organizada, que tem como eixo articulador das distintas contribuições a questão da situação da pessoa com deficiência na sociedade contemporânea, convite que muito me honra e que espero poder corresponder às suas expectativas. Página 12. A primeira característica que ressalta da coletânea é a heterogeneidade das contribuições dos diferentes autores, com histórias de vida, aproximação e atuações distintas em relação à problemática da deficiência, que redundaram em textos que vão desde a apresentação do programa institucional, até discussões teóricas e históricas de fundo, passando por questões de ordem pedagógica e de política educacional. Esta heterogeneidade, no entanto, não se constitui em problema mas, ao contrário, é nela que reside a riqueza da obra, pois que espelho fiel das distintas inserções de cada um de seus autores, produzindo, assim, uma “unidade na heterogeneidade”. Uma segunda característica que merece ser realçada é a presença marcante dos professores da UNIOESTE os quais, juntamente com acadêmicos, educadores da rede e de militantes dos movimentos de e para deficientes, produzem obra fora do eixo das grandes capitais produtoras de conhecimento, demonstração clara de que condições para produção de conhecimento são também criadas por aqueles que assumem esse compromisso. Por fim, a terceira característica e, talvez, a mais importante, é a do caráter crítico dos diferentes artigos da coletânea que, com certeza, irá se somar a outras produções (embora não tantas como eu gostaria) que têm procurado se contrapor a uma perspectiva a-crítica e a-social de estudos sobre a educação especial e sobre as pessoas deficientes. Nesse sentido, só cabe a este velho professor, sempre lembrado por esses vigorosos jovens, louvar a iniciativa, parabenizar os seus autores, bem como a UNIOESTE pela feliz e promissora iniciativa. Que esta seja a primeira de uma série de publicações sobre a educação e educação especial desse pessoal de Cascavel! São Paulo, 30 de julho de 2006 Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno Página 13. SUMÁRIO CAPÍTULO I – PROGRAMA INSTITUCIONAL DE AÇÕES RELATIVAS ÀS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS – PEE: ROMPENDO BARREIRAS FÍSICAS E ATITUDINAIS Elisabeth Rossetto Patricia da Silva Zanetti .............................. 15 CAPÍTULO II – O DEFEITO E A COMPENSAÇÃO (Vigotski) Tradução .................................... 33 CAPÍTULO III – ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA José Roberto Carvalho Lucia Terezinha Zanato Tureck ....................63 CAPÍTULO IV – REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL / EDUCAÇÃO INCLUSIVA Jane Peruzo Iacono Luzia Alves Silva ........................................ 91 Página 14. CAPÍTULO V – O USO DA INFORMÁTICA COMO UM INSTRUMENTO DE APOIO NO PROCESSO EDUCACIONAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Dorisvaldo Rodrigues da Silva Vera Lucia Ruiz Rodrigues da Silva ............. 117 CAPÍTULO VI – AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A LÓGICA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA Alfredo Roberto de Carvalho Paulino José Orso...................................... 155 CAPÍTULO VII – APONTAMENTOS SOBRE O MOVIMENTO SOCIAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL Enio Rodrigues da Rosa Vandiana Borba ........................................ 181 Página 15. CAPÍTULO I PROGRAMA INSTITUCIONAL DE AÇÕES RELATIVAS ÀS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS – PEE: ROMPENDO BARREIRAS FÍSICAS E A ATITUDINAIS Elisabeth Rossetto,1 Patricia da Silva Zanetti2 1 Professora da UNIOESTE e aluna do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS – nível doutorado em Educação, linha especifica em Processos de Exclusão e Participação em Educação Especial e membro do NEPIE Núcleo de Estudos em Política de Inclusão Escolar. 2 Pedagoga, especialista em Educação Especial, professora da Educação Especial na rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná; membro do HISTEDOPR, membro do P.E.E e Coordenadora de Eventos da ACADEVI. Página 16. Resumo: Este trabalho apresenta o processo de constituição do Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais na UNIOESTE. Foi instituído em 1997, através da Resolução 323/97 – CEPE e tem como objetivo principal, trabalhar com o ingresso e a permanência do aluno com deficiência no ensino superior. Para tanto, produz material didático adaptado para alunos cegos e com visão reduzida, garante intérprete de LIBRAS em sala de aula e tem se consolidado por meio da participação em discussões com outras entidades de pessoas com deficiência e Universidades Estaduais do Paraná. Palavras-chave: ensino superior, ingresso e permanência, necessidades especiais. O percurso profissional e acadêmico da maioria das pessoas com deficiência, no município de Cascavel, deu-se inicialmente através do atendimento de entidades particulares, com caráter filantrópico-assistencial. No ano de 1972, é criada a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), sendo a única opção durante vários anos para famílias que possuíam filhos com algum tipo de deficiência. A próxima entidade, fundada em 1976, foi a Associação Cascavelense dos Amigos de Surdos (ACAS), mantenedora da Escola Tia Amélia, hoje Escola especializada de Ensino Fundamental. Com a demanda de outras áreas de deficiência, nos anos de 1980, foram fundadas outras entidades: a Sociedade Beneficente dos Paraplégicos de Cascavel (SBPC), a Associação dos Portadores de Fissura labiopalatal (APOFILAB), que é a mantenedora do CENTRINHO, a Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (APADEVI). Em 1975, dois anos após a criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), embora já estivesse nos planos do governo Página 17. federal a instalação de uma rede de serviços especializados de apoio às pessoas com deficiência visual nas escolas comuns (VENTURINI, 1975). Pode-se dizer que a participação do Estado, quanto a garantir a educação escolar a este segmento social, praticamente não acontecia, isto é, até meados da década de 80 a presença do Estado no município foi praticamente nula. No inicio da década de 1980, com o objetivo de viabilizar a formação de professores especializados para as diversas áreas de deficiências, foi firmado um convênio entre o Departamento da Educação Especial (DEE), da Secretaria de Estado da Educação (SEED) e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), na época, ainda Fecivel - Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Cascavel, com o intuito de oferecer aos professores da região o Curso de Estudos Adicionais em nível de 2º grau. Com a formação de professores especializados, o Departamento de Educação Especial (DEE), abre no município de Cascavel dois programas de atendimento especializado, um na área da deficiência visual e outro na área da deficiência auditiva. Decorrente desta condição, em 1987, foi criado o Centro de Atendimento Especializado para Deficientes Visuais (CAEDV), que se transformou num pólo aglutinador de pessoas com deficiência visual. Da mesma maneira, o Centro de Atendimento Especializado para Deficientes Auditivos (CAEDA), também cumpre esta função com os surdos. Esses dois programas marcaram o início da presença do Estado em termos de atendimento, que permitiu implementar o ingresso de alunos com deficiência na rede pública comum de ensino. Percebe-se, no início dos anos 90, mudanças significativas no movimento das pessoas com deficiência, na medida em que passam a se organizar, fazendo cumprir seus direitos, influenciadas pelas Página 18. mobilizações que cresciam no país em torno da constituinte e da consolidação de alguns direitos na Constituição Federal de 1988 e, principalmente mobilizadas por um conjunto de orientações estabelecidas por uma sociedade conduzida pela lógica do capital. Neste sentido, surge em Cascavel, em 1994, o Fórum Municipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, como resultado de outra mobilização: a criação de entidades de pessoas com deficiência, tais como, a Associação Cascavelense de Pessoas com Deficiência Visual (ACADEVI); a Associação dos Surdos de Cascavel (SURDOVEL); Associação de Deficientes Físicos de Cascavel (ADEFICA) e o Centro de Vida Independente (CVI). O Programa de Educação Especial, por sua vez, surgiu como resultado de um movimento social externo à Universidade. Em 1997, observou- se que, na medida em que as pessoas com deficiência foram aos poucos vencendo fases do processo educacional, o ingresso na Universidade despontou como um objetivo possível. Assim, procurando atender a essa demanda a UNIOESTE foi obrigada a criar condições para assegurar o acesso e a permanência desses alunos no ensino superior. A luta pela criação e institucionalização do Programa Institucional de Ações Relativas as Pessoas com Necessidades Especiais, demandou ações necessárias e até então inéditas na Universidade. Estas diziam respeito, além da produção de materiais adaptados aos alunos com deficiência visual, outras, elaboradas a partir de princípios e concepções que guiam ações políticas e valorativas do ser humano. Historicamente, este trabalho teve início em 1995 quando uma estudante com visão reduzida, que utilizava lupa manual para leitura de textos, prestou vestibular para o curso de Pedagogia, tendo solicitado prova ampliada o que não lhe foi concedido. No ano seguinte, inscreveu-se novamente para o vestibular, solicitou prova ampliada, Página 19. mas somente foi atendida após intervenção de uma professora especialista que atuava no curso de formação de professores para a Educação Especial. Esta condição culminou com o ingresso da estudante na instituição, garantindo-lhe o atendimento que necessitava para estudar no decorrer do curso de graduação. Em 1997, ingressou na Universidade um estudante cego, aprovado em 1º lugar no concurso vestibular para o curso de Pedagogia. No decorrer da primeira semana de aula, realizou-se uma manifestação com a participação da Associação Cascavelense de Deficientes Visuais (ACADEVI) junto ao chefe do Departamento de Educação, ao Coordenador do Colegiado do curso de Pedagogia, ao Pró Reitor de Graduação, ao Diretor do Campus e do Centro de Educação, Comunicação e Artes (CECA), para reivindicar a estrutura necessária para a produção dos materiais para esse acadêmico. Embora todas as instâncias internas da Universidade citadas acima, tivessem se comprometido com a viabilização da estrutura necessária para atender o aluno no decorrer do seu curso, foi delegada ao Centro Acadêmico de Pedagogia, de forma emergencial, a responsabilidade pela adaptação dos textos. Fato este que não foi aceito pelo aluno cego, uma vez que o mesmo tinha a clareza de que o compromisso com o trabalho de adaptação dos materiais, não deveria estar vinculado ao âmbito da caridade, da filantropia, mas deveria ser de inteira responsabilidade da Universidade, de forma institucional. Assim, a Pró-Reitoria de Graduação cedeu um funcionário duas vezes por semana, para gravar os textos em fitas cassetes, “lidos” auditivamente pelo aluno. Encaminhou-se ainda a compra de uma impressora Braille, de um computador e do programa Dosvox - sintetizador de voz que permite acesso à leitura de quaisquer textos e, a cedência de uma pequena sala. Fato este que procurava garantir não somente o acesso do aluno ao ensino superior, mas também sua permanência. Página 20. Em meados do ano de 1997, o funcionário recusou-se a continuar a gravar os textos, provocando um acúmulo de leituras não efetuadas pelo aluno, o que comprometia a qualidade de sua aprendizagem. Como o problema não fora resolvido e, tendo-se esgotado todas as formas de reivindicação internas, o aluno procurou os órgãos de comunicação, ameaçando inclusive iniciar um processo de greve de fome. A partir da explicitação pública da problemática, a Universidade contratou um funcionário exclusivo para dar apoio ao acadêmico. Neste sentido, a necessidade de criar um programa que atendesse a educação especial, no âmbito da Universidade, estava cada vez mais evidente. Assim, em 1997 foi instituído na UNIOESTE pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) através da Resolução 323/97, o Programa de Ações Relativas ás Pessoas com Necessidades Especiais – P.E.E., fato que incluiu a Universidade entre as dez primeiras do Brasil a oferecer e manter atividades desta natureza no ensino superior. Desde então, diversas atividades são realizadas internamente e externamente junto às associações de pessoas com deficiência e aos órgãos públicos que atuam na área. Hoje é regulamentado pela Resolução 127/ 2002 - CEPE, que aprovou o Regulamento dos Processos de Ingresso e Permanência de Pessoas com Necessidades Especiais na UNIOESTE. O Programa constitui o espaço de desenvolvimento de ações voltadas as pessoas que necessitam de condições educacionais especificas, sejam elas temporárias ou permanentes, e tem como objetivo principal viabilizar o ingresso e a permanência destas pessoas no ensino superior. Atua junto aos colegiados dos cursos de graduação por meio dos docentes, colaboradores do programa, e de acadêmicos que utilizam seus serviços. Através deste trabalho, a UNIOESTE integra o Fórum Nacional de Educação Especial das Universidades Brasileiras, o Fórum Paranaense das Universidades, e em Cascavel, o Fórum Municipal em defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Página 24. Para garantir o acesso ao ensino superior público às pessoas com deficiência, o P.E.E. é responsável pela instalação de bancas especiais nos concursos vestibulares. Para cada área de deficiência existem metodologias de trabalho e recursos específicos considerados e efetivados no desenvolvimento deste trabalho. Tais como: organização de locais e a disponibilidade de mobiliários adaptados, de provas ampliadas, de bancas com ledor, de intérprete de LIBRAS, de gráficos em relevo, de máquinas Perkins, do sistema Dosvox e do trabalho de fiscais com conhecimentos específicos para atender as necessidades do candidato. Com a aprovação do candidato no concurso vestibular, já na matrícula são indicadas as necessidades para a permanência na graduação, com condições que possibilitem a aprendizagem e a participação desses alunos na vida acadêmica da Universidade. A figura 1 demonstra o resultado estatístico das ações desenvolvidas pelo Programa de 1997 a 2005. Figura 1 - Dados estatísticos do PEE referentes ao período de 1996 a 2005. 23 alunos distribuídos em alunos matriculados + pós-graduados/ especializados + 03 alunos que adquiriram visão reduzida no decorrer da graduação. Página 22. Dentre as inúmeras ações desenvolvidas no decorrer desses anos, merece destaque à acessibilidade, principalmente quanto à implantação de linhas-guia para cegos, rampas e espaço reservado no estacionamento para pessoas com deficiência física, na própria Universidade. Outro elemento não menos importante a ser destacado, refere-se à formação de professores que, em função do respaldo legal dado pela Portaria 1793/97 - MEC, fez com que o curso de Pedagogia do Campus de Cascavel e da Extensão, no município de Santa Helena, garantisse em seu Projeto Político Pedagógico a disciplina de Fundamentos da Educação Especial, com carga horária de 120 horas no último ano do curso. O P.E.E., em anos anteriores teve atuação efetiva quanto ao acesso de funcionários com deficiência para trabalhar na Universidade, observando o cumprimento da legislação de reserva de vagas, a qual determina que até 5% das vagas em concursos públicos sejam destinadas aos candidatos com deficiência. Os resultados dessas medidas têm sido o ingresso de servidores técnicos e de docentes com deficiência na instituição. Cabe ressaltar ainda que as ações do Programa também estão voltadas as atividades de extensão, objetivando o atendimento não só da comunidade interna da Universidade, mas da comunidade externa. No período de 1997 a 2006 foram promovidos os seguintes eventos: • Curso de Extensão: Leitura e Escrita no Sistema Braille; • Curso de Extensão: Sorobã; • Curso de Extensão: Iniciação ao DOSVOX; • I Encontro de Cegos do Ensino Superior; • Oficina de Educação para Surdos; • Seminário para Regulamentação dos Procedimentos de Ingresso e Permanência de Pessoas com Necessidades Especiais na Unioeste; • Grupo de Estudos sobre Deficiência Visual; • V Seminário de Cegos: A Inserção dos Cegos na Sociedade; • Seminário “Princípios para a Educação Especial e a Formação de Professores na Perspectiva da Inclusão”; Página 23. • Acessibilidade à Informática para as Pessoas com Deficiência Visual; • Capacitação na Área Visual; • Projeto de Extensão “Trajetória escolar e terminalidade acadêmica para alunos com deficiência mental: até onde eles podem chegar?”; • Participação no curso “Desenvolvimento humano nas organizações”, com um tópico denominado de: “Pessoa com deficiência: conhecer para não discriminar”; • Colaboração na organização do curso de formação de dirigentes para o movimento de cegos, com a temática “O cego enquanto agente político: necessidade e significado de sua participação nos embates sociais”; • II Seminário de Educação Especial “Educação Inclusiva: concepções, perspectivas e desafios”; • Projeto de extensão “Pessoa com deficiência: conhecendo para não discriminar”, junto a associações comunitárias; • Encontros com os calouros no campus de Cascavel (CECA e CCET) sobre “ Pessoa com deficiência: conhecendo para não discriminar”; • Seminário “Trabalho, Educação e Assistência Social em Debate”; • Projeto de extensão “Ressignificação do Atendimento na Área Visual - Avaliação da Pessoa com Deficiência Visual”; • Curso de Aplicativos do Windows para as pessoas com deficiência visual. Pode-se destacar que um dos maiores desafios enfrentados pelo P.E.E, desde a sua implantação, deu-se a partir de 2002, com o ingresso de uma aluna surda no curso de Pedagogia. Assim, a contratação de uma professora intérprete estabelece um avanço significativo nesse sentido, fato que coloca a UNIOESTE como uma das primeiras Universidades a adotar efetivamente esta prática para o atendimento de alunos surdos. No entanto, só a atuação desse profissional não é suficiente para garantir a permanência dessa aluna no ensino superior, outras ações neste sentido foram necessárias. Neste mesmo ano, realizou-se a Oficina de Educação de Surdos. Essa atividade foi destinada a professores, alunos e funcionários da Universidade, Página 24. objetivando trabalhar as questões de relacionamento com a pessoa surda. No ano seguinte, foram realizadas duas palestras, uma com a Professora Ronice Quadros Muller (UFSC-SC), e outra com o Professor José Geraldo Silveira Bueno (PUC-SP), cuja finalidade foi buscar orientações de cunho teórico-metodológico sobre a educação do surdo no ensino superior. Além do acompanhamento a estes alunos e respectivos colegiados, o P.E.E. conta com um grupo de estudos na área de educação especial, envolvendo professores da própria UNIOESTE, professores da rede municipal e estadual de ensino de Cascavel e acadêmicos dos diferentes campi e cursos de graduação e pós graduação, entre estes encontram-se pessoas com deficiência. O presente grupo estuda a obra de Vigotski, intitulada Fundamentos de defectologia. Foi formado a partir da necessidade de fomentar experiências com pares que investigam, estudam e atuam na educação e que acreditam ser imprescindível compreender a relação que o homem trava com as dimensões educacionais, sociais, econômicas, históricas e culturais para se constituir enquanto ser humano. Com isso, busca-se refletir os pressupostos sócio-históricos que podem contribuir para a instalação de um novo paradigma teórico-metodológico na educação das pessoas com deficiência. Essa necessidade fez com que o grupo ampliasse seu universo de pesquisa, complementando sua base epistemológica de estudos com a inclusão desse outro componente investigativo. É importante mencionar que o Programa de Educação Especial, encontra- se estruturado no formato multi-campi, possuindo uma coordenação geral em Cascavel, locus com o maior número de profissionais que atuam tanto em atividades de ensino, pesquisa e extensão, com maior participação de membros da comunidade externa nas atividades extensionistas e, maior número de pessoas que utilizam os serviços oferecidos pelo Programa. Os campi de Francisco Beltrão, Toledo, Foz do Iguaçu e Marechal Cândido Rondon são atendidos por sub-coordenações. No campus de Cascavel encontram-se matriculados alunos de graduação e pós-graduação, e nos campi de Francisco Beltrão, Marechal Página 25. Cândido Rondon e Toledo encontram-se matriculados apenas alunos em cursos de graduação. Já o campus de Foz do Iguaçu realiza apenas atividades relacionadas ao concurso vestibular. A figura 2 apresentada a seguir, demonstra os dados estatísticos referentes a alunos que utilizam os serviços prestados pelo Programa em 2005. Figura 2 - Estatística de pessoas com deficiência que usam os serviços do PEE em 2005. Fonte: Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - UNIOESTE/PR. Página 26. Observa-se que o campus de Cascavel possui maior concentração de alunos graduandos e pós-graduandos que utilizam os serviços do Programa. Fato este que pode ser decorrente do movimento social organizado neste município atrelado ao compromisso de professores da área de educação especial presentes desde a educação infantil ao ensino superior. Neste contexto a concepção de educação que o Programa de Educação Especial, toma como princípio norteador de suas ações, está pautada numa totalidade permeada por vários condicionantes sociais, culturais e históricos. A educação, nessa concepção, tem a função de buscar a tomada de consciência de uma nova forma de organização social e, logo, de um modo de conceber a pessoa com deficiência partindo de uma análise que leve em conta a totalidade dos aspectos que envolvem a educação especial, no sentido de procurar apreender o conjunto de suas determinações. Fundamentandose na concepção materialista-histórica a equipe do Programa procura desenvolver ações, com vistas a explicitar as contradições presentes na educação e na sociedade, com o intuito de “superar” aspectos postos no cotidiano que influenciam a vida acadêmica das pessoas com deficiência. Compreende que a pessoa com deficiência é uma pessoa concreta que está inserida num contexto sócio-histórico, logo é resultante destes condicionantes sociais. Segundo Saviani (1983), estes aspectos estão articulados num movimento dinâmico e recíproco, num processo constante de transformação, onde as forças opostas, numa relação contrária, trazem o novo, ou seja, o germe da sua própria mudança, pelas contradições inerentes a ela mesma. A fim de alcançar esses objetivos, a equipe tem participado do Fórum Municipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Comissão de Acessibilidade Municipal, da Associação Cascavelense Página 27. de Pessoas com Deficiência Visual. Também participa das discussões, análises e ações que contribuem para garantir os direitos educacionais e sociais desta demanda na sociedade regional, junto à Assessoria de Políticas Públicas e Inclusão Social da Pessoa com Deficiência, Agência do Trabalhador, Secretaria Municipal de Educação e Núcleo Regional de Educação. Assim, suas ações extrapolam o locus universitário. Para o ano de 2006 e subseqüentes, tem-se como metas as seguintes ações: 1. Articulação com organizações para a viabilização de novos projetos, realização de seminários, debates, palestras, objetivando conscientizar sobre a importância da formação escolar para a dignidade da pessoa com deficiência e reflexões do significado de sua participação política. 2. Organizar e instalar as Bancas Especiais no concurso vestibular nos campi da Unioeste através de: locais e mobiliário adaptados, provas ampliadas, bancas com ledor, com intérprete de LIBRAS e com outros apoios necessários, materiais específicos como lupas, gráficos em relevo, máquina PERKINS programa “Dosvox” e outros, além da divulgação junto à comunidade externa sobre as Bancas Especiais. 3. Manutenção do programa de apoio a acadêmicos com necessidades especiais na Universidade, por meio da adaptação de material de estudo de acordo com as suas necessidades, da promoção de ações de acessibilidade física nas dependências da instituição e no seu entorno. Além de orientações a professores e alunos no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. 4. Criação de uma comissão para elaboração de um projeto de acessibilidade para a UNIOESTE. 5. Rearticulação junto às IES do Paraná sobre a retomada do Fórum de discussão das IES sobre a Educação Especial. Página 28. 6. Apoio ao desenvolvimento de software educacional juntamente com o Núcleo de Inovações Tecnológicas (NIT). 7. Elaboração de material informativo (panfletos, fôlders, cartilhas, etc.) sobre a pessoa com deficiência. 8. Promoção de cursos de orientação sobre como relacionarse com pessoas com deficiência junto a funcionários, alunos e professores da instituição. 9. Apoiar o ingresso e permanência de professores e funcionários com necessidades especiais na Universidade. 10. Assessoramento à comissão de avaliação de estágio probatório relacionado aos funcionários com deficiência da Universidade. 11. Contribuir para viabilizar ações para ingresso e permanência de pessoas com deficiência no desenvolvimento de estágio extra-curricular na Universidade. 12. Discutir a criação e reestruturação de cursos de graduação e/ou pós-graduação com a finalidade de incluir disciplinas ou tópicos de estudo sobre Educação Especial. 13. Organizar e cadastrar o acervo bibliográfico do PEE. Cabe lembrar que todas essas ações objetivam dar apoio ao ingresso e a permanência das pessoas com deficiência nos diversos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente texto, tivemos como objetivo delimitar as ações desenvolvidas e em desenvolvimento do Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais – P.E.E., no decorrer de seus quase dez anos de existência. Página 29. Neste contexto, pode-se afirmar que foi possível consolidar os apoios oferecidos, com o ingresso de um número considerável de alunos com deficiência, especialmente constituído de pessoas cegas ou com visão reduzida. Neste momento, um desafio maior se impõe: continuar despertando e atraindo o interesse das pessoas com deficiência pela Universidade pública, gratuita e de qualidade. O Programa de Educação Especial da UNIOESTE, só conseguiu atingir o estágio em que se encontra, graças à sua articulação com os movimentos sociais das próprias pessoas com deficiência, organizadas por meio de suas diferentes associações representativas, no Fórum Municipal em Defesa dos Direitos deste segmento. É fundamental que os programas desta natureza, criados nas Universidades públicas ou particulares, além de assegurarem o acesso e a permanência dos acadêmicos na Universidade, possam também contribuir na formação de sujeitos conscientes e comprometidos, rompendo com a idéia da sua inutilidade ainda arraigada na sociedade, reforçada inclusive por setores da educação especial e do ensino regular. Mediante a todas estas atividades, vale considerar que quando nos referimos a educação especial e ao trato com as pessoas com deficiência, parte-se de uma concepção que busca superar os modelos assistencialistas e clínico-terapêutico que historicamente têm prevalecido em muitos ambientes. Trata-se de uma concepção que toma como referência a compreensão de que o homem é um ser históricosocial que se constitui enquanto determinado e determinante no âmbito da vida coletiva e, cujo conhecimento é oriundo de ações socialmente mediadas. Neste sentido, cabe ao programa desenvolver tarefas que ampliem ainda mais a discussão sobre as pessoas com deficiência, para que as concepções errôneas sobre as mesmas sejam questionadas e debatidas para a sua superação. Página 30. A UNIOESTE não apresenta meios efetivos de intervir de imediato e mudar a realidade da educação básica, inclusive e, principalmente aquela ofertada às pessoas com deficiência. Talvez fosse necessário pensar alguma alternativa de caráter suplementar, executada na forma de cursos preparatórios ao vestibular, de modo a preparálas para o desafio do exame. Tal encaminhamento demandará o aprofundamento do P.E.E com os movimentos sociais das pessoas com deficiência e com as escolas dos outros níveis de ensino, objetivando despertar a consciência sobre a importância da educação na vida dessas pessoas. Neste contexto, pode-se dizer que atualmente a discussão sobre o ingresso e permanência das pessoas com deficiência, torna-se ainda mais relevante e necessária em função dos encaminhamentos e orientações postos na legislação e documentos oficiais que tratam acerca do assunto. Uma análise mais cuidadosa, leva à conclusão de que a Universidade não só se apropriou, como reforça e amplia o modelo da educação especial herdado dos outros níveis de ensino, pois em suas práticas continua se ressaltando a diferença, a característica do defeito como justificativa para não considerar o aluno com deficiência como parte da turma, como alguém que deve estar sob a responsabilidade do professor e do conjunto da Universidade. Apesar do esforço já empreendido, com o objetivo de desfazer este entendimento ainda impregnado na consciência coletiva da Universidade, muito se precisa avançar dentro da academia. Nesse caso, um dos grandes desafios para o Programa de Educação Especial, é trazer a tona elementos constituintes das condições de vida das pessoas com deficiência, ou seja, estas apresentam características relacionadas a aspectos físicos, sensoriais, de inteligencia, Página 31. de comportamento, mas não são esses elementos de forma isolada que os definem como sujeitos. Por outro lado, não se trata de negar as características individuais, no entanto, deve-se relacioná-las a um conjunto de condições que fazem parte do ser humano, inserido num determinado momento histórico, como pontua (JANNUZZI, 1997). Cabe mencionar que a UNIOESTE sem dúvidas desenvolveu e acumulou nos últimos anos, uma experiência significativa com relação ao acesso e permanência de alunos com deficiência nos seus diversos cursos e nos diferentes campi, a ponto de se tornar uma referência no Estado. Isso, tem sido importante e necessário como forma de assegurar às pessoas com deficiência o direito de cursar o ensino superior. Na busca de avanços, o Programa intensifica seus esforços para se constituir efetivamente num grupo de pesquisa. Nesse sentido, além das diversas publicações nos eventos acadêmicos da área, realiza anualmente seminários que buscam discutir questões relacionadas às pessoas com deficiência. Seus membros se dedicam ao estudo da obra Fundamentos de Defectologia (VIGOTSKI, 1997) e dispensam esforços na realização de um projeto em parceira com o MEC, que prevê um curso para professores na área da deficiência física e visual e a publicação do livro: A Pessoa com Deficiência: aspectos teóricos e práticos. REFERÊNCIAS BIANCHETTI, L. . Aspectos históricos da apreensão e da educação dos considerados deficientes. In: BIANCHETTI, L.; FREIRE, I. M. (Orgs). Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998. BRASIL, Lei nº 9394/96 de 20/12/96- Lei de diretrizes e bases da educação nacional -LDB LDB. Brasília: Diário Oficial da União, nº 248 de 20/12/1996. Página 32. BRASIL . Ministério da Educação. Decreto Nº 3298, de 20 de dezembro de 1999. Disponível em: http://www.mec.gov.br/seesp/pdf/dec3298.pdf, Acesso em, 13 jun. 2005. BUENO J. G. S. Educação especial brasileira: Integração/segregação do aluno diferente . São Paulo: Educ, 1993. JANNUZZI, G.M As políticas e os espaços para criança excepcional excepcional. In: FREITAS, M C. (org) História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. SAVIANI, D. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, D. T. (org.). Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. VIGOTSKI, L. S. Fundamentos de defectologia. In: Obras completas. V. 5. La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1995. Página 33. CAPÍTULO II O DEFEITO O E A COMPENSAÇÃO 1 Tradução da obra de VIGOTSKI, L. S. Fundamentos de Defectologia. In: Obras completas. O Defeito e a Compensação Tomo V. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. 2 Fue elaborado en 1924. Sobre este tema Vigotski presentó una ponencia en el Segundo Congreso de Protección Social y Jurídica de los Menores de Edad (CPSJME). Fue publicado por primera vez en forma de artículo: “EI defecto y Ia supercompensación”, en la colección Ymstvennaia otstalast, slienota i glujaniemota (1927). Analizaba críticamente de un modo detallado el estado de la diagnosis en aquel tiempo y trazaba las vías de su desarrollo. La variación dei título al transformar el artículo en un capítulo del libro, reflejó la actitud crítica creciente del autor hacia la teoría de Adler. En el capítulo se presenta en lo fundamental una exposición y el análisis crítico de las fuentes literarias extranjeras sobre el problema de la anormalidad. Los datos propios recopilados por el autor en el curso del estudio clínico-psicológico de los niños anormales en el Instituto Experimental de Defectología (IED) fueron reflejados en los trabajos más tardíos (véase los trabajos del presente tomo). Página 34. Naqueles sistemas da psicologia que têm em seu centro o conceito da personalidade integral, a idéia da supercompensação desempenha um papel dominante. “O que não me destrói me faz mais forte”. W. Stern formula esta idéia, indicando que da debilidade surge a força e das insuficiências, as capacidades (W. Stern, 1923, p. 145). A direção psicológica amplamente difundida e muito influente na Europa e América, criada pela escola do psiquiatra austríaco Adler, e que se nomina psicologia individual, ou seja, psicologia da personalidade, tem desenvolvido esta idéia em um sistema integral, em uma teoria acabada sobre a psique. A supercompensação não é fenômeno raro ou exclusivo na vida do organismo. Podem-se citar infinidades de exemplos. Isto é, melhor dizendo, em um grau superior, um traço geral e muito amplamente difundido dos processos orgânicos relacionados com as leis fundamentais da matéria viva. Em verdade, não temos uma teoria biológica que engloba tudo acerca da supercompensação, mas em uma série de esferas diferentes da vida orgânica estes fenômenos têm sido estudados de um modo tão fundamentado e sua utilização prática é tão importante que nós, com pleno direito, podemos falar sobre a supercompensação como um feito fundamental, cientificamente estabelecido na vida do organismo. Nós inoculamos em um menino sadio o tóxico virulento. O menino sofre uma leve doença e depois de se restabelecer e por muitos anos permanece protegido contra a varíola. Seu organismo adquiriu a imunidade, ou seja, não somente venceu esta leve doença que provocamos com a vacina, senão que saiu dessa doença mais saudável do que era antes. O organismo soube produzir o antídoto em quantidade muito maior da que se requeria pela dose do tóxico que se inoculou. Se agora comparamos nosso menino com outros que não foram vacinados, veremos que ele, com respeito a esta terrível Página 35. doença, é super saudável: ele, além de não se adoecer agora como os outros meninos saudáveis, tampouco pode adoecer-se, e permanece sadio também quando o tóxico chega novamente ao seu sangue. Este é um processo contraditório à primeira vista, que transforma a doença em super saúde, a debilidade em força, a intoxicação em imunidade e tem o nome de supercompensação. Sua essência se reduz ao seguinte: qualquer dano ou influência prejudicial sobre o organismo provoca, por parte deste último, reações de proteção muito mais enérgicas e fortes que aquelas que são necessárias para paralisar o perigo imediato. O organismo representa um sistema relativamente fechado e vinculado, internamente de órgãos que possuem uma grande reserva de energia potencial e de forças ocultas. Este atua nos momentos de perigo como um todo único, mobilizando as reservas ocultas das forças acumuladas e concentrando no lugar do perigo, com grande abundância, doses de antídoto maiores que a dose de tóxico que o ameaça. Desta maneira o organismo não somente compensa o prejuízo causado a ele, mas também produz um excesso, uma superioridade perante o perigo, que o leva a um estado mais alto de proteção do que aquele que tinha antes do surgimento do perigo. Para o lugar pelo qual penetrou a infecção se dirigem os glóbulos brancos em uma quantidade muito maior que a necessária para vencer a infecção. Isto, também é uma supercompensação. Se cura o enfermo de tuberculose injetando-lhe tuberculina, ou seja, tóxico tuberculoso, então se calcula uma dose para a supercompensação do organismo. Esta falta de correspondência entre o estímulo e a reação, a desigualdade da ação e a reação, o excesso de antídoto, a aquisição da super saúde por meio da enfermidade inoculada e a elevação a um nível superior mediante o vencimento do perigo, são importantes para a medicina e a pedagogia, para o restabelecimento Alguns autores utilizam neste sentido o termo recompensação. Página 36. da saúde e para a educação. Na psicologia este fenômeno se aplicou amplamente quando se começou a estudar a psique não de um modo isolado do organismo, como a alma separada do corpo, mas no sistema do organismo, como sua função peculiar e superior. Resultou que no sistema da personalidade, a supercompensação desempenha um papel não menor. Basta recorrer à psicotecnia atual. De acordo com seu ponto de vista, uma função tão importante no processo de educação da personalidade como é a exercitação, se reduz, em essência, aos fenômenos da supercompensação. Adler dirigiu a atenção para o fato de que os órgãos deficientes, cujo funcionamento se dificulta, ou tem sido alterada a causa dos defeitos, entram necessariamente numa luta, em um conflito com o mundo exterior ao qual eles devem se adaptar. Uma elevada morbilidade e a mortalidade acompanham esta luta, mas a luta oculta em si elevadas possibilidades para a supercompensação (A. Adler, 1927). Da mesma maneira que em caso de enfermidade ou da extirpação de um dos órgãos pares (os rins , o pulmão) o outro membro do par assume sua função e se desenvolve de um modo compensador, da mesma forma o sistema nervoso central assume a compensação do órgão deficiente ímpar, precisando e aperfeiçoando o funcionamento do dito órgão. O aparelho psíquico forma sobre este órgão uma superestrutura procedente das funções superiores que facilitam e elevam a efetividade do seu funcionamento. “Sentir a deficiência dos órgãos é para o indivíduo um estímulo constante para o desenvolvimento de sua psique” - cita Adler as -palavras de O. Rule4 (1926, p. 10). Inicio de nota de rodapé. (4) Rüle Otto (1874-1943), pedagogo alemán socialdemócrata. Criticó el sistema de enseñanza y educación existente en la escuela alemana, por su carácter burgués claramente manifiesto. Trató de demostrar la importancia educativa del trabajo. Fue un resuelto adversario de Ia caracterología de S. Freud que opuso a ella la teoría de A. Asler. Vigotski cita a Rüle en relación con el análisis del problema sobre la formación del carácter como “un proceso socialmente dirigido”. Fim de nota de rodapé. Página 37. O sentimento ou a consciência de inferioridade que surge no indivíduo por causa do defeito, é a valoração de sua posição social, e se converte na principal força motriz do desenvolvimento psíquico. A supercompensação “ao desenvolver os fenômenos psíquicos do pressentimento e da previsão, assim como seus fatores que atuam à maneira de memória, intuição, atenção, sensibilidade, interesse, em resumo, todos os momentos psíquicos em um grau intensificado” (ibidem,p.11) conduz à formação de uma consciência de super saúde no organismo enfermo, a formação da super suficiência procedente da insuficiência, a transformação do defeito em talento, capacidade e inteligência. Demóstenes, o qual padecia de defeitos de linguagem se converteu em o grande orador da Grécia. Sobre ele, se diz que dominou sua grande arte aumentando seu próprio defeito natural, se esforçando e multiplicando os obstáculos. Exercitou-se na pronunciação das palavras, enchendo a sua boca de pedrinhas e tratando de vencer o som das ondas do mar que afogavam sua voz. “Se non e vero, é ben trovato” (“se isto não é verdade, está bem inventado”), como diz o provérbio italiano. O caminho para o aperfeiçoamento se faz vencendo os obstáculos e a dificuldade da função é o estimulo para sua elevação. L. V. Bethoven e A. S. Suvorov também podem servir de exemplo. O tartamudo C. Demoulins foi um destacado orador; a cega e surda5 H. Keller6 foi uma prestigiosa escritora, predicadora do otimismo. Inicio de nota de rodapé. 5 Em algumas passagens do texto em espanhol, o termo surdo é expresso como surdo. 6 Keller Helen (1880-1968), ciega sordamuda norteamericana. Recibió la enseñanza superior, llegó a ser escritora, doctora en filosofia y predicadora. Vigotski analiza la bistoria de Helen Keller desde el punto de vista del proceso de supercompensación en las condiciones sociales favorables creadas especialmente para ella. Fim de nota de rodapé. Página 38. Duas circunstâncias nos obrigam a prestar especial atenção a esta teoria. Em primeiro lugar, a vinculam freqüentemente e em particular, nos círculos da social democracia alemã, com a teoria de K. Marx; em segundo lugar, está relacionada internamente com a pedagogia, com a teoria e a prática da educação. Deixaremos de lado a questão acerca de que, em que medida, está vinculada a teoria da psicologia individual com o marxismo; esta questão, requereria uma investigação especial. Assinalaremos somente que a tentativa de síntese de Marx e Adler, assim como as tentativas de inserir a teoria sobre a personalidade dentro do contexto do sistema filosófico e social do materialismo dialético, se fizeram e tentaram compreender quais as razões que levaram à aproximação das duas idéias. Já o surgimento da nova direção que se separou da escola de S. Freud(7), foi provocado pela diferença existente nos pontos de vista sociais e políticos dos representantes da psicanálise. Pelo visto, o aspecto político, aqui teve também importância, F. Vittells fala sobre a saída de Inicio de nota de rodapé. (7) Freud Sigmund (1856-1939), médico psiquiatra y psicólogo austriaco, creador de la teoría del psicoanálisis. Después de haber trabajado en Ia neuropatología (la afasia y las parálisis infantiles), desde 1895 pasa a la elaboración de la teoria del psicoanálisis. En las primeras etapas de la fonnación de la teoría es característica la separación de las particularidades de la conciencia y de la conducta del hombre, de su fundamento biológico (principalmente del sexual). Este enfoque provocó la adopción de una actitud negativa bacia las ideas de Freud por parte de los destacados psiquiatras y neurólogos de su época. Sin embargo, en el futuro, la teoría del psicoanálisis adquirió una gran influencia en la formación de las ideas científicas, psicológicas y sociales, convirtiéndose en una concepción acabada del mundo, de tipo idealista y reaccionario. En el trabajo de Vigotski se presenta una compleja actitud hacia las ideas de Freud. Al valorar de un modo positivo la categoría central de lo inconsciente, en la cual se apoyó Freud, Vigotski, sin embargo, adopta una actitud muy negativa hacia la bioJogización de la naturaIeza del hombre (de Freud) mencionada con anterioridad. No encontramos señalamientos directos de la importancia de los procesos psíquicos inconscientes al analizar las leyes del desarrollo anormal. Fim de nota de rodapé. Página 39. Adler e de uma parte de seus partidários, do circulo de psicanalistas. Adler e seus amigos eram social democratas. Muitos de seus seguidores gostam de destacar este momento. “Sigmund Freud até hoje tem feito tudo com que o fim de sua teoria resulte útil para os interesses do regime social dominante. Em contraposição a isto a psicologia individual de A. Adler tem um caráter revolucionário e as conclusões desta coincidem totalmente com as conclusões da sociologia revolucionária de Marx” - expressa O. Rule (1926, p.5) -, o qual tenta sintetizar Marx e Adler em seu trabalho sobre a psique do menino proletário. Tudo isto, como já se expressou, é discutível, mas os dois momentos que possibilitam semelhante aproximação desde o ponto de vista psicológico atraem a atenção. Em primeiro lugar o caráter dialético da nova teoria; em segundo lugar, a base social da psicologia da personalidade. Adler pensa dialeticamente: o desenvolvimento da personalidade se move por uma contradição; o defeito, a inadaptação, a inferioridade, não somente é uma deficiência, uma insuficiência, uma magnitude negativa, senão que também um estímulo para a supercompensação. Adler deduz “a lei psicológica fundamental sobre a transformação da deficiência orgânica através do sentimento subjetivo de inferioridade na aspiração psíquica à supercompensação” (A. Adler, 1927, p. 57). Com isto ele permite incluir a psicologia dentro do contexto das amplas teorias biológicas e sociais; em efeito, todo o pensamento verdadeiramente científico se move mediante a dialética. C. Darwin(8) ensinou que a Inicio de nota de rodapé. (8) Darwin Charles (1809-1882), destacado naturalista inglés, creador de la teoría de la evolución, que ejerció gran intluencia en el desarrollo de las disciplinas afines. Vigotski, al replicar en contra de las afirmaciones de la caracterolbgía vieja y contemporánea para él, señala que “ella recuerda el estado de las ciencias biológicas antes de Darwin”. Vigotski también utiliza los postulados de la teoría de la evolución de Darwin al criticar algunas ideas de S. Freud. Fim de nota de rodapé. Página 40. adaptação surge da inadaptação, da luta, da morte e da seleção. E Marx, diferentemente do socialismo utópico, ensinou que o desenvolvimento do capitalismo conduz inevitavelmente ao comunismo mediante o vencimento do capitalismo pela ditadura do proletariado e não se separa disto, como poderia parecer de um ponto de vista superficial. A teoria de Adler quer demonstrar também como o racional e superior surge necessariamente do irracional e do inferior. A psicologia da personalidade rompe definitivamente com “o estatismo biológico no enfoque do caráter” - como assinala de um modo correto A. B. Zalkind - e é “uma corrente caracterológica realmente revolucionária” (1926, p. 177), já que em contraposição com a teoria de Freud, no lugar da fatalidade biológica, coloca as forças formadoras e motrizes da história e da vida social (ibidem). A teoria de Adler se opõe não somente aos esquemas biológicos reacionários de E. Kretschmer(9), para o qual a constituição inata determina a estrutura Inicio de nota de rodapé. (9) Kretschmer Ernst (1888-1964), psiquiatra alemán, uno de los fundadores de la dirección constitucionalista en la psiquiatría. Vigotski se manifiesta resueltamente en contra de la afirmación principal de Kretschmer acerca de que el carácter (el tipo de la conducta del hombre) depende por entero y por completo de la constitución congénita, de las particularidades de la estructura del cuerpo y del sistema endocrino. Desarrolla un sistema multilateral de pruebas que refutan este enfoque estático del carácter como una formación estable determinada enteramente por el factor biológico. Al mismo tiempo Vigotski, en las investigaciones de Kretschmer destaca una serie de postulados que salen de los marcos de la caracterología, con los que él está enteramente de acuerdo. Estos postulados son las conclusiones de Kretschmer, importantes para la defectología, sobre las particularidades de la memo ria en los ciegos, los datos acerca de que las complicaciones secundarias en el proceso del desarrollo del niño enfermo se someten a la intluencia, etc. La actualidad y la importancia de la crítica hecha por Vigotski y otros psicólogos, a la caracterología de Kretschmer, en la época temprana del proceso de formación de la psicología soviética son indudables. Fim de nota de rodapé. ágina 41. do corpo, o caráter e “ todo o desenvolvimento posterior do caráter humano é somente o desenvolvimento passivo do tipo biológico fundamental que é inerente de nascimento ao homem” (ibidem, p. 174). Mas a teoria de Adler é oposicionista também com respeito à caracterologia de Freud. Duas idéias o separam deste último: a idéia da base social do desenvolvimento da personalidade e a idéia da tendência final deste processo. A psicologia individual nega o vínculo obrigatório do caráter e em geral do desenvolvimento psicológico da personalidade com o substrato orgânico. Toda a vida psíquica do indivíduo é a substituição das disposições combativas, dirigidas à solução da tarefa única: ocupar uma posição determinada com respeito à lógica imanente da sociedade humana, às exigências do ser social. Em suma, o defeito por si mesmo não decide o destino da personalidade, senão as conseqüências sociais e sua realização sociopsicológica. Em relação a isto, para o psicólogo se faz indispensável a compreensão de cada ato psicológico não somente em relação com o passado, senão que também com o futuro da personalidade. Isto se pode chamar também tendência final de nossa conduta. Em essência, esta compreensão dos fenômenos psicológicos não somente do passado, mas também do futuro, não significa nenhuma outra coisa que a exigência dialética de compreender os fenômenos em movimento eterno, descobrir suas tendências, seu futuro determinado por seu presente. Na teoria da estrutura da personalidade e do caráter, a nova compreensão introduz a perspectiva do futuro, extremamente valiosa para a psicologia. Esta nos libera das teorias conservadoras, de Freud e E. Kretschmer, que nos reduzem ao passado. Da mesma maneira que a vida de qualquer organismo está dirigida pela exigência biológica da adaptação, a vida da personalidade está dirigida pelas exigências de seu ser social. “Não estamos em condições de pensar, sentir, querer, e atuar sem que diante de nós haja algum objetivo"- Página 42. expressa Adler (A. Adler, 1927, p. 2). Tanto um ato isolado, como o desenvolvimento da personalidade em geral pode ser compreendido a partir das tendências dadas em direção ao futuro. Com outras palavras: “A vida psíquica do homem tende, como o personagem criado por um bom dramaturgo, em direção do seu V ato” (ibidem, p. 2-3). A perspectiva do futuro introduzida por esta teoria na compreensão dos processos psicológicos, nos leva à pedagogia psicológica individual como um dos dois momentos que centra nossa atenção no método de Adler. Vittells denomina a pedagogia como a esfera principal da aplicação da psicologia de Adler. Na realidade, a pedagogia para a direção da descrição psicológica, constitui o mesmo que a medicina para as ciências biológicas, a técnica para as ciências fisioquímicas e a política para as ciências sociais, a pedagogia é o critério de veracidade superior, já que mediante a prática demonstra o homem a verdade de seus pensamentos. Desde o mesmo início está claro o porque precisamente esta corrente psicológica ajuda a compreender o desenvolvimento infantil e a educação; por conseguinte, na inadaptação da infância se encontra a fonte da supercompensação, é dizer, o desenvolvimento superior das funções. Quanto mais adaptada é a infância em algumas espécies de animais, menores são as possibilidades potenciais do desenvolvimento e da educação. A garantia da super valoração reside na presença da deficiência, por isso a inadaptação e a supercompensação são as forças motrizes do desenvolvimento da criança. Esta compreensão nos dá a clave para a psicologia classista e a pedagogia. De igual forma que o curso da corrente se determina pelos cantos e o leito, a linha principal psicológica, o plano de vida do homem que se desenvolve e cresce estão determinados, com a necessária objetividade, pelo leito social “e os cantos sociais” da personalidade. Página 43. Para a teoria e a prática da educação da criança com defeito de audição e de visão, a teoria da supercompensação tem uma importância fundamental e serve de base psicológica. Que perspectiva tem ante si o pedagogo quando conhece que o defeito não é somente uma deficiência, uma debilidade, senão também a fonte das forças e das capacidades e que no defeito há algum sentido positivo. Em essência, a psicologia há muito tempo estudou isto, os pedagogos há muito tempo que conheciam isto, mas somente agora se formulou com precisão científica a lei principal: a criança ira querer ver tudo se é míope, ouvir tudo se apresenta uma anomalia auditiva, irá querer falar se tem dificuldades na linguagem ou se é tartamudo. O desejo de voar estará manifestado nas crianças que têm grandes dificuldades já para saltar (A. Adler, 1927, p. 27). Nesta “oposição da deficiência orgânica e dos desejos, as fantasias, os sonhos, é dizer, das aspirações psíquicas à compensação...” (ibidem), se encontra o ponto de partida e as forças motrizes de qualquer educação. A prática da educação confirma isto a cada passo. Se nós ouvimos dizer: a criança manca e por isso corre melhor do que as demais, entendemos que se trata da mesma lei. Se as investigações experimentais demonstram que as reações podem ter lugar com maior velocidade e força ante a presença de obstáculos em comparação com as máximas em condições normais, temos ante si a mesma lei. A representação elevada da personalidade humana e a compreensão de sua fusão orgânica e da unidade devem constituir a base da educação da criança anormal. W. Stern, quem olhou a estrutura da personalidade com mais profundidade que os demais psicólogos, supôs o seguinte: “não temos nenhum direito de tirar conclusões acerca de que o portador de uma anormalidade estabelecida de uma ou outra propriedade é anormal, da mesma maneira que é impossível reduzir a anormalidade Página 44. estabelecida da personalidade a propriedades únicas como causa primeira e única” (W. Stern, 1921, p. 163-164). Aplicamos esta lei na somática e na psique, na medicina e na pedagogia. Na medicina se fortalece cada vez mais a opinião de que o funcionamento racional ou irracional do organismo íntegro é o único critério da saúde ou da doença, e as anormalidades se valoram somente na medida em que se compensam normalmente ou não se compensam através de outras funções do organismo (ibidem, p. 164). Na psicologia a análise microscópica das anormalidades conduz a sua sobrevaloração e a sua análise como expressões da anormalidade geral da personalidade. Se aplicamos estas idéias de Stern na educação, haveremos de recusar o conceito e o termo “crianças com defeito”. T. Lipps viu nisto a lei geral da atividade psíquica, a qual denominou lei do dique ou da contenção. “Se o acontecimento psíquico se interrompe ou se obstaculiza no seu curso natural, ou se neste último se apresenta em algum ponto um elemento estranho, ali onde começa a interrupção, a retenção, ou a revolta do curso do acontecimento psíquico, ali tem lugar uma inundação” (T. Lipps, 1907, p. 127). A energia se concentra nesse ponto, aumenta e pode vencer a retenção. Pode avançar por uma via de rodeio, “Entre muitas outras coisas mais, aqui se inclui a alta valoração do que se foi perdido ou inclusive somente danificado”, (ibidem, p.128). Isto já contém toda a idéia da supercompensação. Lipps concedia uma importância universal a esta lei. Em geral, qualquer aspiração é considerada por ele um fenômeno da inundação. Lipps explicou não somente a vivência do cômico e do trágico, senão também os processos do pensamento mediante a ação desta lei: “Qualquer atividade racional se realiza necessariamente pelas vias de acontecimento anterior sem objetivo ou automático”, quando se apresenta o obstáculo. À energia no lugar da conteção Página 45. é inerente a tendência a se mover em direção a um lado. O objetivo que não se pode alcançar por via direta se alcança graças à força da inundação por uma das vias indiretas” (ibidem, p. 274). Somente devido à dificuldade, à retenção, ao obstáculo se faz possível o objetivo para outros processos psíquicos. O ponto de interrupção, é dizer, o transtorno de alguma função que atua automaticamente se converte no “objetivo” para as outras funções dirigidas a este ponto e por isso tem o aspecto de atividade racional. Eis aqui o porquê o defeito e os transtornos originados por ele no funcionamento da personalidade, chegam a ser o ponto especial e final para o desenvolvimento de todas as forças psíquicas do indivíduo; eis aqui o porquê Adler denomina ao defeito a força motriz fundamental do desenvolvimento e o ponto final especial do plano da vida. A linha “defeito-supercompensação” é a linha principal do desenvolvimento da criança com defeito de alguma função ou órgão. Deste modo o “objetivo” se assinalou com anterioridade e, em essência, somente é evidentemente um objetivo, de fato é a causa primeira do desenvolvimento. A educação da criança com diferentes defeitos deve basear-se no fato de que simultaneamente com o defeito estão dadas também as tendências psicológicas de uma direção oposta; estão dadas as possibilidades de compensação para vencer o defeito e de que precisamente essas possibilidades se apresentam em primeiro plano no desenvolvimento da criança e devem ser incluídas no processo educacional como sua força motriz. Estruturar todo o processo educativo segundo a linha das tendências naturais à supercompensação, significa não atenuar as dificuldades que surgem do defeito, mas tensionar todas as forças para sua compensação, apresentar somente as tarefas e em uma ordem que respondam ao caráter gradual do processo de formação de toda a personalidade sob um novo ponto de vista. Página 46. Que verdade libertadora para o pedagogo: o cego desenvolve a superestrutura psíquica sobre as funções que têm desaparecido, que tem uma tarefa, substituir a visão; o surdo por todas as vias cria os meios para vencer o isolamento e a separação da mudez! Até o momento, não temos utilizado estas forças psíquicas, não as temos levado em consideração; estas são a vontade para recuperar a saúde e a validez social, que ferem como um punhal esta criança. O defeito se considera estaticamente somente como um defeito, como menos. As forças positivas colocadas em ação pelo defeito estavam ao lado da educação. Os psicólogos e os pedagogos não conheciam a lei de Adler sobre a contraposição da deficiência orgânica dada e das tendências psicológicas em direção à compensação; levavam em conta somente o primeiro, a deficiência. Não conheciam que o defeito não somente é uma pobreza psíquica, senão que também uma fonte de riqueza; não somente uma debilidade, senão que também uma fonte de força. Pensavam que o desenvolvimento da criança cega estava dirigido à cegueira, mas o resultado está dirigido ao vencimento da cegueira. A psicologia da cegueira é, em essência, a psicologia do vencimento da cegueira. A compreensão incorreta da psicologia do defeito tem sido a causa do fracasso da educação tradicional dos cegos e dos surdos. A compreensão antiga do defeito somente como uma deficiência se parece com o fato de que, como se seguisse o exemplo da vacinação da criança saudável, resultará que lhe inoculam a doença. De fato lhe inoculam a super saúde. O mais importante é que a educação se apóia não somente nas forças naturais do desenvolvimento, senão também no ponto especial e final ao qual deve se orientar. A validez social é o ponto especial e final da educação, já que todos os processos da supercompensação estão dirigidos à conquista da posição social. A compensação se dirige não em direção a um desvio posterior da norma, ainda que seja no sentido Página 47. positivo, senão em direção ao desenvolvimento super normal, deforma unilateralmente o hipertrofiado da personalidade em alguns aspectos, mas no sentido da norma, no sentido da aproximação a um determinado tipo social. Um determinado tipo social da sociedade é a norma da supercompensação. Na criança surda, aparentemente separado do mundo, separado de todas as relações sociais, encontramos não a redução senão o aumento do instinto social, da vontade para a vida social e da ânsia de comunicação. Sua capacidade psicológica para a linguagem é inversamente proporcional a sua capacidade física para falar. Ainda que pareça paradoxal, a criança surda mais que a normal quer falar e tem tendência a falar. Nosso ensino tem passado por isto sem se deter e os surdos sem nenhuma educação, que atendesse as suas necessidades, desenvolveram e criaram sua linguagem, a qual surgiu desta tendência. Aqui o psicólogo tem em que pensar. Aqui se encontra a causa de nosso fracasso no desenvolvimento da linguagem oral nos surdos. Da mesma forma também o menino cego possui uma elevada capacidade para dominar o espaço, uma inclinação maior em comparação com a criança vidente, em relação ao mundo, que se apresenta para esta última sem trabalho graças à visão. O defeito não é somente debilidade, senão que também força. Nesta verdade psicológica se encontra o alfa e o ômega da educação social das crianças com defeitos. O mais progressista e correto da psicologia da educação das crianças com defeitos está contido nas idéias de T. Lipps, W. Stern e de A. Adler. Porém estas idéias estão cobertas de certa falta de claridade e para dominá-las totalmente é necessário aclarar com precisão em que relação se encontram com respeito às outras teorias e pontos de vista psicológicos, parecidos a elas enquanto a forma e a essência. Em primeiro lugar, surge com facilidade a suspeita de que estas idéias não tem sido criadas pelo otimismo científico. Se junto com o defeito estão dadas também as forças para seu vencimento, qualquer Página 48. defeito tem seu bem. Por acaso, não é assim? Mas a supercompensação é somente o ponto extremo de uma das duas saídas possíveis deste processo, de um dos dois pólos deste defeito complicado do desenvolvimento. O outro pólo é o fracasso da compensação, a evasão da doença, a neurose e o caráter associal total da posição psicológica. A compensação que não se conseguiu se transforma em uma luta de defesa com ajuda da doença, em um objetivo fictício que dirige todo o plano da vida por uma via falsa. Entre estes dois pólos, como casos extremos, estão dispostos todos os graus possíveis de compensação, desde os mínimos até os máximos. Em segundo lugar, estas idéias resultam fácil confundi-las com as diretamente opostas enquanto ao sentido e é possível ver nelas um profundo retorno ao passado, à valoração mística-cristã do defeito e do padecimento. Não penetra também junto com as idéias assinaladas e a alta valoração da doença em detrimento da saúde, o reconhecimento da utilidade do padecimento, em geral, o cultivo das formas impotentes, débeis e pobres da vida em prejuízo das fortes, valiosas e poderosas? Não, a nova teoria valora de um modo positivo não o padecimento por si mesmo, senão seu vencimento; não a resignação ante o defeito, senão a rebelião contra ele; não a debilidade por si mesma, senão os impulsos e as fontes de força contidas nela. De maneira que esta teoria se opõe diametralmente às idéias cristãs sobre as doenças. Aqui se denomina o bem não como pobreza, senão riqueza potencial de espírito, e pobreza como um impulso para seu vencimento, para a acumulação. O ideal da força e da potência aproxima Adler e Nietzsche(10), no qual a psicologia individual se mostra como a vontade para o poder, para a potencia, como uma tendência primária. A teoria sobre a validez social como o ponto final da supercompensação, separa, Inicio de nota de rodapé. (10) Nietzsche Friedrich (1844-1900), filósofo reaccionario alemán, representante del irracionalismo y del voluntarismo; uno de los fundadores de “la filosofia della vida”. Fim de nota de rodapé. Página 49. tanto a psicologia, com igual precisão do ideal cristão da debilidade como do culto nietzscheniano da força individual. Em terceiro lugar, é necessário traçar os limites entre a teoria da supercompensação do defeito e a antiga teoria biológica ingênua, ou senão, a teoria do substituto dos órgãos dos sentidos. É induvidável que esta última já continha o primeiro pressentimento científico da verdade de que a declinação da função proporciona um impulso para o desenvolvimento das outras funções substitutas que ocupam seu lugar. Mas este pressentimento está expressado de um modo ingênuo e transformado. As relações entre os órgãos dos sentidos se equiparam diretamente com as relações entre os órgãos pares; o tato e a audição compensam aparentemente de forma direta a visão que há declinado, como o rim são compensa o doente; o menos orgânico se cobre mecanicamente com o mais orgânico e continua sendo confuso com este salto através de todas as instâncias sócio-psicológicas, o que estimula a audição e a pele a realizar a compensação: em efeito, a declinação da visão não afeta as atividades vitais necessárias. A prática e a ciência faz tempo desmascararam a falta de fundamento desta teoria. Uma investigação baseada em fatos tem demonstrado que na criança cega não há o aumento automático do tato ou da audição devido à visão que lhe falta (K. Bürklen, 1924). Pelo contrário, a visão por si mesma não se substitui, senão que as dificuldades que surgem devido à sua falta se solucionam mediante o desenvolvimento da superestrutura psíquica. Deste modo, nos encontramos com a opinião sobre a memória elevada, a atenção elevada e as capacidades articulatórias elevadas dos cegos. Precisamente nisto A. Petzeld(11), a quem pertence o melhor trabalho Inicio de nota de rodapé. (11) Petzeld A. (?). Vigotski compartía enteramente la idea de Petzeld sobre las amplísimas posibilidades del desarrollo de la persona ciega en las condiciones de la educación correcta. Al valorar el libro de Petzeld “como el mejor trabajo sobre la psicología de los ciegos”, él compartió su opinión de que el dominio dellenguaje, de la comunicación social es la dirección fundamental y decisiva de la compensación de la ceguera (“de su vencimiento”). Fim de nota de rodapé. Página 50. sobre a psicologia dos cegos vê o traço fundamental da supercompensação (A. Petzeld, 1925). O mais característico da personalidade do cego - supõe - é a possibilidade de assimilar a experiência social dos videntes com ajuda da linguagem. H. Grizbach demonstrou que o dogma da substituição dos sentidos não resistiu às críticas e “o cego tem estado tão perto da sociedade dos videntes, como distante tem estado sua teoria do substituto” (ibidem, p. 30-31). Na realidade, nesta teoria há um grau de verdade, contido na compreensão de que qualquer defeito não está limitado à declinação isolada da função, senão que traz consigo a reorganização radical de toda a personalidade, reanima novas forças psíquicas e ainda lhes dá uma nova orientação. Somente a idéia ingênua sobre a natureza puramente orgânica da compensação, somente a ignorância do momento sóciopsicológico neste processo e somente o desconhecimento da direção final e da natureza geral da supercompensação separam a teoria velha, da nova. Por último, em quarto lugar, é necessário determinar a relação verdadeira da teoria de Adler com a pedagogia social terapêutica soviética que foi criada nos últimos anos, elaborada sobre a base dos dados da reflexologia. A delimitação destes dois grupos de idéias se reduz a que a teoria dos reflexos condicionados proporciona a base científica para a elaboração do próprio mecanismo do processo educativo e a teoria da supercompensação e para a compreensão do próprio processo de desenvolvimento da criança. Muitos autores, incluindo a mim, têm analisado o ensino dos cegos ou dos surdos, desde o ponto de vista dos fatores condicionados e têm chegado a uma conclusão importante muito profunda: não existe nenhuma diferença de princípio entre a educação da criança vidente e da criança cega, as novas relações condicionadas se estabelecem da mesma maneira com qualquer analisador e o efeito das influências externas Página 51. organizadas é a força determinante da educação. A escola sob a direção de I. A. Sokolianski(12) elabora uma nova metodologia para o ensino da linguagem aos surdos sobre a base desta teoria, e neste caso, alcança resultados práticos surpreendentes e implanta postulados teóricos superiores às teorias da surdopedagogia européia mais progressista. Mas é impossível limitar-se a isto. Não se pode supor que se elimina teoricamente qualquer diferença entre a educação do cego, do surdo e da criança normal, não se pode porque, de fato, esta diferença existe e se dá a conhecer. Toda a experiência histórica da surdopedagogia e a tiflopedagogia demonstra isto. Também é preciso considerar as particularidades do desenvolvimento da criança com defeito. O educador deve conhecer em que se afirma a peculiaridade da pedagogia especial, que fatores no desenvolvimento da criança respondem a esta peculiaridade e a exigem. É verdade que a criança cega ou surda deste ponto de vista da pedagogia pode, em Inicio de nota de rodapé. (12) Sokolianski Ivan Afanasevich (1889-1960), pedagogo-defectólogo soviético, especialista en la esfera de la surdopedagogía y la titlopedagogía. Una especial importancia científica y práctica tiene el sistema original de educación y ensenanza de los ciegos sordomudos creado por él. Además, elaboró el método de ensenar a hablar a los niños sordomudos sobre la base de la percepción visual íntegra de las formas de las palabras y de las frases a través de la lectura por el movimiento de los labios, y de las sensaciones motoras “procedentes del trabajo de la mano al escribir”. Vigotski consideró el carácter reflejo del proceso y también el orden lógico elaborado de las instrucciones como el mérito de este método. Destacó que este método, en resumidas cuentas, conduce al desarrollo dellenguaje coherente dei niño sordomudo, lo que constituye una de las tareas principales de la surdopedagogía. Sokolianski también estudió los problemas de la titlopedagogía. Por su iniciativa, en Jarkov fue creada la única institución científico-pedagógica existente en el mundo, la escuela clínica para los ciegos sordomudos (1923). De acuerdo con sus elaboraciones fueron creadas diferentes adaptaciones técnicas utilizadas en la enseñanza de los ciegos sordomudos; por este trabajo a Sokolianski le fue otorgado postumamente el Premio Estatal. Fim de nota de rodapé. Página 52. princípio, ser igualada à criança normal; mas ela alcança tudo o que alcança uma criança normal por outra via, de outra maneira, por outros meios. Para o pedagogo resulta muito importante conhecer precisamente essa peculiaridade da via pela qual é necessário conduzir esta criança. A biografia do cego não se parece com a biografia do vidente; é impossível admitir que a cegueira não provoca uma profunda peculiaridade de toda a linha de desenvolvimento. Em essência , o caráter final dos atos psicológicos, sua tendência em relação ao futuro se apresentam já nas próprias formas elementares da conduta. Já nas formas mais simples da conduta com as que têm relação a escola de I.P. Pavlov no estudo do mecanismo dos reflexos condicionados, se assinala a orientação em direção a um objetivo da conduta. Entre os reflexos inatos, Pavlov diferencia o reflexo especial do objetivo. Com este nome contraditório ele indica provavelmente dois momentos: 1) que também estamos frente a um mecanismo reflexo; 2) que este mecanismo toma a aparência da atividade racional, é dizer, se faz compreensível em relação com o futuro. “Toda a vida é a realização de um objetivo - expressa Pavlov - e precisamente esse objetivo é a conservação da própria vida...” (1951, p. 308). Pavlov chama este reflexo de reflexo da vida. “Toda a vida, todas as suas melhorias e toda sua cultura são o reflexo do objetivo e tudo isto somente o podem conseguir os homens que aspiram alcançar um ou outro objetivo que se estabelecem na vida” (ibidem, p. 310). Pavlov formula diretamente a importância deste reflexo para a educação e suas idéias coincidem com a teoria da compensação. “Para a manifestação completa , correta e frutífera do reflexo do objetivo - expressa ele - se requer certa tensão. O anglo-saxão, a representação superior deste reflexo, conhece bem isto e eis aqui o porquê ante a pergunta qual é a condição principal para conseguir o Página 53. objetivo, ele responde de um modo inesperado e incrível para a visão e o ouvido russos: a existência de obstáculos”. Ele parece dizer: “ Que aumente meu reflexo do objetivo em resposta aos obstáculos e então alcançarei o objetivo como se não fosse difícil alcançá-lo”. Resulta interessante que na resposta se ignore totalmente a impossibilidade de alcançar o “objetivo” (ibidem, p. 311). Pavlov lamentou que “ não tivéssemos informações práticas com respeito a este importantíssimo fator da vida como é o reflexo do objetivo. E estas informações são tão necessárias em todas as esferas da vida, começando pela esfera capital, a educação” (ibidem, p. 311-312). Ch. Sherrington(13) expressa o mesmo acerca do reflexo. Segundo sua opinião, a reação reflexa não pode ser compreendida realmente pelo fisiólogo sem conhecer seu objetivo, e ele pode conhecer seu objetivo analisando a reação à luz de qualquer complexo orgânico das funções normais como um todo. Isto também dá direito à síntese de ambas as teorias psicológicas. “A orientação estratégica dos partidários de Adler - expressa A. B. Zalkind - é a mesma idéia dominante, mas não nas formulações fisiológicas gerais, senão clínicas, psicoterapêuticas” (citado do livro: Novoie y reflexologui...1925, p. VI). O autor vê na coincidência teórica e prática destas duas teorias a confirmação de que a via fundamental pela que ambas marcham “é correta” (ibidem). As investigações experimentais a que nos remetemos com anterioridade e que demonstraram que a reação pode ganhar força e velocidade ante a presença de estímulos obstaculizadores e opositores, podem se considerar como fenômenos da idéia dominante e como fenômenos da supercompensação. L. L. Vasiliev e eu descrevemos estes fenômenos com o nome de processos dominantes Inicio de nota de rodapé. (13) Sherrington Charles Skott (1859-1952), fisiólogo inglés, fundador de la escuelacientífica. Autor de descubrimientos fundamentales en la esfera de la neurofisiología. Creador de la teoria de los campos receptivos. Fim de nota de rodapé. Página 54. (V. M. Bejterev(14) e L. L. Vasiliev, 1926; L.S. Vigotski, 1982). V. P. Protopopov(15) demonstrou que as concentrações “somático-defeituosas superam as normais” no que diz respeito a maior estabilidade e intensidade da reação (1925, p. 26); ele explica isto mediante as particularidades do processo dominante. Isto também significa que o potencial da supercompensação nas pessoas com defeito é mais alto. Não se pode analisar as questões da educação sem a perspectiva do futuro. Isto o demonstram as conclusões a que nos leva inevitavelmente semelhante análise. Deste modo, I. A. Sokolianski chega a uma conclusão paradoxal: a educação dos cegos surdos é mais fácil que a educação dos surdos; e a educação dos surdos é mais fácil que a educação dos cegos; a dos cegos é mais fácil que a das crianças normais. Esta ordem lógica se estabelece precisamente atendendo ao grau de complexidade e de dificuldade do processo pedagógico. Nisto ele vê uma conseqüência direta da aplicação da reflexologia à revisão dos pontos de vista sobre a anormalidade. “Isto não é um paradoxo, mas uma conclusão natural dos novos pontos de vista sobre a natureza do homem e sobre a essência da linguagem - expressa Sokolianski” (citado do livro:Ukrainskii Vicnik refleksologuii..., 1926). Partindo destas investigações, Protopopov chega também à conclusão de que no cego surdo” se estabelece com extraordinária facilidade a possibilidade da relação social” (1925, p.10). Inicio de nota de rodapé. (14) Bejterev Vladimir Mijailovich (1857-1927), fisiólogo ruso-soviético, neurólogo y psicólogo. Investigador de Ia personalidad sobre la base del estudio integral del cerebro, mediante métodos fisiológicos, anatómicos y psicológicos. Fundador de la reflexología. Vigotski utiliza el concepto de Bejterev, actividad correlativa, al analizar el sistema alterado de las relaciones sociales del niño anormal, así como al intentar dar una fundamentación reflexo lógica a los procesos de la lectura, la escritura y la percepción del lenguaje en los niños ciegos y sordos. (15) Protopopov Víctor Pavlovich (1880-1957), psiquiatra soviético, contribuyó a la introducción en la psiquiatria de la teoría de L. P. Pavlov sobre los reflejos condicionados. Al investigar a los ciegos sordomudos Protopopov llegó a la conclusión sobre la posibilidad de instaurar en ellos la comunicación social. Fim de nota de rodapé. Página 55. Que podem oferecer à pedagogia semelhantes postulados psicológicos? Está totalmente claro que qualquer comparação da educação do cego surdo e da criança normal, com respeito à dificuldade e à complexidade somente é conveniente quando levamos em consideração as tarefas pedagógicas iguais cumpridas em diferentes condições (a criança normal, e a criança com defeito); somente uma tarefa geral e um nível único das conquistas pedagógicas podem servir de medida geral da dificuldade da educação em ambos os casos. É absurdo perguntar o que é mais difícil: ensinar a uma criança apta de oito anos a tabuada de multiplicar, ou a um estudante com atraso mental, a matemática superior. Aqui a possibilidade no primeiro caso está condicionada não pelas capacidades, senão pela facilidade da tarefa. Resulta mais fácil ensinar o cego surdo, porque o nível de seu desenvolvimento, as exigências dispostas ao seu desenvolvimento e as tarefas da educação que se querem alcançar são mínimas. Se nós quiséssemos ensinar à criança normal isto mesmo, é pouco provável que alguém comece a afirmar que isto exigirá um maior trabalho. Pelo contrário, se dispuzéssemos ao educador do cego surdo as mesmas tarefas enormes, quanto ao volume, que se dispõem ao educador da criança normal, é pouco provável que alguém possa realizar isto com menos trabalho, ou que possa realizá-la em geral. Com quem é mais fácil trabalhar para formar a unidade social determinada do operário, do balconista e do jornalista. Com uma criança normal ou com um cego surdo? É pouco provável que esta pergunta tenha mais de uma resposta. No cego surdo se estabelece com extraordinária facilidade a possibilidade da relação social - como expressa Protopopov - não somente em dimensões mínimas. O clube dos surdos e o internato dos cegos surdos nunca se converteram no centro da vida social. Ou que demonstrem primeiro que ao cego surdo Página 56. é mais fácil ensinar a ler o jornal e a estabelecer relações sociais que à criança normal. Chegaríamos a estas conclusões seguramente se analisássemos somente a mecânica da educação sem ter em conta a linha do desenvolvimento da própria criança e suas perspectivas. O trabalho da supercompensação está determinado por dois momentos: a amplitude, a dimensão da inadaptação da criança, o ângulo de divergência de sua conduta e dos requisitos sociais colocados para a sua educação, por um lado, e o fundo de compensação, a riqueza e a diversidade de funções, por outro lado. Este fundo é extremamente pobre nas crianças cegas surdas; sua inadaptabilidade é muito grande. Por isso não tem resultado fácil, senão incomensuravelmente mais difícil a educação do cego surdo que a da criança normal, se com a educação se quiser obter o mesmo resultado. Mas o que fica e tem uma importância decisiva como resultado de todas essas delimitações para a educação, é a possibilidade da validez social e da super validação para as crianças que possuem defeitos. Isto se alcança com muito pouca freqüência, mas a própria possibilidade desta feliz supercompensação assinala como um farol no caminho de nossa educação. Pensar que qualquer defeito será de um modo indispensável compensado felizmente é tão ingênuo, como pensar que qualquer doença termina indispensavelmente com o restabelecimento. Necessitamos, diante de tudo, a sensatez da opinião e o realismo da valoração; conhecemos que as tarefas da supercompensação de defeitos, tais como a cegueira e a surdez, são enormes e o fundo de compensação é pobre e insuficiente; o caminho do desenvolvimento é excessivamente difícil, porém é mais importante conhecer a direção correta. Também Sokolianski tem em consideração isto na prática e está comprometido com isto pelos grandes êxitos de seu sistema. Para seu método não é tão importante seu paradoxo teórico, Página 57. como sua excelente orientação prática condicional na educação. Em seu método - expressa ele - não somente a mímica se converte em algo totalmente inútil, senão que as próprias crianças não a utilizam por iniciativa própria. Pelo contrário, a linguagem oral chega a ser para eles uma necessidade fisiológica invencível (no livro: Ukrainskii Vicnik reflexologuii..., 1926). Nenhuma metodologia no mundo pode vangloriar-se disto e aqui se encontra precisamente a chave da educação dos surdos. Se a linguagem oral se converte em uma necessidade e substitui a mímica nas crianças, significa que o ensino está dirigido pela linha da supercompensação natural da surdez; está dirigida pela linha dos interesses da criança e não contra eles. A educação tradicional da linguagem oral, como uma engrenagem desgastada, não abarcou todo o mecanismo das forças naturais e dos impulsos da criança, não foi colocada em movimento a atividade compensadora interna e tem girado sem resultados úteis. A linguagem oral instaurada nos alunos com uma rigidez clássica, se converte na língua oficial para os surdos; todos os esforços da técnica se dedicaram inteiramente à mímica. Mas a tarefa da educação somente se reduziu a dominar estas forças internas do desenvolvimento. Se o método de cadeia de Sokolianski fez isto, ele, na realidade, considera as forças da supercompensação e as domina. Os êxitos alcançados não são ao princípio um indicador justo da utilidade do método, esta é uma questão de técnica e do aperfeiçoamento do método, por último, é uma questão de êxito prático. Somente uma coisa tem importância desde o princípio: a necessidade fisiológica da linguagem. Se foi encontrado o segredo de criar a necessidade, quer dizer, de incutir o objetivo, este será a própria linguagem. Para a tiflopedagogia o mesmo sentido e valor têm o postulado colocado por Petzeld: A possibilidade do conhecimento para o cego é a Página 58. possibilidade do conhecimento completo de tudo, e sua compreensão é, na base, a possibilidade de compreender tudo totalmente (A. Petzeld, 1925). O autor vê a particularidade caracterológica da psicologia do cego e da estrutura de sua personalidade, não somente na limitação especial incomum, senão que também no domínio completo da linguagem. A personalidade do cego se forma da luta destas duas forças. Em que medida este postulado será levado à prática, em que dimensões e em que período será realizado; estas são questões de desenvolvimento prático da pedagogia, a qual depende de muitas circunstâncias. Em efeito, também as crianças normais com muita freqüência não colocam em prática durante a educação todas ou uma grande parte de suas possibilidades. Por acaso a criança proletária alcança o grau de desenvolvimento que poderia alcançar? Assim acontece também com os cegos. Mas para a confecção correta, inclusive de um plano educativo simples, é necessário eliminar os limites que demarcam o horizonte, os que ao parecer, têm sido colocados pela própria natureza ao desenvolvimento social desta criança. É importante que a educação tome o rumo da validez social, considerando-a um ponto real e determinante e não sustente a idéia de que o cego está condenado à inferioridade. Ao efetuar o resumo, atentaremos para um exemplo. Mesmo que nos últimos tempos a crítica científica tenha realizado um trabalho dirigido a destruir a lenda de Helen Keller, no entanto, seu destino esclarece muito bem todo o desenvolvimento das idéias defendidas aqui. Um dos psicólogos assinalou de um modo totalmente correto que se Keller não houvesse sido cega surda-muda, nunca haveria alcançado o desenvolvimento, a influencia e a notoriedade de que foi objeto. Como entender isto? Em primeiro lugar, isto significa que seus sérios defeitos fizeram reviver as enormes forças da supercompensação. Mas isto não é tudo: na verdade, seu fundo de compensação era pobre em excesso. Em segundo lugar, isto significa que ao não haver Página 59. uma coincidência extremamente feliz das circunstâncias, converteria seu defeito em uma vantagem social, ela continuaria sendo uma habitante subdesenvolvida e pouco destacada da América do Norte. Mas H. Keller se tornou uma sensação, chegou a ser o centro da atenção pública, se transformou em celebridade, em uma heroína nacional, em um prodígio divino para o habitante multimilionário norte-americano; ela se converteu no orgulho do povo, em um fetiche. Seu defeito chegou a ser para ela algo socialmente vantajoso, não lhe criou o sentimento de inferioridade. A rodearam de luxo e glória, inclusive barcos eram oferecidos para suas excursões instrutivas. Seus ensinamentos se converteu em tarefa de todo o país. Incutiram-lhe enormes exigências sociais: a queriam ver o médico, a escritora, a pregadora e foi transformada por eles. Agora quase não se pode diferenciar o que pertence realmente a ela e o que foi feito a ela pela ação do setor multimilionário. Este feito demonstra muito claramente que papel desempenhou a demanda social em sua educação. A própria Keller escreve que se houvesse nascido em outro meio, teria permanecido eternamente na escuridão e sua vida teria sido como um monastério isolado de qualquer relação com o mundo exterior (1910). Em sua história todos viram uma prova evidente da força independente e da vida do espírito preso em um calabouço corporal. Inclusive com “as influencias externas ideais sobre Helen - escreve o autor(16) - não Inicio de nota de rodapé. (16) Se tiene en cuenta a Bogdanov-Berezovski Mijail Valerianovich (1867-1921), otorrinolaringólogo ruso. Trabajó como médico en la escuela de sordomudos de Petersburgo, participó activamente en la lucha por la ensefíanza de los sordomudos y por el mejoramiento de su posición en Rusia. Desde el momento de la creación del patronazgo de niños sordomudos se incorporó como miembro del comité, redactó la revista Viestnik Popechitelstva o glujoniemij. Sus trabajos principales son: “Vosstanovlenie sluja u glujoniemij”. San Petersburgo, 1901; “Poloschenie glujoniemij v Rossii”.San Petersburgo, 1901. Autor dei prólogo a la traducción rusa del libra de H. KelIer Optimizm. Fim de nota de rodapé. Página 60. teríamos conhecido seu raro livro, seu espírito vivo, poderoso, mesmo que estivesse como escondido, não teria sido arrancado de um modo incontido ao encontro da influencia procedente do exterior” (H. Keller, 1910, p.8). O autor que compreende que a surdo-cegueira é não somente a soma de dois somandos e que “a essência do conceito de surdocegueira é muito mais profunda” (ibidem. p. 6), seguindo a tradição vê esta essência na compreensão religioso-espiritualista de sua história. Entretanto a vida de H. keller não encerra em si nada enigmático. Ela demonstra de um modo evidente que o processo de supercompensação está determinado por duas forças: as exigências sociais colocadas em direção ao desenvolvimento e a educação e às forças integras da psique. A demanda extremamente alta estabelecida ao desenvolvimento de H. Keller e sua feliz realização social, nas condições do defeito, determinaram seu destino. Seu defeito, além de não ser um obstáculo, se converteu em um impulso e garantiu o desenvolvimento. Por esta razão Adler está certo quando aconselha analisar qualquer ato em sua relação com o plano único da vida com seu objetivo final (A. Adler, 1927). I. Kant supôs - expressa A. Neier - que nós compreenderíamos o organismo se o considerássemos como uma máquina construída de um modo racional; Adler aconselha o considerar o individuo como uma tendência realizada em direção ao desenvolvimento. Na educação tradicional das crianças com defeitos da psique, não há nenhum ápice de estoicismo. Neste caso, a educação está debilitada pelas tendências da lastima e da filantropia, está envenenada com o tóxico do estado doente e da debilidade. Nossa educação é doce; ela não toca no vivo ao aluno; na educação não há sal. Necessitamos idéias audazes e formadoras. Nosso ideal não é rodear de algodão o lugar do enfermo e cuidar dele, por todos os meios, das contusões, senão descobrir as vias mais amplas de sua super- Página 61. compensação. Para isto necessitamos assimilar a tendência social deste processo. Mas na fundamentação psicológica da educação começamos a perder o limite entre a educação do filho do homem e do animal, entre a educação verdadeira e do adestramento. Voltaire, colocou, de brincadeira, que depois de ler J. J. Rousseau17, ele gostaria de andar gatinhando. Este mesmo sentimento desperta quase toda nossa nova ciência sobre a criança: esta estuda com freqüência a criança que anda gatinhando. É curioso o que P. P. Blonski confessa: “Gosto muito de colocar a criança inofensiva na pose do animal de quatro patas; para mim, pessoalmente, isto sempre significa muito” (1925, p. 97). Na realidade, a ciência sobre a criança ele somente a conhece nesta postura. A. B. Zalkind denomina isto como aproximação zoológica à infância (1926). Não há discussão: este enfoque é muito importante; estudar o homem como uma das espécies de animais, como um mamífero superior, é muito importante. Mas isto não é tudo e, inclusive, tampouco o principal para a teoria e a prática da educação. S. L. Frank18, continuando a brincadeira simbólica de Voltaire, expressa que em oposição a Rousseau, a natureza em Goethe “não nega, senão que exige diretamente a posição vertical do homem; ela não chama a pessoa atrás em direção à simplificação e ao estado primitivo, senão que para frente, em direção ao desenvolvimento e à complexidade da humanidade “ (1910, p. 358). As idéias desenvolvidas Inicio de nota de rodapé. (17) Rousseau Juan Jacobo (1712-1778), gran escritor francés, filósofo sensualista, que ejerció gran influencia en el desarrolIo de la filosofía burguesa, de la sociología y de la pedagogía. Al concluir el análisis del problema de la compensación y de la supercompensación, a la luz de las exigencias sociales planteadas al desarroIlo, Vigotski se manifiesta en contra de la posición de Rousseau “que borra el límite entre la educación del animal pequeño y del niño; entre el amaestramiento y la educación”. (18) Frank Semion Liudvigovich (1877-1950), filósofo religioso ruso. Pasó del “marxismo legal” al idealismo. Fim de nota de rodapé. Página 62. aqui sobre estes pólos se aproximam a Goethe e não a Rousseau. Se a teoria dos reflexos condicionados traça a horizontal do homem, a teoria da supercompensação oferece sua vertical. REFERÊNCIAS VIGOTSKI, L. S. Fundamentos de Defectologia. In: Obras completas completas. Tomo V. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. Página 63. CAPÍTULO III ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA José Roberto Carvalho1 Lucia Terezinha Zanato Tureck2 1 Licenciado em Pedagogia pela Unioeste e mestrando em Educação na UFPr, Conselheiro da Associação Cascavelense da Pessoa com Deficiência Visual (ACADEVI), membro do Grupo de Pesquisa História, Educação e Sociedade - HISTEDOPR, Sub Grupo da Educação da Pessoa com Deficiência, da Unioeste, campus de Cascavel, Paraná. 2 Docente da UNIOESTE, mestre em Educação pela UEM, membro do Grupo de Pesquisa História, Educação e Sociedade - HISTEDOPR, Sub Grupo da Educação da Pessoa com Deficiência, da Unioeste, campus de Cascavel, Paraná. Página 64. Os escritos que seguem buscam discutir alguns elementos afetos à política educacional de inclusão escolar das pessoas com deficiência, numa perspectiva de análise das problemáticas envolvidas neste processo. Discutir educação, políticas educacionais e mesmo elementos ligados mais diretamente às questões pedagógicas requer um tratamento aprofundado a fim de tornar visíveis as determinações históricas / sociais que as gestaram e as condicionam ainda na contemporaneidade. É importante uma análise desses elementos e suas relações, ainda que não se aprofundem aqui as questões históricas, às quais se recomenda um estudo mais radical e conseqüente em bibliografias pertinentes, dentre as quais tangencialmente se apresentam no decorrer deste texto, a exemplo das referências oportunizadas nos demais capítulos deste livro. É preciso compreender que as situações sociais vividas pelo segmento de pessoas com deficiência não se determinam apenas pelos fatos mais recentes, mas, sim, são determinações históricas concretas, que imputam a respeito destas pessoas compreensões agregadas de elementos pouco científicos, com resultados negativos para estes. Também são condições históricas e materiais que continuam a determinar a atual realidade das pessoas com deficiência, podendo, inclusive, constituírem- se em marcos históricos de emancipação humana de fato. Neste sentido, os posicionamentos dos organismos internacionais, em suas Conferências e Declarações, como também a luta do movimento das pessoas com deficiência por um pleno acesso à escola regular, assim como as teorias científicas bastante sólidas, como as de Vigotsky, vêm fomentando atualmente o debate da intitulada inclusão escolar. Assim, perceber como se davam as condições de existência das pessoas com deficiência desde os antropomorfos constituem subsídios valiosos nesta análise, pois esses fatos traduzem a trajetória deste segmento de pessoas. Página 65. Faz-se necessário observar que nos primórdios, mais especificamente no período histórico conhecido como sociedade comunal, as condições de existência da raça humana davam-se de maneira bastante selvagem. Apesar das condições de existência serem bastante brutas, somente caracterizava-se enquanto pessoa com deficiência o indivíduo que não fosse capaz de garantir sua sobrevivência face aos perigos que a própria natureza potencializava, ou indivíduo com aparência considerada anormal, se é que se pode utilizar este termo para a referida periodicidade. Contudo, os apontamentos de Silva (1986), tendem a traduzir o momento na história: “a maioria dos povos primitivos, (...) indicava o extermínio como solução para o problema de crianças ou adultos com deficiências físicas ou mentais” (p.43). Este autor demonstra, também, que entre culturas primitivas sedentárias e nômades era diverso o tratamento a essas pessoas: na abalizada opinião de antropólogos e mesmo de historiadores da medicina, pode-se observar basicamente dois tipos de atitudes para com pessoas doentes ou portadoras de deficiências: uma atitude de aceitação, tolerância, apoio e assimilação e uma outra, de eliminação, menosprezo ou destruição (SILVA, 1986, p.39). Outras reflexões também podem colaborar na compreensão de que esta prática não foi imperativa apenas da comuna primitiva: Moreira Alves afirma que a solução dada pelas leis romanas, que àquelas épocas não contavam com a medicina ao seu lado ou com mais sólidos princípios de defesa da incipiente vida humana, advinha especificamente de uma lei régia atribuída a Rômulo nos primórdios da vida formal de Roma. De acordo com ela, estava proibida a morte intencional de qualquer criança abaixo de três anos de idade, exceto no caso de a criança ter nascido mutilada, ou se fosse considerada como monstruosa. Para casos dessa natureza a lei previa a morte ao nascer (SILVA, 1986, p. 128). Página 66. Com o exposto, adiantam-se algumas discussões propostas por este texto, presentes também nos estudos históricos de Bianchetti (1998), Carvalho (2003) e, por que não, do próprio Engels (1984), que oferecem base para observar-se a sociedade da época, enquanto não desumanizada apesar do incipiente desenvolvimento das forças produtivas. Não se constitui verdade a afirmação positivista de que a partir do advento do catolicismo, na idade média, e em seguida o capitalismo, com ações ‘benfeitoras’ e tecnologias ‘humanizadoras’, que constituem os marcos dessas épocas, observa-se um espaço social humanizador para com o segmento de pessoas com deficiência, apesar do aparato tecnológico possibilitar fenômenos importantes, os quais todavia não são determinantes para este segmento como um todo e, sim, para uma pequena fração. No entanto, quanto ao avanço linear, positivo e idealista da história, as observações de Silveira Bueno (1993) tendem a ser importantes, pois este autor de forma crítica indica que muito pouco tem sido escrito sobre a história da educação especial e o material bibliográfico disponível a apresenta como decorrência da evolução das civilizações, iniciando com a morte dos anormais na pré-história e culminando com o esforço para integração do excepcional na época contemporânea (p. 55). Cabe observar que, mesmo na sociedade comunal, pode-se ponderar não de forma explícita, e, sim, implicitamente, que apesar de deixarem bastante claro que as pessoas com deficiência eram eliminadas ao nascer ou deixadas à própria sorte, por outro lado, há de se considerar também que não existiam desenvolvidos os instrumentos tão requeridos pela área da educação contemporânea, que são os métodos de diagnóstico e prognósticos tão comuns na sociedade dita Página 67. do conhecimento.(3) Parece ser correto ponderar que diversas pessoas, as quais ao longo da história humana e na contemporaneidade passam a ser consideradas pessoas “deficientes”, “portadoras de necessidades especiais”, ou ainda, “receptáculos dos pecados” como na idade média, e outras tantas nomenclaturas que atualmente se conhece, esses ditos deficientes, apesar de também terem vivido nos primórdios, apesar das brutas condições de existência naquele momento histórico bastante adverso, não tinham cerceada sua legitimidade à vida, pois diversas condições que atualmente são caracterizadas por deficiência não ocorriam. Para chegar a esta conclusão é possível pensar-se que, nos primórdios, onde os hominídeos ainda não haviam desenvolvido a linguagem e se comunicavam por gestos e grunhidos, uma pessoa surda, por exemplo, não teria impeditivos velados para viver e, certamente, não lhe seria atribuído o rótulo de deficiente. Esse exemplo parece ser significante para apontar e justificar o exposto, entretanto, visando colaborar para uma melhor compreensão da hipótese, postula- se também que no período em que nossos ancestrais ainda andavam de forma bastante semelhante aos antropóides (quatro patas), sendo que as dianteiras tocavam o solo e as traseiras serviam como impulso, uma pessoa com deficiência física, com algum tipo de de- Inicio de nota de rodapé. (3) A educação tradicional seria resultante de sociedades estáticas, nas quais a transmissão dos conhecimentos e tradições produzidos pelas gerações passadas era suficiente para assegurar a formação das novas gerações, a nova educação deve pautar-se no fato de que vivemos em uma sociedade dinâmica, na qual as transformações em ritmo acelerado tomam os conhecimentos cada vez mais provisórios, pois um conhecimento que hoje é tido como verdadeiro pode ser superado em poucos anos ou mesmo alguns meses. O indivíduo que não aprender a se atualizar estará condenado ao eterno anacronismo, à eterna defasagem de seus conhecimentos. Uma versão contemporânea desse posicionamento aparece no livro do autor português Vitor da Fonseca, intitulado ‘Aprender a aprender: a educabilidade cognitiva’ (Duarte, 2003, p. 10). Fim de nota de rodapé. Página 68. feito na parte das costelas, ou a coluna demasiadamente curvada (corcunda), ou, ainda, aquelas com defeito nos membros inferiores, mas com a possibilidade de utilizá-los para o impulso citado, certamente estariam na mesma condição apontada no que se refere aos surdos. E o que dizer quanto às pessoas com visão reduzida naqueles tempos primários, tendo em vista que, desde que não tivessem olhos alterados radicalmente quanto ao padrão de normalidade, indubitavelmente também não teriam embargadas suas condições de demonstrar sua capacidade de viver, sendo que, caso o indivíduo possivelmente fosse consumido por algum animal em face de sua visão ter diminuído, o fato tenderia a ser visto pela tribo ou grupo de maneira comum, pois esta situação era bastante razoável naquele período histórico. É fundamental compreender essa contradição, ou seja, o porquê do atual dilema em torno da inclusão, uma vez que muitas das pessoas ditas deficientes de alguma forma viveram durante os primórdios e, certamente, recebiam instrução educacional (não formal), ainda que não se possa comparar essa pedagogia com a instrução ofertada na sociedade contemporânea (formal). Algumas interrogações podem ser postas quanto ao que teria ocorrido na história para possibilitar os debates e as discussões atuais, tornando o tema da chamada educação especial com características de um vasto filão de mercado para especialistas e consultores, que recorrem muitas vezes a recursos pouco científicos, bastante danosos para o segmento de pessoas com deficiência. Para colaborar no desvelar desse emaranhado de situações é recomendável compreender as alterações ocorridas com o final da comuna primitiva, levando-se em consideração para tanto os escritos de Silveira Bueno (1993), onde este, referindo-se à tese de Leontiev, pontua elementos teóricos indispensáveis, que também podem ser observados implicitamente nos escritos de Silva (1986), e diretamente Página 69. nas análises de Bianchetti (1998), quanto às alterações seguidas à comuna, quando do surgimento da sociedade de classes. Na sociedade de classes, a expropriação de uma classe pela outra se configura como ponto central desse processo, estabelecer uma relação entre excepcionalidade e normalidade que abstraia essa dominação é contribuir para a permanência da sua condição de marginalizado (Leontiev apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 53). O pensador soviético ainda aponta: “em suma, a conceituação da excepcionalidade só pode se contrapor a uma visão abstrata se a ela estiver incorporado o processo pelo qual esses indivíduos constroem suas vidas” (Leontiev apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 53). Com o surgimento da sociedade de classes, passam a existir outros elementos interessantes para reflexão do tema proposto, como o surgimento dos proprietários dos meios de produção e proprietários de sua força de trabalho, considerando que no escravismo, feudalismo e capitalismo estes conceitos necessitem ser observados em seus aspectos específicos referentes a cada modo de produção Entretanto, o essencial para os objetivos deste texto consiste na questão de que, a partir da sociedade de classes, as pessoas com uma deficiência não tão aparente, as quais juntamente com o restante de sua espécie, passam da realidade da comuna (comunismo primitivo) a uma existência oprimida (escravos, servos e proletariado), passando a vivenciar o fenômeno da exclusão social. É relevante evidenciar que, apesar das pessoas com deficiência serem, assim como os demais trabalhadores, condicionados ao interesse da classe dominante, os trabalhadores com algum tipo de defeito (físico, sensorial, mental) subsistem em condições extremamente mais danosas que os escravos, servos e proletariado, ainda que se reconheça que as condições destes, em geral, constituem-se em insalubridade Página 70. social plena. E, para justificar o não aproveitamento laboral das pessoas com deficiência, erguem-se na história verdadeiros arautos da discriminação e rotulação para nomear e tratar este segmento de pessoas, fatos estes que mesmo na contemporaneidade convivem na sociedade, por desconhecimento ou por interesse alheios aos anseios deste segmento de pessoas e aos da classe trabalhadora mais ampla. No decorrer desse processo histórico, ocorre também o fenômeno contraditório, muito bem exposto por Silveira Bueno (1993), que foram as pessoas com deficiência pertencentes à classe dominante, as quais no capitalismo conseguem uma vida bastante próxima da definição de normalidade, participando inclusive no mercado produtivo como demonstra o autor: John Metcalf, nascido em 1717, no norte da Inglaterra, tornou-se cego aos seis anos, tendo tido anteriormente alguma escolaridade elementar. Seja qual for a causa de sua cegueira, parece não ter interrompido, em grande extensão, o curso normal de seu desenvolvimento físico. Em contraste com muitas crianças cegas, gozava de perfeita saúde. Aprendeu a cavalgar e nadar. Circulava com tanta naturalidade que não era visto como cego. Uma inclinação para o comércio e astúcia nos negócios levou-o a estabelecer transações de sucesso, que exigiam viagens consideráveis. Ao redor de sua casa, no norte da Inglaterra, as estradas estavam em condições tão miseráveis que Metcalf elaborou plano para melhorias. Estradas que eram ruins para pessoas de visão normal eram, é claro, muito piores para um viajante cego. Metcalf começou a fazer contratos para a construção de estradas e logo ganhou reputação como engenheiro. Também planejou e construiu pontes (French, 1932, p. 68 apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 62). Dessa forma, com o surgimento da classe dominante é possibilitada a existência de seres humanos com deficiência, que até então consistia enquanto sorte ao nascer a própria morte (comuna - escravismo), Página 71. ou o isolamento social (feudalismo - capitalismo). Ou seja, este segmento de pessoas passa de um período onde a maioria era eliminada, mas onde também alguns defeitos acabavam por não cercear a busca pela sobrevivência para, contraditoriamente, com o desenvolvimento dos meios de produção e o surgimento do escravismo / feudalismo e o capitalismo, acabarem sendo diluídos na segregação por completo quanto ao provimento de sua subsistência, condicionando-os na história ao conceito de “coitadinhos”, ainda presente na atualidade. Com os elementos históricos brevemente elencados, seguidos do adicionamento de que historicamente, com o fim da sociedade comunal, as pessoas com deficiência vêm sendo marginalizadas de forma cada vez maior, ora alvos de eliminação, comoção social, exemplo de pecadores ou referência para comoção fraterna e teológica, e, no capitalismo, com exceção dos pertencentes à classe dominante (burguesia) - ainda que se tenha de reconhecer situações de exclusão social dentre as pessoas com deficiência mesmo dentre a referida classe, contudo, a regra é que a parte dos defeituosos oriundos da classe proletária é mantida à margem da sociedade. Assim, apesar de toda a tecnologia desenvolvida desde os primórdios, que poderia potencializar a solução das problemáticas em torno da inclusão social das pessoas com deficiência juntamente com a massa trabalhadora e explorada, o seu potencial é fragilizado, frente à filosofia de existência do atual modo de produção. Pois, em um mundo que produz alimentos e bens de consumo dos mais diversos como nunca houvera na história, e também a desigualdade e a fome em maiores proporções ainda, como pensar o fenômeno da inclusão? Neste sentido, como falar ou acreditar em possibilidades de inclusão nas especificidades deste modo de produção? Há quem afirme que esta é uma luta em vão, que isto não passa de uma alucinação e, Página 72. é bem verdade que este feito - qualidade de vida digna - de fato, para todas as pessoas, com deficiência ou não, na sociedade capitalista não se vislumbrará. Entretanto, para além dos idealismos e prognósticos tão óbvios, o embate se dará na materialidade social, com suas contradições, compreendendo que “no capitalismo, todas as formas de inclusão são sempre subordinadas, concedidas, atendem às demandas do processo de acumulação; e a relação educação e trabalho só pode ser compreendida ao longo das cadeias produtivas através das quais se dá o consumo predatório da força de trabalho” (KUENZER, 2006, s/p). Neste sentido, pode-se em analogia comparar a luta das pessoas com deficiência com o enfrentamento dos trabalhadores em prol de uma escola de qualidade, uma alimentação saudável, um sistema de saúde que garanta a qualquer ser humano um atendimento que venha a suprir as suas necessidades. Com o exposto, pode parecer que estes escritos tendem de forma desacreditada a observar as mazelas sociais que acometem a classe trabalhadora, em especial a do segmento de pessoas com deficiência (de “terceira categoria”, conforme Silveira Bueno (1993, p. 139), por possuírem a marca da excepcionalidade: os de primeira categoria seriam os membros dos extratos sociais superiores e os de segunda são os membros das classes subalternas). Entretanto, não se trata disso, mas, sim, demonstrar as contradições que a sociedade de classes possibilita e a atual (capitalista) aprofunda. Pois, a sociedade atual, apesar de toda a tecnologia herdada e aprimorada desde os primórdios, exclui das condições de garantir sua própria subsistência um número muitíssimo maior de pessoas com deficiência do que ocorria na comuna primitiva. Em meio aos avanços dos meios de produção, em especial os marcados pela égide do capital, desemboca no final do século XVIII a defesa, pela burguesia, da bandeira proletária da escola para a classe Página 73. trabalhadora, obviamente que não nos termos da segunda, e, sim, em atendimento às necessidades produtivas da primeira. Apesar desta contradição, muitos defensores da escola pública levantam esta bandeira, mesmo sabendo que esta escola não é pública e, sim, estatal, pertencente a um Estado que não visa em última análise o atendimento da população em geral, mas a uma parcela desta, na verdade, uma pequena fração, a classe dominante. Contudo, nem por isso deixa-se de lutar por esta bandeira, muitas vezes furtando ou omitindo elementos que envolvem esta realidade, ou será que se encontrará algum intelectual que recomende aos trabalhadores que não enviem seus filhos à escola burguesa, por constituir-se em elemento danoso para sua classe por não deter de forma plena os fundamentos para a educação de interesse do proletariado? Certamente não, e por que não? Porque se trabalha no espaço da contradição, e é exatamente com isso que o segmento de pessoas com deficiência convive, ou seja, uma luta, um enfrentamento, para ter atendidas suas condições básicas de existência, para que possam constituir-se neste processo de embates sociais em sujeitos de fato e não mais em reféns da filantropia. E uma vez que os escravos / servos e proletários defeituosos não interessavam para o desenvolvimento dos respectivos modos de produção, estes foram, quando do avanço cientifico extremamente desenvolvido com o cair dos séquitos feudais, condicionados praticamente à filantropia e à ciência “neutra” que detinham e ainda detêm forte influência para com o referido segmento, o que obstaculiza a superação de lacunas importantes numa discussão mais profunda a respeito do desenvolvimento destas pessoas ditas deficientes. Tem-se que reconhecer o desenvolvimento de algumas tecnologias e teorias relevantes para este segmento, como foram o surgimento do debate do oralismo x gestualismo (deficiência auditiva), o desenvolvimento do sistema Braille (código de leitura para cegos), ou a importante pesquisa realizada por Itard na área Página 74. da deficiência mental, apontamento teórico este que se encontra na tese de Pessoti (1984) de forma bastante consubstanciada. Contudo, esses elementos, por razões de compreensão de mundo e mesmo limites históricos, não se constituíram de maneira concreta num entendimento científico social emancipador para os indivíduos com deficiência, apesar de sua relevante importância neste processo, o que a citação de Vigotsky (1997), ao referir-se às pesquisas da área da medicina em relação à pessoa cega, tende a retratar: Se esta concepção biológica ingênua resultou ser incorreta e se viu obrigada a ceder seu lugar a outra teoria, não obstante deu um grande passo de avanço pelo caminho da conquista até à verdade científica sobre a cegueira. Pela primeira vez, partindo da observação científica e com o critério da experiência, abordou-se o fato de que a cegueira não é só um defeito, uma deficiência, senão também que incorpora novas forças, e novas funções à vida e à atividade e motiva certo trabalho criador orgânico, ainda que esta teoria não pode indicar em que consiste precisamente este trabalho. Pode-se julgar em que medida é grande a importância prática deste passo para a verdade, pelo fato de que nesta época criou-se a educação e o ensino dos cegos. Um ponto do sistema braile tem feito mais pelos cegos que milhares de filantropos; a possibilidade de ler e escrever tem resultado ser mais importante que o “sexto sentido” e a agudeza do tato e da audição (p.77 – grifos do autor). Apesar desse autor ter vivido no cinqüentenário anterior à segunda metade do século XX, a pesquisa que vem sendo realizada pelos membros do Programa de Educação Especial e do grupo de pesquisa História, Educação e Sociedade - HISTEDOPR, sub-grupo Educação da Pessoa com Deficiência, da Unioeste, campus de Cascavel, Paraná, demonstra que sua tese continua com atualidade vigorosa e tende a ser o que há de mais avançado para discutir a inclusão escolar das crianças, jovens e Página 75. adultos com algum tipo de defeito e, principalmente, debater as intencionalidades da propalada inclusão na sala de aula comum do ensino regular. Ainda que Vigotsky (1997) não tenha se detido a esta problemática em específico, sua tese constitui fundamento para a discussão, como o trecho a seguir indica: Ao entrar em contato com o meio externo, surge o conflito provocado pela falta de correspondência do órgão, a função deficiente com suas tarefas, o que conduz a que exista uma possibilidade elevada para a morbilidade e a mortalidade. Este conflito origina grandes possibilidades e estímulos para a supercompensação. O defeito se converte, desta maneira, no ponto de partida e na força motriz principal do desenvolvimento psíquico da personalidade. Se a luta conclui com a vitória para o organismo, então, não somente vencem as dificuldades originadas pelo defeito, senão se eleva em seu próprio desenvolvimento a um nível superior, criando do defeito uma capacidade; da debilidade, a força; da menos-valia a super-valia. (p. 77). Esta tese se soma a de um dos companheiros de pesquisa de Vigotsky, Leontiev (1978), o qual já assinalamos anteriormente a respeito das condicionalidades de classe, quanto à relevância e significado de uma legitima pedagogia: ”O processo principal que caracteriza o desenvolvimento psíquico da criança é um processo específico de apropriação das aquisições do desenvolvimento das gerações humanas precedentes” (p. 323). Estes conhecimentos, no entanto, não se fixam morfologicamente e não se transmitem por hereditariedade, “este processo realiza-se na atividade que a criança emprega relativamente aos objetos e fenômenos do mundo circundante, nos quais se concretizam estes legados da humanidade” (p. 323). Este pesquisador também remete a análises criteriosas para conceber a potencialidade da educação de crianças com defeito: “A criança não nasce com órgãos preparados para cumprir funções que representam Página 76. o produto do desenvolvimento histórico do homem; estes órgãos desenvolvem-se durante a vida da criança, derivam da sua apropriação da experiência histórica” (LEONTIEV, 1977, p. 113). Desta forma, a necessidade de acesso das crianças, jovens e adultos com algum tipo de deficiência à educação formal e, preferencialmente na escola comum, tende a se reforçar. Entretanto, estas teses, ao que parece, não circulam em defesas populistas ou meramente de direito, mas, sim, se materializam no aspecto científico, pois como Vigotsky aponta, o desenvolvimento psíquico destas pessoas apesar de poder desenvolver-se de maneira ‘não igual’ às crianças ditas normais, pode desenvolver-se de maneira plenamente satisfatória - elementos teóricos que se encontram dispostos num dos capítulos deste livro, para uma aproximação da psicologia soviética. Cabe acrescentar a estes elementos que a luta pela educação formal destas pessoas, assim como para outras condicionalidades sociais, passa a ser reivindicada maciçamente, em especial após a segunda guerra mundial, ainda alheia às teses de Vigotsky, quando o segmento de pessoas com deficiência compõe-se também por pessoas que em função das disputas bélicas passam à condição de deficientes perante a sociedade (soldados / vitimados civis). Este momento coincide com a movimentação da classe trabalhadora para a supressão / melhoria das condições de vida, em especial, pelo fomento ideológico decorrente da guerra fria (capitalismo x socialismo), luta que no Brasil, nas décadas de 60/70/80, contou com uma ampla organização da classe trabalhadora, a qual foi, através do uso da força, nas duas primeiras décadas, massacrada pela repressão das forças armadas ao mando do capital nacional e estrangeiro. Os resultados destes enfrentamentos foram a formação / mutilação de muitos militantes de esquerda, além da experiência histórica de luta, fatos que se fundem reciprocamente. Apesar de inúmeras página 77. observações requeridas para a análise desse embate, houve um resultado formal - não o mais importante – que é a consolidação dos direitos da classe trabalhadora nos parâmetros do direito burguês (Constituição Federal de 1988), e as pessoas com deficiência estavam também presentes, lutando por suas especificidades. Outro elemento relevante a considerar é o que representaram algumas Conferências Mundiais e o próprio Ano Internacional da Pessoa com Deficiência (1981), na sedimentação da luta das pessoas com deficiência, por se tratarem de ações de Estado, do conjunto de nações fortemente marcadas ideologicamente pelos anseios do liberalismo / neoliberalismo, e que acabam por macular a luta, por não vir em essência embasando-se em teorias científicas consistentes, como as dos pensadores soviéticos citados acima, pautando-se, isto sim, em acenos de tratados semi legais, que dificilmente superam a esfera da especulação ideológica e alienante. Nas assembléias e declarações realizadas pelos organismos internacionais(4), ainda que contenham a possibilidade de germes de consciência, que podem revoltar-se contra as reais intencionalidades por trás de uma preocupação fetichizada de resolver as problemáticas sociais, encontram-se encarnadas perspectivas altamente conservadoras do status social vigente. No âmbito social e educacional no Brasil, ecoam por este país continente defesas de conceitos de inclusão escolar e justificativas supostamente pautadas nas problemáticas educacionais, tentando desviar 4 Declaração de Cuenca (1981) - (UNESCO/OREALC); Declaração de Sunderberg, Torremolinos - Espanha (1981); Resoluções da XXIII Conferência Sanitária Panamericana, Washingtom (1990) - (OPS/OMS); Declaração Mundial de Educação para Todos, JOMTIEN - Tailândia (1990) (UNICEF/PNUD); Seminário da UNESCO, Caracas (1992); Declaração de Santiago (1993 - (UNESCO/OREALC)); Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades (Aprovadas em Assembléia Geral das Nações Unidas (1993) - (ONU); Declaração de Salamanca, Salamanca - Espanha (1994) - (UNESCO) (CARVALHO, 1997). Página 78. o foco das atenções centrais das problemáticas desse processo as quais, no caso das pessoas com deficiência, constituem-se em não adaptações arquitetônicas, não adaptação do livro didático e dos instrumentos pedagógicos, ausência da necessária formação continuada de professores, etc. Os órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino, no âmbito nacional e estadual, na contramão de proporcionar as ações concretas essenciais para o processo de inclusão escolar, preferem estrategicamente arrolar suas responsabilidades, chegando ao ponto de fomentar reduzidas discussões que não conseguem ultrapassar os limites fundamentais na discussão das condicionalidades de inclusão escolar das pessoas com deficiência. Estimula-se a rasa discussão em torno de compreensões a respeito da inclusão das pessoas com deficiência, em edições de idealismos, que fogem totalmente às esferas da realidade, estacionando-se no porto seguro do senso comum, como o que apresenta o texto base para reflexão e discussão dos professores, intitulado “Inclusão e diversidade: reflexões para a construção do projeto político-pedagógico”, da Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED), através de seu Departamento de Educação Especial (DEE): (...) fica claro que políticas e práticas de inclusão não têm um significado único e consensual, já que são determinadas por múltiplos fatores. Esses fatores incluem uma ampla rede de significações no entrecruzamento de diferentes olhares e formas de se efetivar esse processo; é na inter-relação de como eu, os outros e as instituições sociais definem e praticam a inclusão é que ela pode, ou não, tornar- se realidade (PARANÁ, 2006, p. 01). E, ainda: Temos a esperança de que, no próximo milênio, e, definitivamente, ocorra o corte epistemológico em torno da deficiência, substituindo- se a percepção social do aluno deficiente, como doente e limitado Página 79. para nele antever-se o adulto feliz e contributivo (o que vai depender da qualidade das oportunidades que lhes forem apresentadas) (EDLER, 2004 apud PARANÁ, 2006, p. 09). Estas práticas vêm se tornando cotidianas no cenário nacional, onde intelectuais com duvidoso compromisso com os reais anseios e necessidades do segmento de pessoas com deficiência, e outras personalidades que se colocam ou são colocadas como representantes de filosofias distintas de inclusão desses ditos ‘alunos especiais’, editando uma situação que não é nova na história da humanidade, ou seja, atrelar a solução dos problemas sociais no campo das idéias, omitindo a relação visceral de tais problemáticas com a materialidade social e, no caso em especifico, as ausências do Estado no cumprimento de suas atribuições. Inclusive, assim continua o documento citado: que não há consenso sobre o que seja o processo de inclusão. Em nível nacional, há diferentes formas de implementar esse processo, a depender da percepção dos dirigentes governamentais sobre seu significado. Poderíamos considerar a existência de, ao menos, três tendências sobre o modo de se pensar e praticar o processo de inclusão, atualmente, nos sistemas educacionais que diferem em natureza, princípios e formas de concretização em sala de aula (PARANÁ, 2006, p. 05). Dessas três tendências, a primeira é denominada de inclusão condicional; o título de inclusão total ou radical segue para postulações onde se incluem as de Maria Tereza Egler Mantoam e, ainda, uma terceira via, bem própria para os reais anseios da minimização da ação do Estado em respeito aos mandamentos do Banco Mundial, tendo em vista o equilíbrio econômico: “diante desses dois extremos, a SEED situa sua política em uma terceira posição, que tem sido denominada inclusão r responsáv esponsáv esponsável” el” (PARANÁ, 2006, p. 06 – grifos do autor). Página 80. Diante dessa situação desafiadora, primeiramente cabe denunciar o caráter anestésico das postulações neoliberais, pois o Estado brasileiro, ao não cumprir as suas responsabilidades no que tange à garantia dos aspectos estruturantes para a educação das pessoas com deficiência, aliena o debate, como já o faz nos diversos níveis da educação, e como a educação especial está contemplada em todos os níveis de ensino, obviamente não foge destas precárias situações, sendo alocada em andares infinitamente subterrâneos na prioridade de ações materiais, ainda que aparentemente transpareça o contrário nas exposições nos meios de comunicação. E isto é notório, conforme apresenta Matiskei (2006), ao analisar dados atualizados da Educação Especial do Estado do Paraná – janeiro de 2004: Os dados denunciam uma situação histórica, que se acentuou na última década, por ausência de ações efetivas do Estado em assumir suas responsabilidades quanto ao atendimento educacional especializado, preferencialmente, na Rede Pública de Ensino, delegando a oferta à rede conveniada. A inexistência de apoios e serviços especializados em todo o fluxo da escolarização (com destaque ao segundo segmento do Ensino Fundamental), a política inconsistente de formação continuada de professores do ensino regular e a ausência de equipes multiprofissionais para prestar apoio à escolarização dos alunos com necessidades educacionais especiais foram, entre outros fatores, elementos que contribuíram para a exclusão do aluno da rede pública (p. 10). A intenção deste artigo não se iguala a uma crítica à inclusão escolar das pessoas com deficiência e, sim, à tentativa de uma leitura bastante criteriosa da sua atual situação no Paraná, a exemplo da realidade educacional como um todo. Considerando que a luta e a legitimidade do acesso à educação tende a ser indubitável, esta análise pretende constituir-se em instrumento para que as pessoas com deficiência se Página 81. organizem ainda mais para reclamar esse acesso, qualitativamente de forma mais eficaz e menos discursiva. Pois, por outro lado, a situação atual não oferece margem para um olhar pouco crítico, mas, sim, exige a discussão das políticas educacionais para este segmento de pessoas com crítica contundente aos posicionamentos dicotômicos e aos discursos rasos dos elementos ligados a essa política. Também porque discussões esvaziadas ou ambíguas tendem a fragilizar a já febril organização do segmento de pessoas com deficiência. Na tentativa de se aproximar da realidade que envolve a problemática da inclusão escolar das pessoas com deficiência, é preciso caminhar para além do analisar as postulações pouco conclusivas, enfocando o cotidiano destas pessoas no ambiente educacional. E não é necessária uma pesquisa empírica para tanto, analisando-se os posicionamentos de organizações de pessoas com deficiência que em debates nos seus eventos demonstram o caos e descaso por parte do MEC e SEED para com essa modalidade educacional. O VI Seminário de Cegos da Associação Cascavelense das Pessoas com Deficiência Visual - ACADEVI, com o tema: “Trabalho, educação e assistência social em debate”, ocorrido nos dias 03, 04 e 05 de novembro de 2005, na cidade de Cascavel, Paraná, ilustra este descaso, onde seus participantes denunciaram perante autoridades do Ministério Público, MEC e CORDE, as mazelas a que as crianças, jovens e adultos com algum tipo de deficiência visual vêm sendo submetidos em seu percurso educacional. Estas posições puderam ser percebidas nas moções de repúdio e reivindicações aprovadas na plenária final do referido evento. Estas situações também foram alvo dos debates no II Fórum Municipal em Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, junto com a 1ª Conferência Regional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, realizados na mesma cidade, ao final de outubro de 2005, eventos estes que abarcaram todas as áreas de Página 82. deficiência, elegeram delegados regionais e aprovaram documentos para a 1ª Conferência Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Paraná, realizada no mês de dezembro de 2005, na cidade de Curitiba. Ali também ficou evidente que as mazelas educacionais discutidas no VI Seminário de Cegos não se restringem a problemáticas regionais e também não afetam apenas as pessoas cegas ou com visão reduzida, mas, sim, a uma realidade mais ampla, como já apresentaram os posicionamentos dos participantes do referido Seminário, oriundos dos estados de Santa Catarina e São Paulo, além do estado sede, Paraná. Segundo discussões realizadas nesses mesmos eventos, as situações educacionais não constituem privilégio destas unidades federativas, e, sim, retratam a realidade nacional, isto para ficar apenas nas especificidades da educação, uma vez que estes eventos abordaram assuntos como trabalho, assistência social, transporte, acessibilidade, etc. Quanto à acessibilidade, foi radicalmente repudiada a forma pela qual a CORDE conduziu o processo, ao intitular as Conferências com um chavão contextualizador de viés ideológico: “Acessibilidade: você também tem compromisso”. É possível afirmar, portanto, que a realidade educacional das pessoas com deficiência no Brasil se diferencia bastante dos posicionamentos de alguns oradores do MEC e de intelectuais com pouca atenção ao fator pedagógico. Trata-se, ainda, de destacar que os participantes dos eventos citados não são pessoas desavisadas, com parcas condições de discussão destas problemáticas porque, além de serem pessoas com deficiência, o que lhes outorga certa legitimidade para tecer críticas, vários são profissionais da educação, organizados em entidades sérias e politizadas e também se constituem em estudiosos da área educacional, o que não permite qualificar essas críticas enquanto resultado de um vácuo perceptivo. Página 83. Quanto mais elementos são trazidos para a discussão e compreensão das problemáticas referentes à inclusão social e, obviamente, educacional deste segmento de pessoas, cabe espaço para alusões a outras questões, como a necessidade de descortinar falsas ou frágeis teses quanto a esta luta ser uma luta que tem sua raiz no neoliberalismo. Inocência esta que nega o percurso histórico, não vislumbrando o segmento de pessoas com deficiência para períodos anteriores à década de setenta do século vinte, e mesmo uma compreensão radical dos fatos ocorridos no último quarto de século. É extremamente relevante, ao refletir-se quanto à possibilidade de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade de forma geral, compreender que sua inclusão é irrestrita, uma vez que todos estes, de uma forma ou de outra, subsistem nesta sociedade e sua condição de inclusão plena no mercado produtivo não é potencializada por não interessarem enquanto mão-de-obra para extração da mais valia. Apesar de em alguns casos, em áreas específicas da produção industrial, essas pessoas serem muito bem aproveitados, como por exemplo, a área da deficiência auditiva, havendo uma verticalização do aproveitamento destes em atribuições que necessitam da utilização das mãos, como nas linhas de produção dos frigoríficos, obviamente com demérito para as demais áreas de deficiências (visual, física e mental). Este fenômeno não existe face à bondade de empresários, assim como a exclusão de maneira geral não ocorre por posturas diabólicas, e sim, pela busca da maior extração de mais valia, isenta de qualquer emoção. Quanto à inclusão escolar, esta parece não carecer de maiores superações da atual situação de classes, uma vez que esta bandeira da necessidade de escolaridade é uma das bandeiras centrais da burguesia, para justificar a condição paupérrima da grande maioria das pessoas. Página 84. Evidentemente, que as condições para a escolarização deste alunado, ditas pessoas com necessidades educacionais especiais, não estão presentes de maneira geral, e não seria motivo de espanto, caso em um futuro próximo, estas condições materiais, ou melhor, instrumentos pedagógicos estejam presentes no ambiente escolar, com exceção de um quesito, o essencial, o conteúdo significativo, que deveria representar os conhecimentos historicamente produzidos e sistematizados pelo homem ao longo da história. Alterações macro econômicas, em respostas à crise do capital, requerem uma formação escolar que vise à cimentação de uma falsa consciência na classe trabalhadora, que a conduza como a um animal, dócil e plenamente obediente às empreitadas de trabalho e do alto desemprego, promulgadas pela ‘nova’ forma de produção, como as ponderações críticas de Duarte (2003) parecem remeter com bastante eficácia: Ao abordar as mudanças na economia global e suas implicações para uma forma que esteja à altura dos desafios do século XXI (...), a miopia gerencial e arrogante e a resistência à mudança, que paira em grande parte no sistema produtivo, devem dar lugar à aprendizagem, ao conhecimento, ao pensar, ao refletir e ao resolver novos desafios da atividade dinâmica que caracteriza a economia global dos tempos modernos. Tal mundialização da economia só se identifica com uma gestão do imprevisível e da excelência, gestão essa contra a rotina, contra a mera redução de custos e contra a simples manutenção. Em vez de se situarem numa perspectiva de trabalho seguro e estático, durante toda a vida, os empresários e os trabalhadores devem cada vez mais investir no desenvolvimento do seu potencial de adaptatividade e de empregabilidade (p. 10 - 11). Para alcançar o acesso de forma radical à educação para as pessoas com deficiência será preciso refletir e indagar o quanto influentes são os horizontes instrucionais da educação brasileira na Página 85. atualidade, como trechos dos Parâmetros Curriculares Nacionais parecem representar de forma bastante líquida: [...] As considerações gerais sobre a lei [9.394/96] indicam a necessidade de construir novas alternativas de organização curricular comprometidas, de um lado, com o novo significado do trabalho no contexto da globalização econômica e, de outro, com o sujeito ativo que se apropriará desses conhecimentos, aprimorando-se, como tal, no mundo do trabalho e na prática social (BRASIL, 1999, p.12). Perante tais fatos, a educação e o debate em torno da inclusão escolar das pessoas com deficiência se atrela à classe trabalhadora mais ampla, na tentativa de formação de candidatos a exploração, proletariado passivo e empreendedor, altamente adaptável às inovações tecnológicas na produção, e recrudescimento dos postos de trabalho e ampliação do abismo social, onde estes indivíduos são conclamados a uma luta, na contra mão do que prega o Manifesto Comunista (Marx e Engels, 2001), ou seja, “sujeitai-vos, trabalhadores de todos os países, e preferencialmente de forma passiva, subsumindo todas suas forças em ações participativas” – lembrando, entretanto, que propositivas e construtivas. Com o exposto, ciente dos limites no que se refere ao espaço para uma maior discussão que atenda ao tema da inclusão, parece evidente a legitimidade quanto à luta pela inclusão escolar deste segmento de pessoas, sendo relevante compreender que é em função da forma de organização do modo de produção capitalista que ocorre a exclusão em porcentagens extremamente mais altas que das demais pessoas, ditas normais, e não por sua condição de deficiência ou capacidade cognitiva inferior. Entende-se, assim, que a solução dos problemas sociais que agridem toda a raça humana, com exceção da burguesia, segundo Marx e Engels (1984, p. 47-49), somente serão superados em face da Página 86. suplantação radical do capitalismo. E como este não é de forma determinante o papel da escola e, muito menos pode-se esperar os desdobramentos históricos da luta de classes para que estas pessoas postulem sua condição de existência, resta para estes indivíduos lutarem e, nesse processo, constituírem-se enquanto sujeitos e, juntamente com seus pares (membros da classe dominada / proletariado) enfrentarem a realidade, realizando o embate social mais amplo para a suplantação das mazelas sociais de forma integral. Assim, é neste contexto que o acesso do segmento de pessoas com deficiência à escola comum é legitimo, ou seja, compreendendo que esta pedagogia, ainda que liberal e conservadora, traz em suas entranhas a possibilidade do desenvolvimento do germe da contradição, que é o espaço onde o proletariado pode também aprender a se instrumentalizar. Sabedores que a escola notadamente detém uma ação bastante inoperante nesse processo, constituindo-se, contudo, enquanto um espaço a ser ocupado e representado pela classe trabalhadora, é neste processo que a pessoa com deficiência tem de necessariamente estar sujeitada, ou seja, participante destes embates, destas lutas, e neste sentido, ocupar o espaço muita vezes ímpar para exercício intelectual dessa referida classe, com todas as problemáticas que a educação formal detém. Desta forma, assim como representou um avanço para a classe trabalhadora a conquista do ensino estatal, é tão legitimo, ou ainda mais, o acesso das pessoas com deficiência à escola, sabendo, entretanto que este acesso, desqualificado como vem sendo ofertado, minimiza extremamente as rasas possibilidades de meio pedagógico humanizador para os trabalhadores, sendo necessário uma organização desta classe para o enfrentamento das ementas educacionais que a sociedade liberal, ou em seu novo codinome (neoliberal) vem subordinando o proletariado. Ensinamentos estes, aliás, que atingem profundamente Página 87. o ambiente escolar, encontrando-se também presentes nas mais diversas ações ideológicas da classe dominante, a exemplo da intitulada participação social responsável, onde esta classe e seus representantes, tentam justificar as mazelas sociais. O Estado acaba por legitimar tais paradigmas, como demonstra postulações da SEED/DEE, responsabilizando o que estes parecem conceituar de elementos chave: [...] essa é uma tarefa que não depende apenas da convicção e do compromisso técnico e político dos governos, mas de pais, familiares, professores, profissionais, enfim, de todos os membros da sociedade, sob o risco de termos apenas o efeito de seus benefícios para os alunos “no discurso” e nenhuma ação concreta e transformadora da realidade em que se encontram (PARANÁ , 2006, p. 7 – grifos do autor). Enfim, existe uma enorme lacuna entre as pretensões ideológicas do liberalismo, as ações do Estado e o conhecimento científico a respeito da educação das pessoas com deficiência, cabendo a estas pessoas por meio de suas organizações, com o apoio de profissionais da educação e entidades de classe comprometidas com a construção de uma sociedade radicalmente justa, realizar seus embates, a fim de derrubar os falsos e nebulosos entendimentos teóricos a respeito deste segmento de pessoas. Para conquistar uma educação de qualidade desejável e legítima, as pessoas com deficiência terão necessariamente de tornaremse sujeitos de sua história, e como parece um absurdo de conceito referir-se à história dos deficientes, não lhes cabe outro caminho senão somar-se à classe trabalhadora de forma mais ampla e, essa também, conscientizar-se de que a pedagogia que recebem se distingue vertiginosamente de uma educação razoável. Ou seja, para aqueles desavisados, que insistem em dizer que é uma exclusão introduzir ou Página 88. manter as pessoas com deficiência na escola comum, estas mesmas exigem seu espaço de presença no ensino regular comum, salvaguardando os casos específicos que requerem um estudo mais criterioso. Esta postulação não esta embebida em ilusões, aliás, este segmento é sabedor das problemáticas que envolvem a educação contemporânea, estão cientes de que não são problemas que atingem ou atingirão apenas ao alunado com algum tipo de defeito, mas, sim, são derivativos da escola burguesa e suas contradições que, em função do aprofundamento das desigualdades sociais, vêm se revestindo de elementos ainda mais concretos e danosos à classe trabalhadora. A luta para a superação destes obstáculos pedagógicos nem mesmo passa pela questão da educação formal, ainda que a requeira no processo, e face à historicidade das pessoas com deficiência, é que parece, o acesso à escola laica, universal e gratuita, esteja marcado por um período onde os conhecimentos encontram-se ainda mais secundarizados, no intuito de embrutecer a classe trabalhadora no sentido não humano, e não por um envolvimento ideológico, ainda que inegavelmente este exista e necessite ser combatido. A classe trabalhadora, com ou sem deficiência, precisa de forma cabal combater seu real opressor - a classe dominante (burguesia), mesmo que para isto necessite utilizar de diversas armas até a ferramenta realmente eficaz, a qual poderá realmente estabelecer uma ruptura com a organização social em vigor; e como este não parece ser o cenário mais avançado no processo de luta, são necessárias análises criteriosas de movimentação da classe trabalhadora, para não retroceder-se neste processo ou mesmo atuar na sua contramão. Ao finalizar este texto, reafirma-se a importância da análise da nuclear relação entre a situação do segmento de pessoas com deficiencia na história e o seu percurso até a contemporaneidade, buscando agregar Página 89. sua relação aos determinantes sociais mais amplos que forjam a classe trabalhadora desde então e, como exposto, a própria personagem social das pessoas com deficiência, enfatizando a importância cabal do conhecimento produzido e acumulado historicamente pela humanidade na constituição do ser humano, num processo onde a educação escolar tem sua função preponderante. REFERÊNCIAS BIANCHETTI, L. Aspectos históricos da apreensão e da educação dos considerados deficientes. In: BIANCHETTI, L. e FREIRE, I. M. Um olhar sobre a dife- diferença rença rença: interação, trabalho e cidadania. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio. Brasília/DF, 1999. CARVALHO, A. R. de. As condições de existência das pessoas com deficiência na história da humanidade humanidade: as bases objetivas de sua exclusão social. Monografia (Especialização em Fundamentos da Educação). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, 2003. CARVALHO, R. E. A nov nova a LDB e educação especial especial: Recomendações de Organismos Internacionais sobre Educação. Rio de Janeiro: WVA, 1997. DUARTE, N. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões ilusões? Polêmicas do nosso tempo. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2003 LEONTIEV, A. O desenv desenvolvimento olvimento do psiquismo psiquismo. Lisboa: Horizonte, 1978. KUENZER, A. Z. O papel da educação profissional e tecnológica no desenvolvimento nacional e nas políticas de inclusão social social. Conferência ministrada em Faxinal do Céu, Pr, em 06 jun 2006 – 1ª Conferência Estadual de Educação Profissional e Tecnológica (transparências fotocopiadas). Página 90. MARX, K. O capital. vol I – tomo I. 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Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. Página 91. CAPÍTULO IV REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PR PROFESSORES OFESSORES P PARA ARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL / EDUCAÇÃO INCLUSIV INCLUSIVA Jane Peruzo Iacono1 Luzia Alves Silva2 1 Docente do Curso de Pedagogia da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná; Mestre em Educação pela UEM – Universidade Estadual de Maringá; membro do GPAAD – Grupo de Pesquisa Aprendizagem e Ação Docente e colaboradora do PEE. 2 Professora das redes Estadual e Municipal de Ensino de Cascavel – PR e colaboradora do PEE. Membro colaboradora do grupo HISTEDOPR, subgrupo Educação da Pessoa com Deficiência. Página 92. RESUMO: A história das pessoas com deficiência tem sido marcada por morte e assistencialismo e só recentemente vem apresentando modificações em relação a seu atendimento, especialmente quanto à sua inserção e participação social. A defesa do direito à educação das pessoas com deficiência, é atitude muito recente em nossa sociedade e constitui a chamada Educação Especial. Os enfoques sob os quais a Educação Especial - considerada modalidade de educação escolar (LDB nº 9394/06) - vem sendo analisada, vão do modelo beneficente-assistencial, médico-terapêutico e hoje, o modelo educativo. Certamente, numa sociedade em que a Educação Especial vem fortemente marcada pela concepção organicista, transita-se o tempo todo pelos três enfoques, principalmente quando se vai implementá-la como prática social dos homens. Neste sentido, a formação de professores para esta modalidade educacional, tem sido tema extremamente complexo, na medida em que, a despeito da premência com que se faz necessária, é relegada e protelada como política pública. O Estado brasileiro não assumiu esta formação como de sua responsabilidade; desde o ano de 2002 tramita no CNE - Conselho Nacional de Educação um documento que seria norteador de políticas para formar professores para esta modalidade educacional, mas a sociedade ainda não foi chamada para discutir a temática e a formação do professor especialista em Educação Especial segue acontecendo sem um norte.Tal formação é hoje requerida, tanto na perspectiva da Educação Inclusiva - processo que vem sendo gradativa, mas efetivamente implementado nas escolas regulares das diferentes regiões deste país continental - como numa abordagem que dê conta de explicar a realidade social no sentido de seu desvelamento. Assim, este trabalho aborda a urgência com que se requer a formação de professores para a Educação Especial/ Educação Inclusiva explicitando ainda, as diferenças entre os conceitos de integração e inclusão. Aborda a situação da formação de professores no Brasil e a forma como vem sendo encaminhada pois, por não ter sido assumida como política pública, tem sido objeto de formações em nível de pós-graduação lato-sensu realizadas, muitas vezes, de forma aligeirada, sem a devida preocupação com a consistência, a qualidade e o sentido generalista que, em tempos de educação inclusiva se requer dos futuros professores especialistas. Aborda a questão dessa formação hoje, a partir principalmente do documento do MEC (2002), intitulado “A Formação do Professor para a Educação Especial”, que trata das Diretrizes Nacionais para a formação de professores para esta modalidade educacional. Página 93. INTRODUÇÃO A formação de professores constitui-se num dos temas de grande relevância na conjuntura atual e, portanto, necessita ser amplamente estudado e discutido. Ressalta-se que a referência à conjuntura atual, faz-se necessária para identificar o modelo de educação vigente e para contextualizá-lo socialmente. Esse modelo, coerente com a lógica da sociedade capitalista, é o modelo neoliberal que, fundamentado nos princípios do liberalismo - individualismo, democracia, propriedade, igualdade e liberdade - norteia a prática social dos homens, de forma deliberada ou não, na medida de seus interesses, intencionalidades e/ou possibilidades. Na sociedade capitalista, excludente, a educação tem sido oferecida de maneira diferenciada, de acordo com a classe social a que o indivíduo pertença. Portanto, nesse contexto, para os indivíduos pertencentes à classe detentora do poder, a educação tem tido a função de transmitir conhecimentos e de oferecer os subsídios necessários ao desenvolvimento pessoal do indivíduo, para que ele assuma as funções de liderança, de poder, visando à reprodução do status quo. Para os indivíduos pertencentes à classe trabalhadora, a educação também tem como objetivo reproduzir o modelo de sociedade vigente, efetivando-se, no entanto, no sentido de somente repassar os parcos conhecimentos necessários para que o indivíduo possa bem desempenhar suas atividades laborais. Diante disso, baseadas nessa concepção de educação como reprodução, as políticas que visam formar professores, não objetivam necessariamente sua formação, mas sua capacitação, profissionalização, treinamento e reciclagem já que, o que importa não é uma sólida formação integral, mas apenas um treinamento para que o professor possa desempenhar sua função. Página 94. Em contraposição a essa concepção de formação docente, procurou- se buscar fundamentação nos princípios do materialismo-histórico dialético, considerando-se que o homem se desenvolveu ao longo da história e que, portanto, os conhecimentos hoje existentes foram produzidos e acumulados historicamente. O fato de essa linha teórica só ter aparecido no Brasil após 1985, retardou a compreensão de que o desenvolvimento do indivíduo é socialmente determinado, na medida em que se desconsiderava a ligação do indivíduo com seu contexto sócio-histórico e que a aprendizagem e desenvolvimento humanos se dão de forma global, dinâmica e crítica e que, portanto, a formação de professores deve se efetivar, apontando para o desvelamento da realidade social no sentido de sua superação. Retardou assim, a compreensão de que o real significado da formação de professores, é possibilitar meios e/ou subsídios para que o futuro professor possa se apropriar dos conhecimentos e das habilidades pedagógicas necessárias a uma qualificação que lhe permita ainda, ter clareza de que todos os sujeitos são possuidores de capacidades, as quais são determinadas pela quantidade e pela qualidade das experiências adquiridas ao longo de sua existência. Assim, o indivíduo se apropriará dos conhecimentos produzidos e acumulados historicamente, bem como terá condição de contribuir para a transformação do meio onde está inserido. Desde as sociedades primitivas, antigüidade clássica, sociedades medieval e moderna, a vida das pessoas com deficiência tem sido marcada por morte e assistencialismo. Apenas em anos mais recentes, inaugura-se um período em que estas pessoas são vistas como detentoras de direitos que, num sentido ideológico, se proclama serem iguais aos das demais pessoas, devendo diferenciar-se quando necessário. Esta busca histórica pela preservação da dignidade humana, nos faz refletir com Bobbio (1992, p.5), quando afirma, “Os Página 95. direitos humanos são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem”. No entanto, é importante lembrar que a propalada igualdade de direitos na sociedade capitalista burguesa, não significa direitos iguais para todos, já que as diferenças de classe social - mais que outras diferenças, como a própria deficiência - determinam o papel que cada indivíduo poderá desempenhar na sociedade. Dentre os direitos fundamentais buscados pelas pessoas com deficiência, está o direito à educação, considerada como o caminho fundamental que abre as portas para novas conquistas por parte desta população. Mas essa educação hoje pensada, não pode mais se restringir como outrora o foi, a mera aplicação de técnicas especiais para se ensinar esta ou aquela habilidade aos alunos com deficiência. Ao se buscar compreender a educação especial na perspectiva sócio-histórica, é importante adotar o princípio de que o defeito orgânico não implica necessariamente numa deficiência e que esta só se manifesta nas relações sociais. O defeito deve ser entendido como uma força motriz capaz de reorganizar todo o organismo, pois se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, não consegue cumprir inteiramente seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre a função, uma superestrutura psíquica que tende a garantir o funcionamento do organismo no ponto fraco ameaçado (Vygotski, 1997, p. 58). Tem-se a clareza, portanto, da importância da abordagem sócio- histórica como fundamento das práticas pedagógicas a serem implementadas pela educação especial considerada modalidade de educação escolar que perpassa transversalmente todos os níveis de Página 96. ensino (LDB nº 9394/96). Assim, a educação especial necessita passar por modificações quanto à sua concepção e formas de implementação; atualmente há um processo de transição em curso, quanto ao modelo de atendimento educativo a ser implementado com os alunos com deficiência/necessidades especiais. Segundo Mantoan, (1997, p.145), o primeiro é o modelo integrador, cujo princípio - a integração - pressupõe que a pessoa com deficiência/ necessidades especiais deve ser preparada e educada para ser inserida na escola, na sociedade; sua metáfora é o Sistema de Cascatas com sua grande variedade de programas educativos, nos quais o aluno vai transitando, subindo ou descendo, na medida de suas capacidades. O segundo, e hoje objeto de discussões acaloradas, é o modelo inclusivo, cujo princípio - a inclusão - pressupõe que a pessoa com deficiência/ necessidades especiais, deve ser aceita, acolhida, como ela é - com suas dificuldades e potencialidades - pela escola, pela sociedade e que estas é que devem adaptar-se a ela, ao contrário do que preceituava a integração; sua metáfora é o caleidoscópio, instrumento multiforme e multicor, que para funcionar adequadamente, deve ser composto de uma ampla variedade de formas e cores; a analogia com a inclusão dá-se ao se relacionar as variadas formas e cores às diferentes necessidades especiais, às diferentes pessoas com deficiência, que se conviverem mais proximamente com as demais pessoas, poderão enriquecer sempre e reciprocamente os grupos sociais - dentre eles as salas de aula - a que pertencerem. A despeito da visão romântica e idealista que permeia os referidos enfoques - integração e inclusão - o fato é que o processo de “educação inclusiva” vem sendo gradativa e efetivamente implementado, fundamentado numa legislação bastante ampla. A Educação Inclusiva é uma temática tão relevante quanto polêmica, pois se trata de pretender incluir - na escola, na sociedade de uma forma geral - pessoas que historicamente foram excluídas; mesmo hoje, Página 97. nos primeiros anos do século XXI, com todos os recursos tecnológicos existentes e toda a riqueza produzida, a inclusão na escola, tanto quanto o acesso a essa riqueza, não acontece para todos, de forma eqüitativa, simplesmente porque vivemos numa sociedade dividida em classes sociais. No entanto, não se pode mais ignorar que o processo de inclusão veio para ficar e a luta deve ser para que não seja um arremedo de inclusão, da forma como é explicitada por CORREIA (1997), ao citar uma nota do editor, da revista Excepcional Parent, de Setembro de 1993, A inclusão, tal qual é discutida por vários autores, não é uma realidade em muitas comunidades. Estes autores argumentam que uma verdadeira inclusão deve considerar um conjunto de serviços de apoio, não só para a criança com necessidades educativas especiais, mas também para todos aqueles envolvidos na sua educação. Quando a criança com necessidades educativas especiais é meramente colocada na classe regular sem os serviços de apoio de que necessita e/ou quando se espera que o professor do ensino regular responda a todas as necessidades dessa mesma criança sem o apoio de especialistas ou terapeutas, isto não é inclusão. Nem é educação especial ou educação regular apropriada – é educação irresponsável. Todos nós devemos estar preparados para denunciar situações em que a criança é “atirada” para a classe regular sem apoios apropriados. Infelizmente, em muitas comunidades, alguns administradores estão a tentar promover estes “despejos” chamando-lhes inclusão (p.24). A inclusão não deve ser implementada sem o devido atendimento às necessidades/particularidades dos alunos com deficiência. Assim, para que, a integração / inclusão da criança com NEE - necessidades educacionais especiais – seja bem sucedida, a escola regular deve dispor de recursos humanos e materiais necessários para uma boa prestação Página 98. de serviços. Neste sentido, há um conjunto de pressupostos a ter em conta, sem os quais a integração / inclusão pode não passar de um processo de “lançamento” da criança com necessidades educacionais especiais nas classes regulares, vindo estas a transformarem- se em meros “depósitos” onde essa mesma criança se sentirá frustrada, acadêmica e pessoalmente (Correia, 1997, p.161). Dentre estes pressupostos, o tema Formação de Professores para a Educação Especial/Educação Inclusiva, é um dos mais relevantes, pois há uma fala recorrente entre os professores, de que estes não se encontram preparados para receber os alunos com deficiência/necessidades especiais. Certamente que os milhares de alunos brasileiros nessa condição, que têm chegado às escolas, não podem esperar que todos os professores sejam “preparados”, para depois requererem suas matrículas. Assim, o tempo urge! No entanto, esta temática não tem sido objeto de preocupação e de responsabilização por parte do Estado brasileiro, que a tem relegado para segundo plano, desconsiderando sua complexidade e abrangência e as inúmeras dúvidas que existem quanto às definições de conceitos que com ela se interrelacionam. Tem se questionado de forma muito salutar, os termos com os quais se denomina esta população de pessoas. Seria mais adequado dizer “pessoa com deficiência”, “pessoa deficiente” ou ainda “pessoa com necessidades especiais”? Há diferenças entre esses conceitos? Elas têm realmente razão de ser? O que significa Educação Especial em tempos de inclusão? Até quando haveria necessidade de se falar em duas formas de educação para a população de alunos que apresenta deficiências/ necessidades especiais – uma educação denominada Especial e outra Regular? Esta dicotomia durará até quando? As sociedades têm construído realmente as condições para esta superação e isto vem se dando da mesma forma nas diferentes organizações sociais? É possível, na sociedade capitalista, esta superação? Página 99. Embora estas questões não sejam o objeto principal deste trabalho, é importante considerar que o Parecer nº 17/2001, da CEB/ CNE – Câmara de Educação Básica/Conselho Nacional de Educação, ao explicitar o termo Educação Especial, afirma: Tradicionalmente, a educação especial tem sido concebida como destinada apenas ao atendimento de alunos que apresentam deficiências (mental, visual, auditiva, física/motora e múltiplas); condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, bem como de alunos que apresentam altas habilidades/superdotação. Hoje, com a adoção do conceito de necessidades educacionais especiais afirma-se o compromisso com uma nova abordagem que tem como novo horizonte a Inclusão. Dentro dessa visão, a ação da educação especial amplia-se, passando a abranger não apenas as dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica, considerando que, por dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares. Assim, a modalidade Educação Especial constitui-se num amplo guarda-chuva onde cabem todos os alunos que se encontram fora do quadro de alunos idealizados pelo professor, pela escola e pela maioria das instituições formadoras de professores, que ainda não discutem sobre populações diferenciadas de alunos, em seus cursos de formação. Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil A história da formação de professores para a Educação Especial no Brasil, teve início em instituições federais como o Instituto Nacional de Educação de Surdos, INES – RJ e Instituto Pestalozzi de Belo Horizonte – MG, ou ainda através de cursos promovidos pelas Secretarias de Educação, ou por estabelecimentos de ensino. Página 100. Apenas no final dos anos 60 esta formação foi requerida como de nível superior, por conta da necessidade de uma maior especialização exigida para a Educação Especial. O parecer nº 295/69 do CFE – Conselho Federal de Educação, de autoria do Conselheiro Clóvis Salgado assim a justifica: Até aqui, o ensino de excepcionais se tem limitado, como especialidade, ao nível primário, nos estabelecimentos federais. Por isso, os professores são, geralmente, normalistas especializados na prática ou em cursos promovidos pelos próprios estabelecimentos. É claro que devemos evoluir, preparando a professora primária em nível superior, no âmbito das Faculdades de Educação. Enquanto não for isso possível, de um modo geral, é bom que façamos experiência em áreas limitadas. Comecemos com o professor primário de excepcionais. A própria deficiência dos alunos, dificultando a tarefa, está a indicar a necessidade de professores altamente preparados, menos para emprego de técnicas especiais de que para as tarefas de orientação, supervisão e pesquisas nos campos específicos. Juntamente com o Parecer 252/69 (BRASIL, 2002), que regulamentou o Curso de Pedagogia, o Parecer acima citado determinava que a formação de professores para a Educação Especial passasse a ser incumbência do ensino superior. Ora, se na década de 60, o Conselheiro sabiamente indicava que os professores da Educação Especial deveriam ser “altamente preparados” para exercer tarefas que não se restringissem a mero emprego de “técnicas especiais”, mas que abrangessem orientação, supervisão e pesquisas nos “campos específicos” (leia-se áreas de deficiências: DM - deficiência mental, DA - Deficiência Auditiva, DV - Deficiência visual e DF - Deficiência Física), indicava-se realmente uma formação bastante ampla - embora mais tarde viesse a reduzir-se ao tecnicismo imposto pelas reformas Página 101. educacionais consubstanciadas na Lei 5692/71 - e, portanto, causa estranheza o fato de que essa formação voltasse a ser incumbência do Ensino Médio, a partir da LDB nº 9394/96. O que isto significa? Teria vindo para atender as diferentes realidades regionais deste país continental, ou é mais um descomprometimento com esta modalidade educativa – a educação especial – para a qual tanto faz esta ou aquela formação? É importante ressaltar que uma sólida formação docente para o professor especialista atuar com alunos com deficiência/necessidades especiais deve ter a docência nas séries iniciais como base para a formação especializada e, muito importante, ambas as formações devem ser consistentes no sentido de apropriação de sólidos conhecimentos e devem pressupor tempo para reflexão teórico-prática. Esta preocupação deve ser aqui reiterada, na medida em que a observação empírica tem permitido constatar o mercantilismo em que se transformou a formação de professores especialistas em Educação Especial em algumas regiões do Brasil, como a região oeste do Paraná. A Formação de Professores para a Educação Especial hoje As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior (BRASIL, 2001), prevêem a inclusão de conhecimentos acerca de alunos com necessidades especiais. Como se trata de diretrizes gerais para a formação de professores da educação básica em nível superior, numa perspectiva mais ampla, o documento não faz referência sobre a formação do professor para atuar nos serviços da educação especial, embora esses professores devam estar à disposição da escola e dos alunos em todas as outras modalidades e em todas as etapas da educação escolar. Página 102. O inciso III do art. 59 da LDB 9.394/96, refere-se a dois tipos de professores para a atuação com alunos que apresentem necessidades educacionais especiais: • professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para o atendimento especializado; e • professores capacitados, para viabilizar a integração/ inclusão desses educandos em classe comum. A expressão “professores com especialização adequada”, referese a todos aqueles que obtiveram certificação em cursos de Educação Especial ou em uma de suas áreas, para atuar na educação de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. É importante essa diferenciação porque anteriormente se denominava aos egressos dos cursos de Pedagogia, dos cursos de licenciaturas, dos cursos específicos de Educação Especial, de “especialistas em educação” e não somente aos egressos dos cursos de pós-graduação, como acontece hoje. Quanto à questão dos professores capacitados, a resolução 02/2001 que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, em seu Art. 18, parágrafo 1º, estabelece: São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de competências e valores para: 1. perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva; 2. flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às necessidades especiais de aprendizagem; 3. avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais; 4. atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial. Página 103. Em 2002, na esteira da LDB nº 9394/96, da Resolução 02/01 do CNE e da necessidade de viabilizar efetivamente as políticas de inclusão, o MEC/SEESP – Ministério da Educação e Cultura/Secretaria de Educação Especial divulgou o documento “A Formação do Professor para a Educação Especial”, em que se afirma: A partir da política de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, a formação de educadores para atender às necessidades da área, deve ocorrer em três âmbitos: 1. Na formação inicial de todos os professores, em nível médio ou superior, incluindo teoria e prática acerca de necessidades educacionais especiais de alunos, que lhes possibilitem desenvolver processos de ensino e aprendizagem, em classes comuns de educação básica. Esta formação que trata também de alunos com necessidades especiais deve ser de caráter generalista, isto é, deve contemplar as diferenças, as deficiências, a superdotação, na perspectiva de o professor saber reconhecer a existência de necessidades educacionais especiais, e saber dar respostas educativas e buscar implementar os apoios pedagógicos demandados (BRASIL, 2002, p. 4-5); 2. Na formação de professores de educação especial, em curso de licenciatura em nível superior, orientados para o atendimento a uma categoria específica de necessidades; para apoio pedagógico especializado à escola, ao docente da classe comum, ao processo pedagógico e aos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais (quer sejam elas temporárias ou permanentes), matriculados em escola de ensino regular; ou para docência em classes e escolas especiais da educação básica. Esta formação deve ocorrer preferencialmente associada ao processo de formação inicial dos professores de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental; ou em forma de complementação de estudos, para qualquer professor da educação básica (Idem, p.5); Página 104. 3. Na formação de professor dos professores e de outros profissionais especialistas no planejamento, na gestão e na supervisão da educação, em nível de pós-graduação, desenvolvendo estudos sobre as diversas áreas da educação especial, com a incumbência de atuar nos sistemas de ensino e de formar novos professores para o atendimento educacional aos alunos com necessidades educacionais especiais, em todos os níveis de educação e particularmente, para atuação na educação superior (Idem, p.5). Formação inicial de todos os professores Esta fase da formação, que deveria ter caráter generalista e tratar “também de alunos com necessidades especiais” (BRASIL, 2002, p. 4- 5), traz explicitada na introdução do documento acima referido, a ênfase na questão da qualidade como fator determinante do sucesso do trabalho pedagógico realizado com a população de alunos com necessidades educacionais especiais, que possui evidentes traços que a diferenciam da população em geral, embora os mesmos não sejam os maiores determinantes de seu sucesso ou fracasso escolar. O documento traz ainda que, se se objetiva oferecer ensino de qualidade, o sistema educacional deve investir com seriedade na formação inicial e continuada dos profissionais da educação e especialmente na formação do professor para todos os níveis e modalidades de ensino. Trata também das dificuldades escolares - matéria-prima do fracasso escolar – que, em contraposição à qualidade, emergem num espaço que traz subjacente uma falsa cultura homogênea, em que as diferenças - dentre elas aquelas das pessoas com necessidades educacionais especiais - compõem de fato o espectro cultural. Afirma então, que se não há uma cultura única e global, o trabalho pedagógico a ser realizado deve ser diversificado para atender a uma diversidade cultural Página 105. real, expressa por determinações de classe social, raça e gênero, mas não na perspectiva de suprir carências das minorias culturais. O documento aborda também, a questão da formação e “competências” necessárias aos professores que atuarão na educação básica, com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, que deve incluir, além de conhecimentos sobre as especificidades dos referidos alunos, aspectos do “saber”, do “saber fazer”, do “saber conviver” e do “saber ser” – referência aos quatro pilares da educação propostos por Jacques Delors, no Relatório para a UNESCO sobre a educação do século XXI, para os países em desenvolvimento, em que ele utiliza-se dos seguintes termos: “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver juntos” e “aprender a ser” (1999, p. 90). Os referidos aspectos constituir-se-iam, dentre outras, em condições para que “o educando tenha acesso, permanência e sucesso na escola” (BRASIL, 2002, p.6). É importante ressaltar que esses “pilares” foram formulados de forma intencional, visando a que os países do terceiro mundo se adequem a um modelo de educação domesticadora, apaziguadora, que dê conta deste homem que tem que ser conformado, adaptado à sua realidade, já que cada vez mais, ele não consegue conter-se ante a ganância predatória e expropriadora que lhe é imposta pelo modelo cruel de sociedade no qual vivemos. Sobre esta abordagem, destaca-se o aspecto do “saber ser”, cuja explicitação do conceito encontra-se revestida de uma concepção mecanicista, positivista, ao sugerir que “os professores conheçam e eliminem as barreiras atitudinais, de comunicação e curriculares, para que modifiquem sua interação com o aluno no processo ensino-aprendizagem”. (idem, p.7), como se esta relação acontecesse de forma simplista e pudesse ser efetivada num passe de mágica, desconsiderando as contradições que são evidenciadas todos os dias Página 106. numa sala de aula, em que convivem alunos com diferentes concepções de mundo e atitudes diante de seus pares; então, não será apenas porque o professor desvelará estas barreiras atitudinais (se puder fazê-lo), que ele poderá eliminá-las, de forma mecânica. Quando se refere às licenciaturas envolvendo as faculdades de educação e os demais cursos de graduação que formam os professores de educação básica, o documento diz que esses cursos “que hoje transmitem conhecimento propedêutico, precisam incluir projetos em Educação Especial, atualizar os conhecimentos acerca das necessidades educativas especiais dos alunos, realizar pesquisas sobre essa área e, sobretudo, possibilitar o saber fazer pedagógico, como exercício crítico” (BRASIL, 2002, p.8). É necessário considerar que embora a portaria 1793/94 recomende a inclusão de uma disciplina ou conteúdos sobre a Educação Especial nos cursos de licenciatura, após mais de uma década de sua publicação, isto não tem se efetivado na prática, pois a grande maioria desses cursos, inclusive os das instituições públicas, continua formando professores de Língua Portuguesa, Matemática, História, Ciências, Geografia, Educação Física, Educação Artística, etc., sem qualquer conhecimento sobre pessoas com deficiência/necessidades especiais. Quanto à avaliação, o documento recomenda que ela “deve ter como referência os progressos do aluno, considerando seu modo de ultrapassar as dificuldades, construir seus conhecimentos, progredir e avançar. Sua avaliação deve considerar o que o aluno era capaz de realizar antes e o que consegue no momento” (idem, p.8). Segundo Bueno (1999, p.6), o que parece caracterizar a trajetória da escola fundamental brasileira, entre ela e o ensino especial, é a perda de qualquer controle dos resultados efetivos ou seja, controle da efetiva aprendizagem dos alunos, que ficam por anos a fio na educação especial, Página 107. atingindo muitas vezes os anos finais do primeiro segmento do ensino fundamental, mas não resistem a uma avaliação “um pouco mais refinada”, que comprovaria que essas crianças não conseguiram incorporar um mínimo de conteúdo correspondente ao nível atingido. Segundo o autor acima referido, o que tem aproximado a educação especial do ensino regular, é a falta absoluta de acompanhamento, avaliação e aprimoramento da qualidade do ensino. Tal problemática tem se agravado a partir da instituição da educação de massas nas décadas de 60 e 70, quando houve uma ampliação do acesso à educação e de desqualificação do processo pedagógico, historicamente marcados, de forma contraditória, tanto pela escola regular, como pela educação especial. Embora o ensino regular, no tocante à avaliação escolar na educação básica, venha sendo sistematicamente avaliado por órgãos como o SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica e o ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio - exigência das agências financiadoras internacionais - tal avaliação não tem se traduzido em melhoria da qualidade de ensino, já que as questões estruturais não foram modificadas. Ainda com referência à formação inicial de todos os professores da educação básica do país, no tocante à educação especial, o documento prevê – por conta da premência com que se requer essa formação - que em caráter emergencial, sejam intensificados “os cursos de extensão que se voltem, prioritariamente, para a atualização de docentes sobre questões relativas à educação inclusiva de alunos com necessidades educativas especiais, tendo em vista a situação atualmente enfrentada por eles” (BRASIL, 2002, p.53), esclarecendo também, que não se deve confundir “Cursos de extensão”, com as atividades de extensão das universidades, abertas às diversas instâncias da sociedade. Em uma pesquisa de 1998 com 58 universidades, evidenciou-se que 31 ofereciam algum tipo de curso de extensão sobre temas de educação especial, principalmente nas regiões sudeste e nordeste (Bueno, 2002, p. 57). Página 108. Formação de professores especialistas em educação especial A Resolução 02/2001 (Art. 18, parágrafo 2º) define, no que se refere à formação de professores especialistas em educação especial: São considerados professores especializados em Educação Especial, aqueles que desenvolveram competências para identificar as necessidades educacionais especiais, para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didático-pedagógicos e práticas alternativas, adequados ao atendimento das mesmas, bem como trabalhar em equipe, assistindo o professor de classe comum nas práticas que são necessárias para promover a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais. Esses professores deverão atuar nos serviços de Educação Especial, na Educação Básica, desenvolvendo ou apoiando diretamente a docência: em classes comuns, em classes especiais, ou em classes de uma escola especial; no serviço de apoio pedagógico especializado (regência das salas de recursos, dos serviços de itinerância, e de outras atividades de suporte pedagógico especializado direto com o aluno numa dada etapa de ensino e modalidade educacional). O parágrafo 3º, do Art. 18, da mesma resolução, afirma: Os professores especializados em educação especial deverão comprovar: 1. formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para a educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental; 2. complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas do conhecimento, para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Página 109. Para atender ao disposto acima, o MEC elaborou propostas de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Educação Especial, denominadas: Licenciatura em Educação Especial e Complementação de Estudos em Educação Especial, que contemplam: o perfil comum do egresso; competências e habilidades; estrutura dos cursos; conteúdos curriculares; estágios e atividades complementares; duração dos cursos; conexão com a avaliação institucional; formação continuada e comentários gerais. Segundo o documento do MEC (2002, p.23), os cursos de educação especial devem ser organizados, Com base na legislação em vigor e se estruturarem associados à licenciatura para a educação infantil e/ou anos iniciais do ensino fundamental, acrescentando-lhes um aprofundamento teóricometodológico acerca das características diferenciadas de alunos, cuidando, no entanto, em não transformar tais conhecimentos no fio condutor do projeto curricular de formação. Antes de tudo o profissional deverá ser um professor da educação básica cujo compromisso é com o desenvolvimento escolar dos alunos e com a necessária despatologização desses educandos. Este profissional deverá ser, Licenciado para atuar com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais (na organização e gestão do sistema), na organização de unidades e projetos educacionais e na produção e difusão de conhecimentos, em uma determinada área da educação especial, em diferentes contextos, tendo a docência como base obrigatória de sua formação e identidade profissional (idem, p.23) . Uma das inovações do documento é a reiteração acentuada de que o professor da Educação Especial deve ter a docência como fundamento de sua formação e que esta deve voltar-se também para a aquisição de conhecimentos sobre a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, e não apenas da educação especial. Ao afirmar Página 110. a docência como fundamento da formação do professor da educação especial, necessário se faz definir sobre que docência estamos falando. Concordamos com o documento intitulado Posicionamento conjunto das entidades ANPED, ANFOPE, ANPAE, FORUNDIR, CEDES e FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR, na reunião de consulta com o setor acadêmico, no âmbito do programa especial “MOBILIZAÇÃO NACIONAL POR UMA NOVA EDUCAÇÃO BÁSICA”, instituído pelo CNE – Conselho Nacional de Educação, de 07/11/2001, em Brasília/DF, quando explica: A base dessa formação, portanto, é a docência (...) considerada em seu sentido amplo, enquanto trabalho e processo pedagógico construído no conjunto das relações sociais e produtivas, e, em sentido estrito, como expressão multideterminada de procedimentos didático- pedagógicos intencionais, passíveis de uma abordagem transdisciplinar. Assume-se, assim, a docência no interior de um projeto formativo e não numa visão reducionista de um conjunto de métodos e técnicas neutros descolado de uma dada realidade histórica. Uma docência que contribui para a instituição de sujeitos. É importante ressaltar ainda que a docência constitui o elo articulador entre os pedagogos e os licenciados das áreas de conhecimentos específicos abrindo espaço para se pensar/propor uma concepção de formação articulada e integrada entre professores. Certamente a recuperação dessa formação global do professor especializado da Educação Especial, constituir-se-á extremamente salutar, na medida em que ele terá a docência como base de sua formação e apropriar- se-á dos conhecimentos gerais destinados à formação de todos os outros professores (Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental), pois como dizia MARX (1984, p. 401) “depois de desenvolver até atingir a virtuosidade, uma única especialidade limitada, sacrificando a capacidade total de trabalho do ser humano, põe-se a manufatura a transformar numa especialidade a ausência de qualquer formação”. Página 111. Formação do Professor dos professores e de outros profissionais especialistas (professor universitário) Este professor deverá ter curso de pós-graduação, em um dos seguintes níveis: Especialização “ lato sensu” - cursos que têm tido “muito menos o caráter de especialização e muito mais o de cursos iniciais para profissionais que não tiveram qualquer formação anterior” (BRASIL, 2002, p.49). São abertos também a outros profissionais como psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e especialistas em educação como administradores, supervisores e coordenadores escolares. Mestrado e doutorado - Pós-graduação “ stricto sensu” - O documento menciona que existe apenas uma universidade no Brasil que mantém mestrado específico em educação especial: a UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos - embora dos 25 cursos hoje existentes que possuem mestrado em educação, dois terços aceitam alunos nas linhas de pesquisa que desenvolvem e um terço possui linha de pesquisa específica em educação especial, observando que “na região norte não há um curso sequer” (BRASIL, 2002, p.51). Recomenda que sejam implantadas políticas de incentivo à disseminação da educação especial nestes cursos e esclarece que o profissional com esta formação é, “antes de mais nada, um pesquisador e por natureza ocupacional, um professor de nível superior.” (Idem, p.51). CONSIDERAÇÕES FINAIS Na esteira da Declaração de Salamanca (1994), da Constituição Federal de 1988, da Lei 7853/89, posteriormente regulamentada pelo Decreto 3298/99, da LDB nº 9394/96 e do decreto nº 5296/04, o Brasil vem passando por um profícuo e apaixonado processo de discussões Página 112. são sobre a população de pessoas com deficiência/necessidades (educacionais quando se refere à sua educação) especiais, principalmente quando a temática de tal discussão é onde ela deve estudar. Junto com todos os outros alunos, ou em classes ou escolas separadas? Embora o locus dessa educação seja hoje no Brasil, um tema polarizado entre os defensores e os opositores da inclusão, há um consenso geral sobre a necessidade de se dar conta da formação de professores para a Educação Especial, tarefa historicamente desconsiderada como relevante e hoje colocada como um dos maiores desafios dos sistemas de ensino e das instituições formadoras. Atualmente há inúmeros fatores que limitam e condicionam a efetivação de uma política ampla, gratuita e democrática de formação de professores para a Educação Especial/Educação Inclusiva. A resolução 02/2001 previa um prazo de dois anos para que os cursos de formação de professores existentes se adequassem, no sentido de oferecer conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais, bem como o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), previa a garantia de que, em cinco anos, houvesse pelo menos um curso de formação de professores para a Educação Especial, em cada unidade da Federação. Para um país que teve o percentual de pessoas com deficiências, ampliado de 10% (segundo estimativa da OMS – Organização Mundial da Saúde, para os países em desenvolvimento), para 14,5% segundo o Censo Demográfico 2000, esta é uma questão no mínimo preocupante, pois se a educação é direito de todos, constitucionalmente garantida, dever-se-ia ampliar e impor metas, para dar conta da formação de professores que considerasse essa população de alunos. No entanto, o que ainda tem sido constatado na realidade concreta, é que: No que tange a uma política de formação docente, estamos longe de alcançar níveis qualitativos mínimos para a consecução de uma educação Página 113. inclusiva. Não por “genérica falta de condições”, mas por absoluta falta de vontade política, tanto por parte dos órgãos governamentais como pelas instituições de formação, em especial as universidades (Bueno, 1999, p. 11). Acrescentaríamos também, que a formação de professores para esta área, da forma como vem sendo proposta pelo MEC/SEESP, constitui- se num apetitoso filão para as instituições formadoras privadas, especialmente porque há uma esmagadora demanda reprimida. Algumas dessas instituições têm realizado cursos de pós-graduação lato sensu aligeirados, o que pode comprometer a qualidade da formação. Estes cursos têm cumprido o papel de rapidamente certificar e disponibilizar para o mercado de trabalho, um contingente de professores especialistas em educação especial que, muitas vezes, os procuram para, na esteira da chamada empregabilidade, na lógica da sociedade capitalista, terem maiores chances na busca por um emprego. Assim, é fundamental que as instituições de ensino superior públicas, busquem alternativas para oferecer de forma gratuita esta formação, que é aguardada tanto pelos docentes em sua formação inicial ou continuada, como pela imensa população de pessoas com deficiência/necessidades educacionais especiais, que espera uma vaga na escola brasileira. Assim, deve ser uma formação eminentemente fundamentada em pressupostos científicos e pedagógicos, desprovida do cunho idealista com que muitas vezes tem sido enfocada; fundamentos estes baseados no materialismo histórico-dialético, pois esta é a teoria que melhor explica a realidade histórica. A reflexão crítica sobre a formação de professores e as políticas de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular, apontam assim, para novas exigências com relação à formação do professor para a educação especial e oferecem possibilidades para uma revisão crítica de seus princípios, fundamentos e práticas. Página 114. Inicialmente é preciso refletir no sentido da superação da dicotomia entre as funções docentes do professor da classe comum e as do professor da educação especial, pois se a educação inclusiva exige que o professor do ensino regular adquira conhecimentos acerca das necessidades educacionais especiais dos alunos para dar conta de uma população que possui características peculiares, também o professor da educação especial deve ampliar suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas características, e passar a preocupar-se também com o currículo, com os níveis de ensino, com a avaliação do desempenho do aluno, com o fracasso e evasão escolar, para contribuir de fato com o trabalho pedagógico desenvolvido no ensino regular. Neste aspecto, é fundamental reiterar o imenso desafio que têm diante de si os professores especialistas e as instituições formadoras, quanto à compreensão da deficiência não mais vista sob o prisma do “que falta”, mas como força motriz capaz de reorganizar todo o organismo do sujeito, no processo denominado supercompensação (Vygotski, 1997, p. 58). Assim, pensar e implementar políticas de formação de professores requer a compreensão da realidade social e educacional, especialmente por que vive-se em tempos de inclusão escolar. Embora a educação inclusiva esteja mais no plano do discurso, já que as estatísticas sobre matrículas de alunos com deficiência são ainda incipientes e a verdadeira inclusão desses alunos numa instituição escolar que existe dentro de uma sociedade excludente, ainda aconteça de forma muito precária, não se pode negar que, gradativamente, muitos desses alunos que no passado estariam em instituições segregadas, hoje adentram a escola regular e a desafiam e a seus professores, em todos os níveis de ensino – da educação infantil ao ensino superior – a encontrar novas formas de ensinar e de se relacionar com essa nova população de alunos. Página 115. REFERÊNCIAS: 1. BOBBIO, N. A era dos dir direitos eitos eitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 2. BRASIL. Lei n.º 9394/96 . Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional São Paulo. Editora do Brasil, 1996. 3. BRASIL. Educação: um tesouro a descobrir – 2.ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 1999. 4. BRASIL. Lei n.º 10.172. Plano Nacional de Educação . Brasília, 2001. 5. BRASIL. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica . Brasília, MEC/SEESP/CNE/CEB, 2001. 6. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n.2/2001. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica básica. Brasília, DF, 2001. 7. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. A formação do professor para a educação especial especial. Brasília, 2002. 8. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Proposta de diretrizes curriculares para os cursos de educação especial especial. Curso de licenciatura em educação especial. Brasília, 2002. 9. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Propos- Proposta ta de diretrizes curriculares para os cursos de educação especial especial. Curso de complementação de estudos em educação especial. Brasília, 2002. 10. BUENO, J. G. S. Crianças com Necessidades Educativas Especi- Especiais, ais, Política Educacional e a Formação dos Professores: Generalistas ou Especialistas? Revista Brasileira de Educação Especial. Piracicaba: Editora UNIMEP, v.3, n 5, set. 1.999, p.7-25. 11. BUENO, J. G. S. A educação especial nas universidades brasileiras. Brasília:Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2002. Página 116. 12. CNE. Resolução CNE/CP 1/2002. Diário oficial da união, Brasília, 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 31. Republicada por ter saído com incorreção do original no D.O.U. de 4 de março de 2002. Seção 1, p 8. 13. CORDE – COORDENADORIA NACIONAL PARA INTEGRAÇÃO DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais especiais. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais. Acesso e Qualidade. Brasília, 1994. 14. CORREIA, Luís de Miranda. Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares regulares. Portugal: Porto Editora, 1997. 15. MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Ser ou estar: eis a questão – explicando o déficit intelectual. Rio de Janeiro: WVA, 1997. 16. MARX, Karl. O capital capital. São Paulo: Difel, 1984, Livro 1, Vol. 1. 17. PARANÁ. Conselho Estadual de Educação. Deliberação n.02 - Edu- Educação cação Especial Especial. Curitiba: CEE, 2003. 18. VYGOTSKI L. S. Fundamentos de Defectologia. FM: Obras Completas Tomo 5 Havana: Editorial Pueblo y Educacion, 1997. Página 117. CAPÍTULO V O USO DA INFORMÁTICA COMO UM INSTRUMENTO DE APOIO NO PROCESSO EDUCACIONAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL E DEFICIÊNCIA FÍSICA/MOTORA Dorisvaldo Rodrigues da Silva1, Vera Lucia Ruiz Rodrigues da Silva2 1 Psicólogo do Centro de Reabilitação Física do Colegiado de Fisioterapia, Membro colaborador dos grupos de pesquisas HISTEDOPR, Grupo de Inteligência Artificial (GIA) e do Grupo de Estudos sobre a Educação da Pessoa com Deficiência do Programa de Educação Especial da UNIOESTE. 2 Pedagoga, Especialista em Fundamentos da Educação e Educação Especial, Coordenadora do Programa de Educação Especial (PEE). Membro colaborador do grupo de pesquisa HISTEDOPR e do Grupo de Estudos sobre a Educação da Pessoa com Deficiência do Programa de Educação Especial da UNIOESTE. Página 118. RESUMO: Este artigo trata do uso da informática como um instrumento de apoio aplicado à educação de pessoas com deficiência visual e com deficiência física/motora. O subtópico I apresenta um breve histórico da informática na educação, com informações desde o início das discussões, a década de 1970. O subtópico II aborda a inserção da informática na Educação e apresenta dados do trabalho desenvolvido na Unioeste, a partir de 1997. O subtópico III trata dos recursos técnicos utilizados na educação de pessoas com deficiência visual e com deficiência física/motora. Também apresenta uma classificação dos recursos disponíveis no mercado e utilizados na educação nas áreas de deficiência visual e física/motora. No subtópico IV apresenta- se uma breve fundamentação pedagógica referente ao desenvolvimento cognitivo da pessoa com deficiência na concepção Vigotiskiana. I – ASPECTOS OS HISTÓRICOS DA INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO A Informática Educacional (OLIVEIRA, 1997) começou a ser discutida no Brasil na década de 70. Nesta época surgiram os primeiros congressos sobre o uso de computadores. Em paralelo a estes acontecimentos, o governo federal implantou uma política de incentivo à pesquisa para que o país pudesse desenvolver suas próprias tecnologias, criando assim a Secretaria Especial de Informática – SEI, a Empresa Digital Brasileira - DIGIBRÁS e a Comissão Coordenadora de Atividades de Processamento Eletrônico – CAPRE. Este controle pelo Estado ocorreu porque o governo militar possuía objetivos bem definidos quanto ao uso da informática. Esta questão é refletida na citação de Rosenthal , (1995, p.19), a qual afirma que Os segmentos esclarecidos da sociedade já percebiam que o domínio das tecnologia diretamente associadas com os computadores ia-se tornando fundamental para a obtenção do grau de autonomia política (militar) compatível com os objetivos desenvolvimentistas “Brasil – potência” e – para Página 119. usar um termo em voga – modernizantes, visados pelos governos e pela sociedade brasileira ou, pelo menos, por suas elites. Mesmo com a interferência do Estado, o processo de informática na educação começou a avançar. Em 1975, por meio de um intercâmbio cultural, a UNICAMP trouxe ao Brasil os pesquisadores Seymour Papert e Marvin Minski que desenvolveram a linguagem LOGO. Em 1976, os professores da UNICAMP foram para os Estados Unidos conhecer o Massachusetts Institute of Technology - MIT e, quando retornaram ao Brasil começaram a estudar a linguagem LOGO3. Assim, no início de 80, a UFRGS inicia experiências utilizando a linguagem LOGO, com a finalidade de desenvolver o raciocínio lógico e a leitura, tendo como base teórica o modelo piagetiano para promover aprendizagem na criança. Nesta mesma época, a Secretaria Especial de Informática estudava a aplicabilidade da Informática na Educação. O caráter de segurança nacional dado ao setor pelo governo brasileiro da época, estabelecendo controle excessivo sobre as atividades oriundas da informática, resultou efetivamente em uma barreira dessa tecnologia no Brasil, fazendo com que a pesquisa nesta área ficasse secundarizada. Conseqüentemente, esta posição política adotada no país reduziu a possibilidade de autonomia nesta área e, ainda, “ampliou a dependência do Brasil a tecnologias importadas” (ROSENTHAL, 1995, p. 25). Desde o golpe militar de 1964 até 1982, ocorreram muitas medidas que aumentaram o endividamento externo do país, pois o desenvolvimento nacional possuía sua base na dependência do capital estrangeiro. Esta condição favoreceu o estabelecimento de políticas externas aos países que tinham o poder de controlar e autorizar os Inicio de nota de rodapé. (3)O Logo é uma linguagem INTERPRETADA. Opera por comandos que são executados na tela por um cursor que é chamado Logo de TARTARUGA. Esse nome foi dado porque na primeira versão do Logo era usado um robô, que parecia uma tartaruga. Fim de nota de rodapé. Página 120. empréstimos internacionais, que buscavam ampliar seus mercados e, ao mesmo tempo, aumentar a dependência de países em desenvolvimento na utilização de novas tecnologias. Quanto à educação neste período, em virtude do processo de desenvolvimento sócio-econômico articulado à política educacional, é posto à população a necessidade de elevação da escolaridade. Segundo Cunha (1985), o Estado militar criou formas de conter e liberar o acesso à educação à camada popular, e o fez por meio do ensino médio e superior, incentivando também as empresas a atuarem na formação profissional. As leis (5.540/68, 5.692/71) deram continuidade aos aspectos educacionais expressos na Lei 4.024/61, uma vez que a mudança no âmbito político objetivava a manutenção do sistema capitalista no sentido de conservação do status quo da elite brasileira. Saviani (1978, p. 184) ratifica que “se no plano sócio-econômico houve continuidade, compreende-se que se constate uma continuidade também no plano educacional. E essa continuidade está refletida na legislação”. Contudo, as discussões do uso da informática como recurso didático dava-se somente no âmbito de algumas universidades. Com o projeto EDUCOM, em 1983, o governo federal decide pela implantação de centros-pilotos em Universidades Brasileiras, sendo selecionados apenas 5 dos 26 projetos enviados. Os projetos foram implantados nas seguintes instituições selecionadas: UFRGS, UFPE, UFMG, UFRJ e UNICAMP. Em 1986, o governo federal cria o Programa de Ação Imediata em Informática na Educação para 1º e 2º graus, com os objetivos de: • criar de uma infra-estrutura de suporte junto às Secretarias Estaduais de Educação; • capacitar professores; • incentivar à produção descentralizada de softwares educacionais; Página 121. • integrar pesquisas que vinham sendo desenvolvidas pelas diversas universidades. As pesquisas desenvolvidas pelas universidades, através do projeto EDUCOM, serviram de base de apoio para projetar e implantar, junto às Secretarias Estaduais de Educação, os Centro de Informática Educacional - CIEDs, que funcionariam como pólos para formação de multiplicadores para a capacitação de professores de 1° e 2° graus e de educação especial. Entre 1988 e 1989 foram criados 17 CIEDs em diversos estados brasileiros. Em 1989 surgiu o Programa Nacional de Informática na Educação - PRONINFE, com o objetivo de fornecer suporte ao desenvolvimento e à utilização da informática nos ensinos de 1°, 2°, 3° graus, hoje denominado de ensino médio, e educação especial, financiando a infra-estrutura e a capacitação contínua de professores. A educação básica, superior, especial e a não-formal foram divididas em subprogramas para que se estabelecessem diretrizes diferentes. Face a estas condições, surgiram os Centro de Informática na Educação Superior - CIEs, os Centro de Informática na Educação Técnica – CIETs que, junto aos CIEDs realizaram o treinamento e a capacitação de professores, utilizando o desenvolvimento de novas metodologias, processos e sistemas na área. Em novembro de 1996 o MEC lançou o Programa Nacional de Informática na Educação – PROINFO que junto com os governos estaduais tem até hoje a finalidade de efetivar a informatização das escolas públicas, visando atender a capacitação de professores e equipar as escolas com equipamentos e suporte técnico. Especificamente para o Estado do Paraná o governo, visando atender as diretrizes definidas pelo MEC, criou o Programa Estadual de Informática na Educação - PEIE, que tem por objetivo implementar Página 122. a Informática Educacional nas escolas públicas. Com a finalidade de promover a formação de multiplicadores, foram implantados até 2001, 12 Núcleos de Tecnologia Educacional no Paraná - NTEs, em cidades pólo e capital. A partir de 2004, o governo do Estado do Paraná projetou e executou a ampliação do número de NTEs. Estes receberam uma nova denominação, passando a ser identificados por Centros Regionais de Tecnologia Educacional – CRTE. Atualmente a SEED conta 32 CETRs em todo o Estado. É necessário compreender que a política de informática educacional em âmbito estadual e federal faz parte de uma proposta educacional apontada no projeto de desenvolvimento presente nos documentos do Banco Mundial, BIRD - órgãos que financiam os investimentos de desenvolvimento para o Brasil e outros países. Estes documentos apontam medidas educacionais voltadas à nova forma que o capitalismo vem tomando em função do desenvolvimento do próprio modo de produção que avança no sentido de utilizar meios de produção com base tecnológicas automatizadas. É com vistas a uma análise crítica que os educadores devem pensar no uso da informática na educação, pois, como qualquer outro instrumento, esta pode ser utilizada para favorecer o sistema econômico vigente, como também contribuir para o processo de emancipação do homem. A utilização da informática na educação ainda hoje é polêmica, principalmente no que diz respeito aos professores estarem trabalhando, com os alunos, os conteúdos estabelecidos nas grades curriculares por meio do computador, softwares entre outros recursos tecnológicos. Quanto ao uso da informática como recurso educacional para as pessoas com deficiência verifica-se que esta tem possibilitado um salto qualitativo em termos de acesso ao conhecimento sistematizado, especialmente para o cego e para a pessoa com visão reduzida. Página 123. II - INSERÇÃO D DA A INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO O modelo de sociedade definida pelo sistema capitalista tem enfatizado a busca do conhecimento/informação, de modo que a tecnologia associada a esta categoria passou a ser um dos elementos norteador das ações e das atividades do sistema como um todo, quer seja na saúde, na agropecuária, nos transportes, na educação, na indústria ou no setor de serviços. Neste ambiente de constantes inovações tecnológicas, a educação deve tomar uma postura crítica, no sentido de analisar às mudanças no âmbito sócio-econômico, político-educacional, devendo estar à frente, para buscar a reorganização do processo educativo e assegurar a transmissãoapropriação do conhecimento e o desenvolvimento de pesquisa científica. A utilização de tecnologias pode contribuir para que a educação formal possa atuar de modo mais eficaz em duas frentes. A primeira diz respeito à ruptura de uma perspectiva eletista de acesso aos bens produzidos historicamente pelo homem e para o homem e, com isso, possibilitando maior acesso ao conhecimento. A segunda refere-se a assegurar uma formação de homem na perspectiva do ser social. Entretanto, de acordo Azevedo (1995), em virtude da intencionalidade política-econômica e educacional posta pelo sistema capitalista, a educação contemporânea não tem contribuído para minimizar a desigualdade social e muito menos para proporcionar uma formação que viabilize a emancipação do homem. O sistema educacional que deveria estar à frente no que diz respeito a aplicação dessa tecnologia e que em virtude de determinantes sócio-econômicos não tem conseguido se desvencilhar do processo de privatização da educação, ou seja, de uma política de direito passa a ser uma política de mercado. Nesta perspectiva, Azevedo (1995) coloca que A construção de uma sociedade alternativa , democrática e solidária, não poderia prescindir dos avanços científicos e tecnológicos Página 124. da chamada terceira revolução industrial. O aprofundamento das relações internacionais, os avanços da ciência e da tecnologia são um patrimônio da humanidade. A questão central é a democratização destes processos, para que seus efeitos positivos possam ser potencializados, transformados em fatores de inclusão e em instrumentos de melhoria da qualidade de vida para todos. O internacionalismo baseado na solidariedade dos povos é historicamente uma construção dos movimentos identificados com as utopias igualitárias. O grande desafio hoje é transformar o sentido meramente econômico da internacionalização. Trata-se de criar a possibilidade e as condições políticas, para a globalização dos direitos, da cidadania, da integração cultural e da democratização do acesso a todas as conquistas da humanidade (AZEVEDO, 1995, p.11). Quando se fala em uso de tecnologias na educação, deve-se procurar compreender que a inserção desses recursos visa contribuir para a melhoria do material didático-pedagógico através de mecanismos tecnológicos modernos, e não meramente atrativo da utilização do computador. Assim como a televisão, o computador não veio desvirtuar os caminhos do ensino em sala de aula e muito menos substituir o professor, mas oferecer mais um recurso atrativo para os elementos que compõem o processo de aprendizagem. Assim, a tecnologia computacional deve ser um instrumento e meio de ensino que tem por base promover a compreensão, a interação e a análise crítica do aluno para a construção do conhecimento. Para as pessoas com deficiência, a informática tem viabilizado uma nova perspectiva de ascensão profissional por meio da educação. Se no âmbito da educação de crianças sem deficiência a informática ainda não se consolidou como um importante recurso pedagógico, na educação especial esta tecnologia tem sido um valoroso instrumento de acesso ao conhecimento. Dados do Programa Institucional de Ações Página 125. Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais – PEE4-UNIOESTE têm confirmado que o uso de recursos da informática podem promover o efetivo acesso à educação, neste caso específico, ao ensino superior. De modo geral, o uso de tecnologias computacionais trazem uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência, contribuindo para o acesso ao mercado de trabalho, à educação e ao lazer, possibilitandolhes maior autonomia, acesso ao conhecimento e a manifestação de sua capacidade produtiva. Conseqüentemente todas as possibilidades de promover o acesso a educação e ao mercado de trabalho formal para a pessoa com deficiência são fatores importantes para criar melhores condições de participação ativa em todos os setores sociais. Torna-se então necessário prover as instituições de ensino, em todos os níveis, com os recursos de informática para contribuir no processo de educação das pessoas com deficiência, bem como prepará-las para o trabalho. A UNIOESTE, por meio das atividades desenvolvidas pela equipe de PEE, em parcerias com: a Associação Cascavelense de Pessoa com Deficiênca Visual – ACADEVI, com o Núcleo de Inovações Tecnológicas – NIT, com Núcleo de Estudos Interdisciplinares, com a Secretaria Municipal de Educação e com o Núcleo Regional de Educação, vem realizando desde 1999 cursos de formação continuada para o uso do computador, principalmente do sistema computacional Dosvox. Destaca-se neste contexto a realização dos Encontros de Informática na Educação – ENINEDs que desde a primeira edição (1999), vem colocando em sua programação minicursos de Dosvox, bem como a demonstração de softwares destinados às pessoas com paralisia cerebral e as pessoas com deficiência motora. Soma-se a estas atividades a infraestrutura de recursos tecnológicos do PEE que conta com scanners, máquinas perkins- Inicio de nota de rodapé. (4) Acadêmicos em atendimento em 2006: 4 com visão reduzida, 3 cegos, 3 surdos. Desde 1997 o programa já atendeu 21 alunos com deficiência visual e com deficiência física. Fim de nota de rodapé. Página 126. O USO DA INFORMÁTICA COMO UM INSTRUMENTO DE APOIO NO PROCESSO EDUCACIONAL ... braille, impressoras braille, computadores, lupas eletrônicas, softwares sintetizadores de voz e ampliadores de tela, como também de periféricos adaptados para pessoas com deficiência física. Além disso, o Núcleo de Inovações Tecnológicas está desenvolvendo um ampliador de tela inteligente, denominado de Xlupa, destinado às pessoas com visão reduzida, cujo projeto foi financiado pelo CNPq em 2005. As atividades desenvolvidas pelo PEE desde 1997 estão pautadas na mobilização e no comprometimento de sua equipe e dos seus parceiros, objetivando atender o candidato ao vestibular, bem como o acadêmico com alguma deficiência. Neste aspecto, a UNIOESTE vem se consolidando como uma referência estadual no processo de apoio ao ingresso e a permanência das pessoas com deficiência no ensino superior, principalmente na área da deficiência visual. A seguir, serão abordados os recursos tecnológicos utilizados na educação de pessoas com deficiência visual e/ou com deficiência física. III – RECURSOS TECNOLÓGICOS APLICADOS NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL E DEFICIÊNCIA FÍSICA/MOTORA Não considerando menos importantes o uso da informática na educação de pessoas com deficiência mental ou auditiva, este artigo toma como exemplos apenas as áreas da deficiência visual e física. Segundo (MARTÍN; LA FUENTES; DIAZ; BUENO, 2000, p. 95), Tiflotecnologia é entendida como um conjunto de técnicas, conhecimentos e recursos que facilitam ou proporcionam às pessoas cegas ou com visão reduzida os meios oportunos para a correta utilização da tecnologia, que contribuem com a sua autonomia pessoal e plena integração social, laboral e educativa. Neste conjunto de adaptações tiflotécnicas estão os sistemas de reprodução de áudio, armazenamento e processamento de informações Página 127. síntese de voz através de periféricos ou software específico, sistemas de reconhecimento óptico de caracteres, instrumentos eletrônicos portáteis para tradução ou para cálculo, entre outros. Existe um número significativo de empresas que comercializam diversos produtos destinados a área da deficiência visual, conforme apresentado no “Anexo A” 5. Os diversos instrumentos a seguir, apresentados na Figura 1, são os de maior aplicação no âmbito da educação especial de pessoas com deficiência visual. Figura 1 –Lista de instrumentos utilizados na educação de pessoas com deficiência visual - Braille-falado: é um sistema portatil de armazenamento e processo de informação cuja entrada de dados se realiza através de um teclado braille de 6 pontos e espaçador, e a sua saída se produz através de uma voz sintetizada. tem como caracteristicas mais destacáveis: editor de textos, agenda, cronômetro, calendário e calculadora. - PC-falado: é um computador compatível IBM-XT portátil, com teclado braille de oito pontos que permite a edição de textos e a gestão de atividades do tipo agenda eletronica (relógio, calculadora, calendário, terminal de comunicações, etc). Permite fazer conexão com impressora Braille de tinta, unidade de disco externa, podendo ser utilizado como sintetizador de voz. com sistema operacional MS-DOS, versão 5.0, permite a execução do programa de cálculo "multical" e outros programas. Inicio de nota de rodapé. (5) Lista de fabricantes de equipamentos e programas para deficientes visuais e os seus principais produtos. Disponível em: http://www.lerparaver.com/ links_software.html. , Acesso em 20 de out de 2004. Fim de nota de rodapé. Página 128. Impressoras Braille: São instrumentos que, conectados a um computador ou outros dispositivos especificos(Braille falado, PC falado, ect.), permitem imprimir a informação no sitema braille. A mais utilizada é a impressora personal porta-thiel, de baixa tiragem, que imprime sobre papel continuo e em folhas soltas com o maximo de 39 caracteres por linha e 29 linhas por página a um velocidade de 10 caracteres por segundo. Imprime em 6 e 8 pontos. Livro Digital Adaptado: são conteúdo digitalizados e estão ao alcance das pessoas cegas através de sofware apropriado e um leitor de CD. Linhas Braille: são periféricos de aplicativo capazes de reproduzir em braille a informação que aparece no monitor do computador. Conectadas ao computador, permitem às pessoas cegas ou de visão reduzida com baixo resíduo visual fazerem a leitura em braille sobre a linha do texto situado na tela de qualquer computador que utilize MS-DOS ou Windows. Possui um teclado de funções para configurar a linha, o modo de trabalho, etc. Sintetizador de voz: São recursos desenvolvidos especialmente para trabalhar com aplicativos. Tem por objetivo o acesso à informação que aparece na tela do computador, mediante a leitura pela voz sintética, dos textos selecionados pelo usuario. Permite à pessoa cega explorar a tela, situar-se na mesma, acionar os comandos de leitura, etc. Calculadoras científicas falantes: são utilizadas como instrumentos manuais individuais ou como software para PC. As mais usadas são: Audiocal EC-9056-AF e o programa de cálculo Multical. Página 129. Leitor óptico: Reconhecedor Óptico de Caracteres (OCR) ou o Reconhecedor INteligente de Caracteres (ICR) - são programas capazes de interpretar e reconhecer a digitalização de um documento realizado por scanner. Esta digitalização parece uma fotografia do documento original que um computador pode reconhecer. Destacam entre estes sistemas, como Hardware, o Reading-Edge e os sistema Galileo e, como software, o programa Lee. Tradutores e dicionários: são instrumentos eletronicos portáteis que permitem a tradução bidirecional entre os idiomas inglês e espanhol, como o dicionário inglês Franklin e Dicionário Berlitze, e o programa Dile. Ampliador de telas e caracteres: são softwares que permitem ampliar caracteres de 2 até 16 vezes. Destre estes destacam: Zoomtext Xtra, Mega, Tiflowin e Jaws. Ampliador de imagem: Éum sistema de ampliação que permite aumentar a imagem de um objeto, ou texto na tela de um monitor, através de um circuito de TV. Pode ampliar em até 60 vezes a imagem. São conhecidos como lupa-televisão ou telelupa, rádio-lupo e também como lupa eletrônica. Teclado adaptado: são teclados adaptados e podem ser encontrados em diversas modalidades, tais como: teclados com teclas maiores, para facilitar a digitação com pinos metalicos que se levantam formando caracteres sensiveis ao tato. Pode-se usar uma pelicula braille que é colocada sobre o teclado e que os auxiliam na digitação. Entretanto, na maioria das vezes não se utilizam teclados especiais quando o usuario faz a interação como o computador que possui sintetizador de voz. Página 130. Windows: O Windows possui recursos que facilitam o acesso de deficientes. Pode ser configurado o mouse com rastro, o aumento de ícones e caracteres a lente de aumento (para aumentar uma determinda parte da tela), os filtros para o teclado, os avisos visuais ao invés de avisos sonoros o aumento de contraste e a emissão de sons em geral. Logo: a linguagem Logo tem sido usada amplamente na educação regular como também na educação especial. O Logo está fundamentado na teoria construtivista de Piaget, que enfatiza o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático do portador de necessidade especial. Este sistema permite que a criança programe o computador de forma criativa e espontânea, manipulando os materiais que encontra em seu ambiente. Dosvox: é um sistema de sintese de voz, em português, desenvolvido pelo núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que facilita o acesso de deficientes visuais a computadores, permitindo-os estudar e trabalhar com o computador ou, simplesmente, interagir com outras pessoas sem depender de alguém. O DOSVOX vem sendo aperfeiçoado a cada nova versão. Hoje, ele possui mais de 80 programas. Contava em julho de 2004 com cerca de 8000 usuários no Brasil e em alguns países da América Latina. Disponível em http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox.>. Acesso em 27 de jul. 2004. Página 131. Além da relação de recursos relacionados na Figura 1, apresenta- se o aplicativo demonstrado nas figuras 2 e 3. Estas figuras tratam da tela do software “Falando Sobre História do Brasil”, versão DV, desenvolvido no Núcleo de Inovações Tecnológicas – NIT/UNIOESTE e financiado pela Fundação Araucária-PR. Este software atende as necessidades do aluno cego e ou do aluno com visão reduzida. Possui todo o conteúdo narrado em voz humana e permite ao usuário fazer a interação por meio do teclado e também com o uso do mouse. Com o acionamento do botões direito e esquerdo do mouse permite alterar a cor da fonte e da tela, respectivamente. Também por meio de teclas de atalho pode-se ampliar o tamanho da fonte adequando-o às necessidades do usuário com visão reduzida (Falando Sobre, 2002). Figuras iguras 2 e 3 - Telas do software com ampliação da fonte e mudanças de cores da tela e da fonte Página 132. Para as pessoas com deficiência física/motora são usados recursos de acessibilidade, os quais são classificados em três grupos, a seguir identificados. a) Adaptações físicas ou órteses São todos os aparelhos ou adaptações fixadas e utilizadas no corpo do aluno e que lhe facilitam a interação com o computador. A figura 4 demonstra um exemplo de adaptação física. Figura 4- Estabilizador de punho e abdutor de polegar com ponteira para digitação(6). A figura 4 demonstra o uso de adaptações: a) física (o estabilizador de punho e abdutor de polegar com ponteira para digitação) e, b) de hadware (colméia ou mascara de teclado) ambas tem por finalidade possibilitar ao usuário interagir com a máquina por meio do teclado. Inicio de nota de rodapé. 6 Figuras 4, 5 e 6 disponíveis em http://infoesp.vilabol.uol.com.br/recursos/ recurso2.htm, acesso em 06 de fev de 2006. Fim de nota de rodapé. Página 133. b) Adaptações de hardware São todos os aparelhos ou adaptações presentes nos componentes físicos do computador, nos periféricos, ou mesmo quando os próprios periféricos, em suas concepções e construção, são especiais e adaptados. As figuras 5 e 6 demonstram um exemplo de adaptação de hardware. Figuras 5 e 6 – Colméia ou máscara de teclado sobreposta ao mesmo c) Softwares especiais de acessibilidade São os programas especiais de computador que possibilitam ou facilitam a interação do aluno com deficiência e a máquina. Página 134. Emulador / Simulador de Teclado – consiste em um teclado virtual simulado no monitor. Um programa “varre” sequencialmente as teclas do teclado no monitor, mudando-as de cor e, quando alcança a tecla desejada, o usuário pode acionar a opção desejada por meio de periféricos adaptados ( mouse, ponteiras, teclado) e ainda por emissão de som por meio de microfone, como por exemplo o software Luciana. Figura 7 - Demonstra a tela do Menu mouse do software Luciana • Clica (serve para clicar sobre o ícone) • Sobe (move a seta para cima) • Desce (move a seta para baixo) • Esquerda (move a seta para esquerda) • Direita (move a seta para direita) • Outros Cliques (ativa o menu Outros Cliques) • Mouse Rápido (acelerar/desacelerar o movimento do cursor do mouse) • Comanda Janela (ativa o menu Comanda Janela) • Digita (inicia o menu de teclagem) • Visualiza (esconde o menu) • Meus Programas (inicia o menu de seleção de programas) O software “Luciana” ao ser ativado abre a tela do menu mouse (demonstrado na figura 7), inicia a varredura das opções constantes no “menu mouse”. Com o acionamento da tecla Ctrl ou de qualquer som por meio de microfone, o usuário faz a escolha e o acionamento da opção desejada. O usuário poderá movimentar o mouse, selecionar e abrir programas, abrir as janelas dos “ menu outros cliques, “menu comanda janela”, “menu digita” “menu meus programas”, enfim Página 135. acionar todas as funções do teclado. Este software permite que o usuário com o mínimo de movimentos e mesmo sem poder falar, poderá interagir com o computador. Pode ser utilizado por pessoa com paralisia cerebral ou com deficiência motoras graves. A seguir são apresentados alguns exemplos de emuladores/simuladores de teclado. • Tflex: Um simulador de teclado com múltiplos modos de varredura, desenvolvido pela UNICAMP – disponível em www.nied.unicamp.br/~tflex/downloads,php. • Motrix, desenvolvido pelo Núcleo de Computação da UFRJ – disponível em http://intervox.nce.ufrj.br/motrix/ download.htm. • Teclado amigo e Luciana, ambos desenvolvidos pelo Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ. • Software Luciana disponível em http://intervox.nce.ufrj.br/ beatriz/ • Teclado amigo disponível em http://caec.nce.ufrj.br/saci2/ kitsaci2.zip. • ETM VOICE, desenvolvido pelo CEFET-PR, disponível em www.korp.com.br/etm. • Teclado virtual livre, desenvolvido pela PUC-PR, disponível em www.ler.pucpr.br/amplisoft/projeto.htm. IV – ASPECT ASPECTOS OS RELA RELACIONADOS CIONADOS A AO O DESENV DESENVOL OL OLVIMENT VIMENT VIMENTO COGNITIV COGNITIVO O D DA A PESSO PESSOA A COM DEFICIÊNCIA NA CONCEPÇÃO VIGOTSKIANA Na área da educação especial, um dos fatores relevantes no processo de ensino e aprendizagem da pessoa com deficiência é o material didático adaptado ou desenvolvido para atender as especificidades do aluno com necessidades educativas especiais. Página 136. Entretanto, devido à pouca disponibilidade deste material na escola, reduz- se e, muitas vezes, exclui-se a oportunidade da pessoa com deficiência estar participando do próprio processo educacional. Assim sendo, a tecnologia computacional é um dos recursos que pode minimizar a desvantagem de acesso ao conhecimento entre o aluno considerado “normal” e aquele com alguma deficiência durante o período escolar. É importante compreender que no processo de educação de pessoas com deficiência visual tem-se utilizado a avaliação funcional da visão como um dos parâmetros para definir os recursos pedagógicos que atenderão as especificidades do aluno em questão. Assim torna-se indispensável entender a definição conceitual do que é cegueira e visão reduzida. Segundo (BRUNO, 1997), a cegueira caracteriza-se pela ausência total de visão até a perda da projeção de luz. Neste caso, o processo de aprendizagem ocorrerá por meio da integração dos sentidos: tátil – cinestésico – auditivo – olfativo – gustativo, sendo que o principal meio utilizado para fazer a leitura e a escrita é o sistema braille. Hoje, os usuários que possuem computador, ou de alguma forma tem acesso a ele, utilizam-se de sintetizadores de voz para realizar estas atividades de leitura e escrita. Convém salientar que o sistema braille é extremamente importante no processo de alfabetização da criança cega, possibilitando-lhe principalmente o conhecimento e a aquisição da escrita ortograficamente correta. Para o aluno cego, o processo educacional deve ocorrer de forma idêntica ao da criança normal. Entretanto, a captação da informação se dá fundamentalmente por meio da audição e do tato. Assim, todos os recursos capazes de auxiliar o aluno cego, em seu processo educacional devem atender as condições de captação da informação por meio dos sistemas auditivo ou tátil ou, ambos. Página 137. A pessoa com visão reduzida pode ser caracterizada, no que diz respeito ao uso funcional da visão, como sendo àquela que lê tipos impressos ampliados ou com o auxílio de potentes recursos ópticos. O processo educacional para esta pessoa, segundo a mesma autora, se desenvolverá por meios visuais ou pelo uso de resíduo visual ainda existente mesmo que seja necessário a utilização de recursos específicos. Entretanto, para que a educação da pessoa com deficiência visual possa efetivamente ocorrer e produzir bons resultados, é indispensável proporcionar condições materiais adequadas às necessidades deste tipo de aluno. (BRUNO, 1997). Neste aspecto, Masini (1994) cita que o sucesso escolar de muitas pessoas com deficiência visual está diretamente vinculados à utilização de recursos pedagógicos adaptados ou desenvolvidos para este tipo de aluno. Segundo esta autora, esta condição sendo concretizada já seria o suficiente para facilitar e propiciar melhores possibilidades para que o aluno com este tipo de deficiência possa realizar, sem prejuízos significativos. Além das questões relacionados à acessibilidade ou ao material didático a serem disponibilizados à educação de pessoas com deficiência, a formação continuada do professor também é extremamente importante. Existem diversas concepções téoricas que tratam do processo de ensino-aprendizagem na educação e educação especial. Entretanto, o suporte téorico adotado pela equipe do programa de educação especial (PEE) está vinculado a perspectiva teórica de Liev S. Vigotski, principalmente por tratar não somente da educação da pessoa com deficiência, mas antes disso, da concepção da pessoa com deficiência. Na concepção teórica de Vigotski (1997) o processo da educação formal acontece fundamentalmente pela atuação do professor, fazendo a mediação entre o aluno e o conhecimento sistematizado e Página 138. historicamente produzido, com auxílio ou não recursos pedagógicos. Neste aspecto, necessariamente o encaminhamento teóricometodológico da prática do professor em sala de aula deve estar alicerçado numa fundamentação pedagógica que dê as diretrizes da ação do docente com objetivos educacionais. Ao tratar da questão da deficiência, Vigotski tem como diretriz de fundamentação os seguintes aspectos: 1) a concepção de deficiência, a qual é determinada pelo caráter biológico e social do defeito; 2) o conceito de compensação social e, 3) o processo relacionado à educação da pessoa com deficiência. A concepção da deficiência está relacionada ao caráter biológico do defeito e, portanto, corresponde à deficiência em si mesma (p.ex., a cegueira, a surdez, a deficiência motora). Também é denominada em alguns textos como defeito primário ou deficiência primária. Já, a concepção de deficiência compreendida como caráter social do defeito, também denominada de deficiência secundária ou defeito secundário é entendida como sendo à conseqüência social do defeito, a qual poderá produzir reflexos significativos para o sujeito com deficiência. Assim sendo, o resultado da conseqüência social do defeito poderá acarretar dificuldades significativas para o desenvolvimento educacional e social da pessoa com deficiência (VIGOTSKI, 1997). Ainda, em relação a compensação social do defeito ou da deficiência Vygotski afirma que podem ocorrer duas conseqüências relacionadas a esta questão. Para compreender as reações que resultam em compensação ou supercompensção é necessário compreender que o que afirmou Adler(7) “ o defeito não é somente uma pobreza psíquica, senão também uma fonte de riqueza, não é somente uma debilidade, senão também uma fonte de força”. Nesta concepção Inicio de nota de rodapé. (7) Citado por Vigotski 1997, p. 33. Fim de nota de rodapé. Página 139. teórica Adler pensa dialéticamente em dois momentos acerca do desenvolvimento psicológico: 1) o caráter dialético do defeito e, 2) a base social da psicologia da personalidade. A partir desta compreensão a compensação ou supercompensação social do defeito aparece como resultado da contraposição entre a deficiência orgânica primária e as tendências psicológicas dirigidas para a superação da conseqüência social do defeito. Para Vigotski, essas possibilidades de reações são extremamente importantes para pessoa com deficiência porque são elas que vão mostrar efetivamente para o indivíduo as suas potencialidades relacionadas a compensação ou supercompensação social do defeito. Neste contexto, os possíveis resultados alcançados podem ser de um lado, o êxito, a superação e de outro, o fracasso, este caracterizando-se como a aceitação da redução de suas potencialidades. Ambos os resultados desse processo acabam estabelecendo influências significativas no desenvolvimento cognitivo e social da pessoa com deficiência. É importante ressaltar que nem todas as pessoas, quer sejam com deficiência ou não, alcançam o sucesso escolar. Da mesma forma, é necessário salientar que nem todas as pessoas com deficiência conseguem obter resultados positivos no processo de compensação. Neste aspecto, se pudesse se estabelecer uma linha defeito-compensação, observaria que Vigotski (1997) coloca a compensação/supercompensação como um dos pontos de um dos extremos desta linha. O outro ponto, na outra extremidade, corresponderia ao fracasso da compensação, caracterizado pela luta defensiva do sujeito, usando como escudo a própria deficiência, a qual poderá criar a desmotivação para a superação e a redução de suas potencialidades, elevando assim o nível de energia psíquica à dimensão do defeito primário e, conseqüentemente produzindo, como resultado a deficiência secundária. Página 140. Portanto, pode-se imaginar que entre os pontos extremos da linha defeito-compensação existem vários pontos possíveis em termos de resultados de compensação social do defeito. É nesta verdade psicológica que se encontra os pólos denominados por Vigotski de “alfa o omega da educação social das crianças com defeitos”. Ainda, em relação ao processo compensatório Rodney (2003) coloca que existem condições que influenciam neste processo e que as mesmas são divididas em quatro categorias, a saber: 1) O alcance ou intensidade da deficiência que a criança possui. 2) Os recursos, em termos de potencial próprio de cada sujeito, que influem tanto no desenvolvimento da criança com deficiência, como na criança sem deficiência. 3) A natureza da interação com o entorno social mais próxima da criança com deficiência. 4) A socialização cultural ou interação social da criança com deficiência. Até aqui os apontamentos feitos possibilitam compreender a questão do defeito primário (a deficiência em si) e do defeito secundário (a conseqüência social do defeito) bem como do processo de compensação e supercompensação. Além desses dois aspectos Vigotski afirma que é a educação da pessoa com deficiência o principal meio de reduzir ou minimizar as conseqüências sociais do defeito. Assim sendo, o processo educacional da pessoa com deficiência deveria ser capaz de criar todas as possibilidades para ela desenvolver-se tanto cognitiva quanto socialmente. Para Vigotski (1997), o processo de interação ocorre num ambiente social-histórico e cultural e é mediado pela linguagem, pelos signos e pelos instrumentos. A atividade humana é o motor propulsor para criar as condições de existência do homem e é também o elemento acionador de todo o processo de interação homem-homem e Página 141. homem-natureza. Este sistema de relações social-histórico e cultural irá desencadear o desenvolvimento e o uso da linguagem, a formação e a compreensão dos signos e a atividade de planejamento e desenvolvimento de instrumentos. O uso desses instrumentos certamente objetivam atender uma necessidade social do próprio homem. O processo de interação é o responsável por criar todas as condições para o homem compreender a sua relação com o mundo e internalizar os conceitos e os conhecimentos historicamente produzidos. Neste sentido, o desenvolvimento da personalidade de qualquer indivíduo está dirigido pelas exigências de seu papel frente à sociedade, tendo como base de sustentação as relações sociais, as quais são consideradas por Adler (FADIMANN,1986), como elementos fundamentais para o desenvolvimento de qualquer pessoa. Os instrumentos também são elementos importantes nesse processo. Neste aspecto, todas as tecnologias produzidas pelo homem podem ser vistas, segundo a teoria de Vigotski como instrumentos mediadores de atividades e, conseqüentemente de aprendizagem do próprio homem. Neste caso o computador e o software educacional também são importantes instrumentos. Entretanto, para que esses instrumentos possam ser usados na educação especial, eles devem ser desenvolvidos para atender, de forma abrangente todas as especificidades dos seus potenciais usuários, em quaisquer áreas da deficiência. Ao serem desenvolvidos ou adaptados às necessidades da pessoa com deficiência estes recursos permitem ampliar as possibilidades de acesso e de acompanhamento de conteúdos sistematizados, se utilizados nas atividades relacionadas a educação formal. Assim, os recursos tecnológicos, computador e software entre outros terão uma importante função social como instrumentos que, associados a uma prática docente tecnicamente competente e comprometida com a educação poderão Página 142. contribuir com o ingresso e permanência das pessoas com deficiência, seja nos níveis de ensino básico, médio e superior. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise do uso da informática na educação deve ser contextualizada, pois a forma como ela se configura é inerente ao sistema capitalista, com seus movimentos contraditórios, entre eles, as condições materiais concretas da maioria das pessoas e os bens produzidos historicamente. Assim, para compreender a informática na educação brasileira/ na educação especial, é necessário aprofundar os estudos sobre os conteúdos abordados neste artigo: aspectos históricos da informática na educação com vistas a fatores sócio-econômicos, a inserção da informática na educação, os recursos tecnológicos aplicados na educação de pessoas com deficiência visual e deficiência física/motora e o desenvolvimento cognitivo da pessoa com deficiência na concepção Vigotskiana. Convém ressaltar também que, além destas questões mencionadas, a educação da pessoa com deficiência deve ser efetivamente assegurada no que diz respeito à acessibilidade, destacando a redução de barreiras arquitetônicas, a construção ou adequação de espaços físicos e a produção de materiais pedagógicos adequados, que possam contribuir com o seu desenvolvimento cognitivo. Além disso, com o intuito de assegurar a inclusão no ensino regular, é necessário fomentar discussões com professores e alunos nas escolas, buscando romper barreiras atitudinais e criar um ambiente pautado na consciência e no respeito pela heterogeneidade presente no homem, não somente na escola, mas em toda sociedade. Também é de fundamental importância ter clareza de que para concretizar o processo de inclusão no ensino regular, promover o Página 143. desenvolvimento educacional e, conseqüentemente a maior participação social da pessoa com deficiência, é imprescindível investir em pesquisas, em recursos materiais e em tecnologias, bem como na formação continuada de professores para, enfim, propiciar as melhores condições possíveis no atendimento aos alunos com deficiência. REFERÊNCIAS AZEVEDO, J. C. Educação e Neoliberalismo Neoliberalismo. In Revista Paixão de Aprender 9. Secretaria Municipal de Educação. Porto Alegre, RS. 1995. BRUNO, M. M. G. Deficiência visual: reflexão sobre a prática peda- pedagógica gógica gógica. São Paulo: Laramara, 1997. CUNHA, L. A. Educação e desenvolvimento social no Brasil Brasil. Capítulo 5 – Política Educacional: contenção e liberação. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985. FADIMAN, J.; FRAGER, R. Teorias eorias da personalidade personalidade. 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ONCE. 2003. ROSENTHAL, D., MEIRA, S. (orgs). Os 15 anos da política nacional de informática informática: o paradigma de sua implementação . Recife: Protem, 1995. SAVIANI, D. Análise Crítica da Or Organização anização Escolar Brasileira Atra- Através vés das Leis 5.540/68 e 5.692/71 71. in GARCIA, W. Organização Brasileira Contemporânea. São Paulo. Grau, 1978. VIGOTSKI, L. S. Fundamentos de defectologia defectologia. In: Obras completas. Tomo cinco. La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. ANEXO A - LIST LISTA A DE F FABRICANTES ABRICANTES DE EQ EQUIP UIP UIPAMENT AMENT AMENTOS OS E PR PROGRAMAS OGRAMAS P PARA ARA DEFICIENTES VISUAIS E SEUS PRINCIP PRINCIPAIS AIS PR PRODUT ODUT ODUTOS OS ABBYY, fabricante do FINE READER, um interessante OCR www.finereader.com ACCESS SOLUTIONS Triple riple T Talk alk - Sintetizador de Voz Notas: Evolução do Double Talk, sendo primeiro sintetizador a usar a porta USB. Ainda não possui a língua portuguesa. http://www.axsol.com/welcome.html Página 145. ACCESSIBLE GAMES Uma página muito interessante com jogos acessíveis para deficientes visuais www.gamesfortheblind.com sp Softwork - Fabricante de vários jogos acessíveis como um jogo de arcada, un pimball, monkey bussiness.... www.espsoftworks.com/ AI SQUARED Zoom T Text ext Lev Level el 1 - Ampliador de ecrã; Zoom T Text ext Lev Level el 2 - Ampliador e leitor de ecrã; VisAbility - Ampliador de documentos através de scanner; BigShot - Ampliador de ecrã, para pessoas não deficientes visuais. http://www.aisquared.com/ ALVA ABT ABT, , Delphi, Delphi Multimédia e Satellite - Linhas, ou terminais Braille OutSpoken - Leitor de ecrã, o único para MacIntosh. http://www.alva-bv.nl/alvacorp/alva_corp_home.html ARKENSTONE OpenBook - OCR com apoio vocal e ampliação de ecrã. Wynn - Programa de leitura para quem tem dificuldades de leitura, como dislexia. 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Cicero d d- OCR; Cipher - Tradutor Braille. http://www.dolphinuk.co.uk/ Página 148. DOSVOX – Sistema de síntese de voz em português e espanhol http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/download.htm DUXBURY SYSTEMS Duxb Duxbury ury - Tradutor Braille. http://www.duxburysystems.com/ ENNABLING TECNOLOGIES Romeo, Juliet, etc. - Impressoras Braille http://www.brailler.com/ EUROBRAILLE Dracula - Leitor de ecrã; Clio, Junio e clio eurobraille - Linhas, ou terminais, Braille. http://www.eurobraille.fr/ FH PAPEMMEYER REHA Braillex - Linhas, ou terminais, braille; Braille In - Teclado Braille; Visulex LP Win - Ampliador de ecrã com apoio vocal. http://www.papenmeier.de/reha/rehae.htm FRANK AUDIODATA Blindows - Leitor de ecrã; WebF ebF ebFormator ormator - Explorador da Web com Voz; LeseF LeseFix ix - Máquina de Leitura (Scanner+OCR+Voz) LapBraille - NoteTaker Braille; Generation 2000 - Linhas, ou terminais, Braille; Videolight e E-Mag - Ampliadores de documentos (CCTV); http://www.audiodata.de/e/index.html FREEDOM SCIENTIFIC Jaws - Leitor de ecrã; Magic - Ampliador de ecrã; Conect OutLoud - Explorador da Web com voz; Página 149. Braille Lite - Note Taker Braille Type ype Lite - Note Taker Braille Braille and Speak - Note Taker falado; Type ype and Speak - Note Taker falado; Blazer e Inferno - Impressoras Braille Power Braille - Linhas, ou terminais Braille OpenBook - OCR com apoio vocal e ampliação de ecrã. Wynn - Programa de leitura para quem tem dificuldades de leitura, como dislexia. 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VIRTOUCH Virtual touch Mouse - Rato, com três células braille (8x4 pontos), para visualização táctil de imagens. http://www.virtouch.co.il/ VISUAIDE Victor - Leitor electrónico de livros; Proverbe - Sintetizador de voz, adaptação do Digalo. http://www.visuaide.com/index.en.html ELECTRO SERTEC - Representante de vários fabricantes www.electrosertec.pt/ TIFLOTECNIA - venda de material Tiflotécnico www.tiflotecnia.com ATARAXIA - Representante em Portugal de diversos fabricantes, nomeadamente: AiSquared, Caretec, GwMicro, Index, PulseData, Visuaide e Zychem. www.ataraxia.pt CMDV - COMÉRCIO DE MATERIAIS PARA DEFICIENTES VISUAIS www.cmdv.com.br BENGALA BRANCA - Empresa brasileira que vende material tiflotécnico www.bengalabranca.com.br/ Página 154 - Em branco. Página 155. CAPÍTULO VI AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAE A LÓGICA D DA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA Alfredo Roberto de Carvalho1 Paulino José Orso2 1 Professor Pedagogo da SEED/PR, Professor Colaborador da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Membro do Programa Institucional de Ações Relativas as Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais -PEE, Membro do HISTEDOPR, Membro do Conselho Deliberativo da ACADEVI – Associação Cascavelense de Pessoas com Deficiência Visual. 2 Doutor em História e Filosofia da Educação pela Unicamp, docente do Curso de Pedagogia da Unioeste e Líder do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação no Brasil – GT da Região Oeste do Paraná – HISTEDOPR. Página 156. “(...)a ciência moderna deve dar ao cego o direito ao trabalho social não em suas formas humilhantes, filantrópicas, de inválidos (como se tem cultivado até o momento), senão as formas que respondem à verdadeira essência do trabalho, unicamente capaz de criar para a personalidade a posição social necessária” (VIGOTSKI, 1997, p. 87). Este postulado apresentado por Vigotski já na terceira década do século XX, ao discutir as possibilidades para a existência dos cegos e que compõe a sua teoria sócio-psicológica (ciência moderna), não é uma exclusividade destas pessoas, mas um princípio que deve ser aplicado a todos aqueles com deficiência3 física, sensorial e mental. Ele aponta na direção oposta em relação àquilo que vem sendo desenvolvido ao longo da história, principalmente na sociedade capitalista, isto é, na exclusão deste segmento do processo produtivo e do aproveitamento de alguns em tarefas parcamente remuneradas e extremamente degradantes, tanto do ponto de vista físico quanto sócio-psicológico. Apesar desta proposição estar sendo defendida dentro de uma realidade marcada por profundas transformações sociais, como no caso da União Soviética daquele momento, ela também necessita ser defendida no interior das relações capitalistas de produção, como mais uma forma de denunciar o caráter excludente que está presente nesta sociedade. Para tanto, é indispensável que as próprias pessoas com deficiência, bem como, aqueles que atuam junto a este segmento compreendam que 3 Para efeito deste trabalho, considera-se deficiência como sendo “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano” (BRASIL, 1999, art. 3º, inc. I). Página 157. todos, independente de suas dificuldades físicas, sensoriais e mentais podem e têm o direito de contribuir para o processo de produção dos meios de vida de que a humanidade necessita para a sua existência. Este artigo pretende levantar e refletir alguns aspectos, que no entender de seus autores, são indispensáveis para compreender as condições de existência das pessoas com deficiência na sociedade atual, principalmente em relação a situação destas diante do processo produtivo. Para tanto, é indispensável situar e analisar a questão dentro da lógica da relação capitalista de produção, buscando retirar o véu ideológico que vem ocultando as principais causas de um problema, que não só tem privado este segmento social do direito de atuarem no processo de produção de seus meios de vida e, com isto, tem impedido de compor o sujeito histórico de seu tempo. Ao longo da existência da humanidade, os homens, através das constantes lutas para produzir os meios de vida, vêm vivenciando diferentes formas de organização social. A forma de propriedade dos meios de produção e a relação de trabalho existente, caracterizam os períodos históricos. Com o estabelecimento das sociedades classistas, a história da humanidade passou a ser determinada a partir do desenvolvimento das contradições entre as antagônicas classes, presentes em cada modo de produção. Isto significa afirmar que (...) a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas das classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e oficial, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das suas classes em luta (MARX e ENGELS, 2001, p. 8). Mas este processo transformador, constituinte da história humana, não tem sido acessível a uma parcela da população. Ao se Página 158. analisar as condições de existência das pessoas com deficiência ao longo da história, principalmente daquelas pertencentes as classes sociais exploradas, pode-se afirmar que elas sempre estiveram à margem destes acontecimentos históricos. Isto vem ocorrendo mesmo a partir do momento em que elas passaram a ter o direito à vida - final do modo de produção escravista e início do feudal -, já que livram-se do extermínio, mas ficam fora do processo produtivo e, desta forma, impedidas de participarem ativamente dos grandes embates sociais. Buscando romper com esta trajetória excludente, nas últimas décadas vem se verificando uma intensificação das lutas das próprias pessoas com deficiência pela sua inclusão social. Para que esta luta poça contribuir com o processo de inclusão deste segmento, faz-se necessário que a mesma se atenha as bases fundantes da exclusão destas pessoas. Neste sentido, é necessário examinar as estruturas constituintes do processo produtivo, pois ela tem sido a base sobre a qual se assenta toda uma prática excludente que perpassa toda a história da humanidade, inclusive na atualidade. Segundo PASTORE4 (2000, p. 7), o Brasil é possuidor de um dos maiores contingentes de pessoas com deficiência (16 milhões), sendo que destes, 60% encontram-se em idade de trabalhar e 98% dos mesmos encontram-se desempregados. Este dado revela que aqueles que pertencem a esse segmento social não estão conseguindo nem se colocarem enquanto mão-deobra a ser explorada pelos capitalistas. Como decorrência de tal fato, os mesmos não vêm encontrando condições de serem provedores de 4 A compreensão deste autor a respeito da exclusão das pessoas com deficiência do mercado de trabalho vai numa direção oposta a aquela defendida neste artigo. No entanto, alguns dados apresentados no seu livro intitulado Oportunidades de Trabalho Para Portadores de Deficiência, podem auxiliar no desvelamento das verdadeiras causas que vem na atualidade excluindo este segmento social. Página 159. sua própria existência e, desta forma, impedidos de viverem dentro da dignidade pregada pela burguesia, já que, conforme a ideologia vigente, “é o trabalho que dignifica o homem”. Como resultado da exclusão do processo produtivo, estas pessoas são consideradas improdutivas, inúteis, incapazes, um fardo pesado ou uma cruz a ser carregada pela família e pela sociedade. Esta concepção desconsidera a possibilidade das mesmas em se constituírem enquanto sujeitos e, desta forma, transformam-nas em objetos da caridade e da filantropia. Nesta forma de tratamento, as pessoas com deficiência quase sempre são concebidas como doentes ou como seres eternamente infantis. Esta forma de compreender e tratar as pessoas com deficiência não é específica de uma classe da sociedade e nem do seu setor menos esclarecido. Mesmo aqueles que dispõem de uma cultura erudita ou que conseguem formular uma consciência crítica a respeito da realidade, reproduzem em sua práxis quase as mesmas atitudes preconceituosas e discriminatórias em relação àqueles que pertencem a esse segmento social. Via de regra, não percebem que as pessoas com dificuldades físicas, sensoriais e mentais também compõem a totalidade social. Porém, as formas como vivenciam as contradições não são iguais para todos. Além disso, quase sempre, reduzemse as causas das dificuldades enfrentadas pelas mesmas às suas características pessoais, desresponsabilizando as barreiras sociais e, com isto, naturalizam a segregação de que são vítimas. Embora as práticas excludentes não sejam exclusivas da sociedade burguesa, já que nas sociedades anteriores, quase sempre, prevaleceram os procedimentos do extermínio, do abandono e do isolamento, é na atualidade que elas merece ser profundamente questionadas, pois o nível de desenvolvimento das forças produtivas permite que todas as pessoas, independente de suas condições físicas, sensriais e Página 160. mentais, possam estar inseridas socialmente, produzindo e usufruindo das conquistas da humanidade. A sociedade burguesa, que começou a ser edificada com o fim do feudalismo e o surgimento do modo de produção capitalista, foi fazendo com que aos poucos os tradicionais costumes medievais fossem perdendo força e, em seu lugar, nascesse a cultura moderna. Conforme nos diz Anibal Ponce (1992) “os burgueses compraram as suas terras; a pólvora derrubou os seus castelos. Os navios apontavam agora as rotas de um continente remoto, mais inacessível do que as princesas de Trípoli, que só poderia ser conquistado mediante a indústria e o comércio” (p. 112). Com a implantação do capitalismo o modo de produzir transformou- se profundamente. Rompeu-se com o modo de produção feudal, com as corporações de ofícios e estabeleceu-se uma nova forma de propriedade onde o trabalho assalariado transformou-se na chave do processo produtivo. Inicialmente ocorreu o advento das manufaturas, em que o trabalhador passou a executar apenas atividades simples e rotineiras. Mais tarde, devido à crescente intervenção da ciência como força produtiva, passou-se ao sistema da fábrica e da indústria e o homem passou a ser um simples acessório da máquina. Esse processo de transformação das relações de produção, que deslocou massas inteiras da população não somente das oficinas artesanais para as fábricas, mas, também dos campos para a cidade, produziu novas necessidades e fez surgir novas classes sociais: a burguesia e o proletariado. A classe burguesa compõe-se dos grandes proprietários não trabalhadores que possuem os meios de produção na indústria e na agricultura. São eles que organizam o trabalho nas empresas que lhes pertencem e, sob a forma de lucro, apropriam o produto suplementar criado pelo trabalho não pago dos operários assalariados (HERMAKOVA e RÁTNIKOV, 1986, p. 49). Página 161. De outro lado, encontram-se os trabalhadores, que na sociedade primitiva já haviam sido comunitários, escravos na antigüidade e servos de gleba na Idade Média, que, com o capitalismo, passaram a condição de proletários, ou seja, de “operários assalariados privados dos meios de produção e dos meios de subsistência. Para viver, os operários são obrigados a trabalhar como assalariados para os capitalistas, vendendo-lhes a sua capacidade de trabalhar, ou a sua força de trabalho” (HERMAKOVA e RÁTNIKOV, 1986, p. 49). A ação do capitalista no processo produtivo, tem por finalidade a extração da mais-valia, de onde obtém o lucro. Para tanto, seus empreendimentos estão assentados na compra e venda de mercadorias, as quais possui um valor de troca que, como diz Marx, é determinado “(...) pela quantidade da ‘substância criadora de valor’ que aí se acha contida - o trabalho. A própria quantidade de trabalho é medida pela sua duração, e o tempo de trabalho é medido por seu turno, segundo certos intervalos de duração fixa, tais como hora, jornada, etc” (1982, p. 26). A força de trabalho do operário é também ela uma mercadoria que precisa ser diariamente vendida pelo seu possuidor. Como mercadoria, o valor desta força de trabalho mede-se da mesma forma como se mede o valor de qualquer mercadoria “pelo tempo de trabalho necessário à sua produção e, consequentemente, também para sua reprodução” (MARX, 1982, p. 31). Apesar da determinação do valor da força de trabalho ser o mesmo das demais mercadorias, ela possui um elemento fundamental que a distingue radicalmente de todas as demais: trata-se da sua capacidade de, ao longo do processo produtivo, gerar um valor maior do que ela mesma vale. Esta quantidade de riqueza adicional que excede ao valor da força de trabalho é a mais-valia. Segundo Marx, (...) a mais-valia é produzida pelo emprego da força de trabalho. O capital compra a força de trabalho e paga em troca o salário. Trabalhando, Página 162. o operário produz um novo valor, que não lhe pertence, e sim ao capitalista. É preciso que ele trabalhe um certo tempo para restituir unicamente o valor do salário. Mas isso feito, ele não pára, mas trabalha ainda mais algumas horas por dia. O novo valor que ele produz agora, e que ultrapassa então ao montante do salário, se chama mais-valia (1982, p. 53). O capitalismo, que está assentado na propriedade privada dos meios de produção, na relação assalariada de trabalho, na produção de mercadorias e na obtenção do lucro por meio da extração da mais-valia, desde seus primórdios procurou colocar homens, mulheres e crianças a serviço do processo de acumulação. Para isso, os burgueses, além de arrancar o trabalhador da terra e provocar a ruína dos artesãos, mercantilizaram praticamente tudo aquilo que os homens necessitam para sobreviver. Este fato, que foi crescendo ao longo do desenvolvimento do modo de produção capitalista, acabou obrigando as pessoas a se submeterem a lógica do mercado burguês para sobreviver, onde uma mercadoria deve ser trocada por outra, mediada simbolicamente pelo dinheiro. Para sobreviver nesta relação, a imensa maioria da população necessita estar inserida no processo produtivo na condição de empregado, produzindo, direta ou indiretamente, os recursos que possam garantir sua existência. Apesar desta necessidade estar colocada a todos aqueles que pertencem a classe trabalhadora, uma parcela da mesma não consegue se inserir nas relações assalariadas de trabalho. Isto ocorre porque, “com a acumulação do capital produzida por ela mesma, a população operária produz pois, em proporções incessantemente crescentes, os meios de se tornar excedente” (MARX, 1982, p. 160). Este excedente populacional, que torna-se maior ou menor, dependendo das necessidades do capital e que é produzido a partir da riqueza gerada pela própria classe operária, “forma para a indústria um exército de reserva sempre disponível, e do qual o capital tem inteira propriedade, como se ele o tivesse criado com seus próprios gastos” (MARX, 1982, p. 161). Página 163. Na retaguarda deste exército de reserva de força de trabalho estão aqueles que possuem uma capacidade produtiva menos rentável para os detentores do capital. Dentre estes, encontram-se as pessoas com deficiência, para as quais o modo de produção capitalista vem negando até a possibilidade de serem exploradas numa relação de trabalho formal. Ao contrário do que muitos imaginam, existe uma quantidade expressiva de pessoas com deficiência na sociedade. A ONU estima que 10% da população mundial apresenta algum tipo de limitação, incluindo-se as restrições leves, moderadas e severas.(...) Os portadores de deficiência se concentram nos países mais pobres. Mais de 400 milhões de portadores de deficiência vivem em zonas que não dispõem dos serviços necessários para ajudá-los a superar as suas limitações (ELWAN apud PASTORE, 2000, p. 72). Aplicando-se as estimativas da Organização Mundial da Saúde, pode-se afirmar que no Brasil existem mais de 16 milhões de pessoas com deficiência. Destas, “estima-se em 9 milhões as que estão em idade de trabalhar. Mas as que trabalham, formal e informalmente, mal chegam a um milhão - pouco mais de 10% “ (PASTORE, 2000, p. 73). O lado mais perverso desta realidade reside no fato de que a maioria das pessoas com deficiência que estão trabalhando, encontram- se atuando de maneira informal, em entidades que aproveitam-se desta condição para segregá-las do convívio social e aproveitá-las enquanto mão-de-obra semi- escrava. Além disto, muitas acabam caindo na mendicância ou desenvolvendo atividades muito próximas desta. No Brasil, dentro do que se chama trabalho, a vasta maioria é constituída de pedintes de rua (principalmente cegos e portadores de limitações físicas), camelôs que trabalham irregularmente, vendedores de bilhete de loteria, distribuidores de adesivos nos semáforos e os que pedem dinheiro em nome de entidades que cuidam de portadores de deficiência (RIBAS apud PASTORE, 2000, p. 73). Página 164. Levando-se em consideração apenas as pessoas com deficiência que trabalham de maneira formal, este número cai de forma drástica, pois, (...) se formos considerar como trabalho a atividade que é exercida de forma legal, com registro em carteira de trabalho ou de forma autônoma, mas com as devidas proteções da seguridade social, é bem provável que essa proporção fique em torno de 2% do total de portadores de deficiência em idade de trabalhar do Brasil -180 mil pessoas (PASTORE, 2000, p. 74). Estes números reduzem-se ainda mais se analisarmos o emprego industrial no Brasil. Segundo estudo, realizado em 1999 pelo SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - junto a uma amostra de 516 empresas, foi possível verificar que (...) de um total de 337.580 empregados registrados naquelas empresas, 2.414(0,7%) foram considerados como portadores de deficiência. Por esse dado, o emprego formal atinge menos de 1% do emprego do setor industrial. Ademais, os poucos que entram no segmento formal têm dificuldade de nele permanecer por muito tempo. Acabam saindo prematuramente e demoram para voltar (PASTORE, 2000, p. 74-75). Esta exclusão é um pouco menor nos países desenvolvidos, onde a combinação de diversos programas sociais tem feito com que uma quantidade expressiva de pessoas com deficiência consigam ingressar no mercado de trabalho. “Quando se consideram os portadores de deficiência de todos os níveis de gravidade - leves, moderados e severos - na Europa e Japão, a proporção dos que estão em idade de trabalhar e que trabalham varia entre 30% e 45%” (PASTORE, 2000, p. 75). Na busca do entendimento desta situação vivenciada pelas pessoas com deficiência, as explicações quase sempre recaem nos seguintes fatores: na carência de escolaridade e qualificação profissio- Página 165. nal dos mesmos; na dificuldade em se ter acesso a tecnologias que possam potencializar a vida e, por conseqüência, a produtividade de sua força de trabalho; na existência de barreiras arquitetônicas e atitudinais e; na necessidade de se formular uma eficaz legislação que leve os empregadores a se interessarem pela exploração da capacidade produtiva daqueles que pertencem a esse segmento social. Numa análise rápida e desprovida de um método que permita compreender a realidade social na sua essência, poder-se-ia atribuir maior ou menor peso a qualquer um destes fatores ou admitir que a soma de todos eles constitui a razão fundamental que exclui as pessoas com deficiência do processo produtivo. Não se pode negar que os empregadores, devido à existência de um exército de mão-deobra de reserva cada dia maior, vem ampliando as exigências de escolaridade e de qualificação profissional para os seus funcionários. Apesar desta exigência, na maior parte dos países, principalmente nos subdesenvolvidos e nos em desenvolvimento, a grande maioria dos cegos, dos surdos e daqueles com graves dificuldades físicas ou mentais, não recebem nenhum tipo de educação formal. “Segundo a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, contando-se todas as séries das escolas públicas e particulares, há, no Brasil, pouco mais de 300 mil alunos portadores de deficiência matriculados” (MEC apud PASTORE, 2000, p. 207). Ao se analisar este fato, poder-se-ia afirmar que ele decorre, dentre outras razões, do despreparo do professor para ensinar o aluno com necessidades educacionais mais diferenciadas; das barreiras físicas existentes nas instalações escolares; da falta de recursos didático- pedagógicos adequados a esses educandos e das atitudes preconceituosas que permeiam todos os segmentos da sociedade. Porém, para que se possa ir à raiz do problema educacional das pessoas com deficiência, faz-se necessário compreender o porquê do Página 166. surgimento e expansão da educação formal na sociedade capitalista. Para MANACORDA (1997, p. 198), ela tem uma finalidade técnica e política, isto é: instruir para o trabalho e preparar para as relações sociais burguesas. Já XAVIER, (1990, p. 60-61), afirma que a mesma tem cumprido uma função ideológica, pois o liberalismo atribui a uma educação escolar pública, gratuita e de qualidade, o instrumento capaz de garantir as mesmas oportunidades a todos os indivíduos e, desta forma, isentando as desigualdades sociais. Apesar do esforço de muitos educadores comprometidos com uma educação crítica, a escola se encontra inserida numa sociedade capitalista que, em ultima instância, determina os seus objetivos, que tem sido o de preparar os homens para viverem nesta sociedade, isto é: serem produtivos, lidarem com as normas sociais e assimilarem a ideologia liberal. Do ponto de vista do capital, estas ações educacionais são desnecessárias em relação as pessoas com deficiência, pois as mesmas encontram-se na retaguarda do exército de mão-de-obra de reserva, com mínimas possibilidades de serem aproveitadas no processo produtivo; vivem uma existência segregada, em instituições ou mesmo no âmbito familiar e acabam sendo tuteladas e, ainda, a condição de inferioridade pode ser justificada pela própria limitação física, sensorial e mental. São por estas razões que cegos, surdos e aqueles com graves dificuldades físicas ou mentais, na sua grande maioria, acabam não dispondo da formação necessária para se colocarem em pé de igualdade, do ponto de vista da formação escolar, com as demais pessoas no momento de disputar uma vaga no mercado de trabalho. No que se refere ao desenvolvimento tecnológico, não se pode negar que os homens, por meio dos seus embates para sobreviver, vêm produzindo um conjunto de conhecimentos que poderiam estar a serviço da potencialização da existência de toda a humanidade. No Página 167. capitalismo, com o advento do maquinismo e, mais recentemente, com o desenvolvimento da informática, muitas tarefas que até outrora eram impossíveis ou muito difíceis de serem desenvolvidas tornaram-se “perfeitamente” realizáveis por qualquer pessoa, incluindo aquelas que possuem algum tipo de deficiência mais grave. As novas tecnologias estão viabilizando certas atividades até então impensáveis (...). Esse é o caso da informática e das telecomunicações. Essas tecnologias estão permitindo aos portadores de deficiência um domínio de atividades até pouco tempo inexeqüíveis (PASTORE, 2000, p. 86). Apesar deste grande desenvolvimento tecnológico, na prática, ele não pode equiparar a capacidade produtiva das pessoas e muito menos, colocar todos aqueles que possuem alguma deficiência em pé de igualdade com os demais trabalhadores no momento de buscar uma vaga no mercado de trabalho. Esta impossibilidade decorre basicamente de três fatores os quais são condicionados pela lógica do empreendimento capitalista. O primeiro refere-se a apropriação privada das tecnologias por parte da classe dominante, que acaba impedindo que a maioria da população, dentre ela, as pessoas com deficiência pertencentes à classe explorada, possa ter acesso àquelas de uso pessoal, (computadores adaptados, aparelhos auditivos, bengalas, cadeiras de rodas motorizadas, bons serviços de reabilitação e habilitação etc.). O segundo diz respeito ao fato de que, por mais desenvolvidas que possam ser as tecnologias, não têm conseguido substituir os órgãos dos sentidos, a ausência ou anormalidade de membros do corpo humano e nem graves deficiências mentais ao ponto de tornarem a capacidade produtiva deste segmento social tão rentável para o capitalista quanto a dos demais trabalhadores. Para exemplificar o fato de que as tecnologias não podem garantir às pessoas com deficiência Página 168. a mesma produtividade no trabalho, basta imaginar um surdo na atividade de atendimento ao público, um cego mexendo com a burocracia de uma empresa e alguém com sérias deficiências físicas submetida ao ritmo frenético de uma fábrica. Alguns pesquisadores ao procurarem demonstrar o potencial produtivo das pessoas com deficiência, apresentam como exemplos, dentre outros, cegos eletricistas de rua e tetraplégicos arquitetos. Como as estatísticas indicam, estes são apenas exceções, mas os mesmos são propagandeados enquanto verdadeiros modelos a serem seguidos por todos. Esta propaganda serve muito mais como instrumento ideológico para justificar a ordem vigente, pois contribui para reforçar a falsa idéia de que no capitalismo todos têm oportunidades de vencer na vida e até mesmo aqueles que “naturalmente” estão em desvantagem, quando imbuídos de boa vontade, podem superar suas dificuldades e conquistar seu espaço na sociedade. O terceiro refere-se ao fato de que a tecnologia da produção capitalista é desenvolvida a partir das necessidades impostas pelo tipo de mercadoria a ser produzida e está “adequada” a exploração de um padrão médio de ser humano. Neste processo, o trabalhador não pode adequar os equipamentos de trabalho segundo as suas necessidades específicas mas, sim, deve estar ajustado aos mesmos, como já denunciava MARX (1982), ao falar sobre o advento do maquinismo: “O operário não domina as condições de trabalho, é dominado por elas” (p. 113). Diante deste processo o homem torna-se uma extensão do instrumento de trabalho, tendo que atender às exigências do mesmo e, desta forma, tornando-se uma espécie de homem-máquina. Neste sentido, os órgãos do corpo humano ganham novas definições: os olhos são faróis, o coração é visto como uma bomba, os rins são filtros, os braços e mãos são guindastes ou pinças, os nervos Página 169. são percebidos como fios condutores e, mais recentemente, o cérebro passou a ser considerado como um computador perfeito. Numa sociedade onde a força de trabalho está colocada como uma mercadoria, que deve funcionar como a extensão da máquina e possuir a precisão de um relógio, a pessoa com deficiência que tenha alguma limitação acentuada, passa a ser considerada um mecanismo defeituoso e, sendo assim, com maiores dificuldades de satisfazer as necessidades de seu comprador, ou seja, a de gerar maior quantidade de lucro para o capitalista. “Se o corpo é uma máquina, a excepcionalidade ou qualquer diferença nada mais é do que a disfunção de alguma peça dessa máquina. Ou seja, se na Idade Média a diferença estava associada a pecado, agora passa a ser relacionada à disfuncionalidade” (BIANCHETTI, 1998, p. 35). Tal disfuncionalidade pode estar apenas na perda de um dedo, provocado por uma mutilação sofrida pelo trabalhador. Esta constatação já era denunciada num fragmento de um relatório do século XIX, que tratava dos acidentes nas fábricas inglesas. No mesmo, datado de 31 de outubro de 1855, o inspetor Leonard Horner faz o seguinte comentário: Certos empregadores falaram com uma frivolidade indesculpável de certos acidentes, como a perda de um dedo que eles consideram como uma bagatela. A vida e o futuro de um operário dependem de tal forma de seus dedos que tal perda constitui para ele um acontecimento trágico. Quando escuto essas palavras absurdas, pergunto: Suponhamos que vocês tivessem necessidade de um novo operário e que para isso se apresentassem dois, ambos igualmente capacitados, mas um não tendo mais o polegar ou o indicador: qual escolheriam? Sem nenhuma hesitação, escolheriam o que tivesse todos os dedos (HORNER apud MARX, 1982, p. 116). As barreiras arquitetônicas e atitudinais, que consistem na falta de adequações às necessidades específicas das pessoas com deficiência Página 170. como as de edificações e de meios de transportes, bem como a rejeição àquele que destoa do padrão físico, cognitivo e sensorial pré-estabelecido, também se tornam mais um elemento que contribui para a exclusão do mercado de trabalho deste segmento social. Por isso, os empregadores precisam ser educados e estimulados a fazer uma ‘acomodação razoável’ para exercer as suas atividades no máximo de sua potencialidade. Por exemplo: se o prédio onde está o local de trabalho tem cinco degraus, esses degraus constituem uma barreira para quem tem competência profissional, mas usa cadeira de rodas. Uma acomodação razoável consistiria na eliminação desses degraus ou na construção de uma rampa - ajudados por linhas de financiamento, quando necessárias (PASTORE, 2000, p. 64). Porém, estas barreiras, não podem ser entendidas apenas como o resultado de atitudes preconceituosas e discriminatórias, que brotam na cabeça dos homens sem a existência de razões objetivas. Pelo contrário, necessitam ser compreendidas como decorrentes da lógica da organização do processo de produção capitalista, o qual, como foi mencionado, está voltado fundamentalmente para permitir ao dono do capital a obtenção da maior quantidade de lucro possível. Para atingir tal objetivo, o burguês organiza o processo produtivo em conformidade com as conveniências do lucro onde, dentre outras medidas a substituição de escadas por rampas, as modificações nas instalações sanitárias, a predisposição dos instrumentos de produção e a aquisição de tecnologias adaptadas faz com que o capitalista tenha de investir uma quantidade maior de capital para obter, na melhor das hipóteses, a mesma quantidade de mercadorias. Mesmo quando a produtividade da pessoa com deficiência for semelhante a dos demais trabalhadores, havendo a necessidade de modificações no processo produtivo, estas encareceriam as mercadorias e fariam com que diminuísse o lucro do capitalista. página 171. Apesar do capitalismo não se interessar pela exploração da força de trabalho das pessoas com deficiência, pois há outros que respondem melhor ao seu empreendimento, elas estão presentes na sociedade e necessitam, dentre outras coisas, de alimentos, de moradias e de vestimentas e, para adquirir estes bens, precisam vender a sua capacidade de produzir. Com a finalidade de tentar abrir uma brecha no excludente processo de produção capitalista, este segmento social, em especial aqueles que pertencem à classe trabalhadora, há algum tempo vem cobrando do Estado algumas medidas que possam contribuir para a sua inserção no mercado de trabalho. Porém, para o setor mais esclarecido deste segmento social, esta luta não deve estar alicerçada na tradicional política da sensibilização dos empregadores, pois a burguesia não se tornou a classe dominante por meio da prática da filantropia, empregando as pessoas apenas com a finalidade de oportunizar a estas as condições de produzirem os seus meios de vida, mas pelo contrário, o fez objetivando explorá-las sem piedade, arrancando da sua capacidade produtiva a maior quantidade de lucro possível, obrigando-as a trabalharem até o limite de suas forças. Por não possuírem uma estrutura física, sensorial e ou mental, rentável para o capital, as pessoas com deficiência vêm buscando o estabelecimento de algumas medidas legais que possam auxiliar na sua inserção no mercado de trabalho. Neste sentido, como uma das principais conquistas deste segmento social, encontra-se a política de cotas - reserva de um percentual de postos de trabalho para as pessoas com deficiência. Na historiografia existem relatos apontando que, já no século XIX, tal procedimento era adotado. “Em 1815, no Parlamento inglês, assinalou-se o caso de uma paróquia de Londres que estabeleceu um contrato com um fabricante do Lancashire Página 172. pelo qual este se comprometia a receber, por cada 20 crianças sãs física e mentalmente, uma idiota” (MARX, 1982, p. 189). Com o advento da Primeira Guerra Mundial, aumentou consideravelmente o número de pessoas com deficiência e, por conseqüência, a luta por emprego para este segmento social. Como resultado destas reivindicações, (...) em 1923 a OIT recomendou a aprovação de leis nacionais que obrigavam entidades públicas e privadas a empregar um certo montante de portadores de deficiência causada por guerra. Em 1944, na Reunião de Filadélfia, a OIT aprovou uma recomendação, visando induzir os países-membros a empregar uma quantidade razoável de portadores de deficiência não-combatentes (PASTORE, 2000, p. 157). Esta recomendação da Organização Internacional do Trabalho foi transformada em lei em muitos países, dentre eles, o Brasil. Na legislação brasileira, duas leis merecem ser destacadas. A primeira (Lei 8112) criou uma reserva de empregos para pessoas com deficiência nos órgãos civis da União, autarquias e fundações públicas federais, ao estabelecer que “(...) às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para o provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas eram reservadas até 20% das vagas oferecidas no concurso” (BRASIL, 1990, art. 52, inc. II). A Segunda (Lei 8213), por sua vez, estabeleceu cotas compulsórias a serem respeitadas pelas empresas privadas na admissão e demissão de pessoas com deficiência. Em conformidade com esta lei (...) a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - de 100 até 200 empregados Página 173. 2%; II - de 201 a 500 3%; III - de 501 a 1.000 4%; IV - de 1.001 em diante 5% (BRASIL, 1991, art. 93, inc. I - IV). Mesmo que todas as empresa cumprissem esta última lei, a quantidade de pessoas com deficiência que adentrariam no mercado de trabalho estaria muito aquém daqueles que necessitam trabalhar. Nesta perspectiva, analisando-se os dados de 1998, teríamos o seguinte panorama: (...) para cumprir a cota de 2%, as empresas de 100 a 200 empregados teriam de contratar 35.007 portadores de deficiência; no caso da cota de 3%, as que possuem de 201 a 500 empregados teriam de empregar 74.096 pessoas; para a cota de 4%, as empresas de 501 a 1.000 empregados teriam de recrutar 74.967 portadores; e, para o caso dos 5%, as empresas com mais de 1.000 empregados teriam de admitir 306.891 pessoas. Isso dá quase 500 mil pessoas (PASTORE, 2000, p. 206). Ao comparar estas duas leis, pode-se perceber que a primeira, do ponto de vista legal, oferece mais postos de trabalho para as pessoas com deficiência, do que a última. A explicação para o fato da reserva do serviço público (de 5% a 20%), ser maior que a da iniciativa privada (1% a 5%), é mais um outro elemento que auxilia na demonstração de que o burguês rejeita a força de trabalho deste segmento da sociedade. Afinado com os interesses do capital, o legislador preferiu estabelecer uma quantidade maior de postos de trabalho naquele setor que não está submetido à lógica da produção capitalista. Atendo-se ao fato de que no Brasil a quantidade de pessoas com deficiência que estão em idade de trabalhar é de nove milhões, que a lei lhes reserva em torno de 500 mil postos de trabalho no setor privado e que o número daqueles que conseguem se empregar é inferior a 200 mil, pode-se afirmar que estes dados também ajudam a explicitar a rejeição da burguesia em explorar tal força de trabalho. Esta explicitação ocorre de três formas: na necessidade de se estabelecer leis para tentar Página 174. obrigar o empregador a explorar a capacidade produtiva da pessoa com deficiência; na quantidade de vagas reservadas na iniciativa privada, as quais, se fossem cumpridas, atenderiam apenas a uma pequena minoria, isto é, pouco mais de 5% das que estão em idade de trabalhar; e a resistência dos empresários em cumprir tal dispositivo legal. Nos países desenvolvidos, apesar da quantidade de pessoas com deficiência que estão inseridas no mercado de trabalho ser bem maior, a legislação e a prática adotada em relação a esse segmento social, também revela o desinteresse dos empregadores pela sua capacidade de trabalhar. Na maioria dos mesmos, existem cotas, combinadas com incentivos aos empregadores, que exploram esta capacidade produtiva e opções para aqueles que não pretendem adotar tal procedimento. Já alguns têm preferido flexibilizar a legislação trabalhista, admitindo remuneração inferior dentro de uma mesma função para aqueles que não alcançam a mesma produtividade. Dentre as medidas adotadas pelos países que combinam políticas de cotas com incentivos econômicos aos empregadores, objetivando o ingresso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho e que ajudam a confirmar a hipótese defendida neste artigo, podem ser destacadas a complementação de salário do trabalhador, feita diretamente ao mesmo por meio de recursos estatais. Esta medida é adotada porque “muitas vezes, a pessoa trabalha apenas uma parte do dia e a complementação cobre a outra parte. Outras vezes, ela tem um salário menor na empresa e a complementação iguala-a aos não-portadores de deficiência” (PASTORE, 2000, p. 147). Podese, ainda, destacar a redução de contribuições sociais, dentre outras, a previdenciária, tanto de empregado quanto de empregador e o repasse de recursos para as empresas custearem os gastos com o processo de adaptação de sua estrutura produtiva. Além destas medi- Página 175. das, em alguns países desenvolvidos é facultado ao empregador o direito de pagar contribuições a determinados fundos e, desta forma, ficando isentos de cumprir as cotas estabelecidas por lei. No continente europeu predominam as políticas de cotas com incentivos e alternativas aos empregadores. “Hoje, dois terços dos países da Europa possuem cotas legais e compulsórias - a maioria baseada em sistemas de cota-contribuição” (THORNTON apud PASTORE, 2000, p. 158). Como exemplos práticos das mesmas, podem ser destacadas aquelas que vêm sendo adotadas na Áustria, na Alemanha e na França, as quais, apesar de terem ampliado a quantidade de pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho, também revelam o desinteresse dos empregadores em empregar este segmento social. Na Áustria, onde existe um sistema de cota-contribuição, a lei federal exige que todas as empresas que tenham mais de 25 empregados reservem 4% das vagas de trabalho para as pessoas com deficiência ou paguem uma contribuição a um fundo especial. Cerca de 60% do total de cotas são preenchidos, mas a maioria trabalha em órgãos públicos. No setor privado, o preenchimento das cotas é maior nas grandes empresas. Quando se considera o universo do setor privado, como um todo, apenas 20% das empresas preenchem suas cotas. Ou seja, 80% pagam a contribuição (PASTORE, 2000, p. 160). Por sua vez, a lei alemã estabelece uma reserva de postos de trabalho de 6% para todo empregador, público ou privado, que possua mais de 16 empregados. No caso dos primeiros, o percentual é único. Já para os últimos, a cota varia de acordo com o ramo de atividade e região do País. As grandes empresas (mais de 1.000 empregados) normalmente chegam perto da cota de 6%. O setor público ultrapassa essa marca. Nas pequenas empresas do setor privado (16-30 empregados), Página 176. porém, a cota média fica em torno de apenas 2,7%. As empresas dos setores agrícola, construção, transporte, comunicação, comércio varejista e bancos também ficam abaixo dos 6%. As firmas que não alcançam a cota pagam uma contribuição para um fundo de apoio aos portadores de deficiência. Cerca de 75% das empresas optam pela contribuição total ou parcial (PASTORE, 2000, p. 162-163). Na França, a lei exige que órgãos públicos e empresas privadas (com mais de 20 empregados) preencham 6% de seus postos de trabalho através da contratação de pessoas com deficiência. Neste país, também a grande maioria das pessoas com deficiência estão impedidas de terem acesso ao mercado de trabalho, pois, “cerca de 63% das empresas pagam a contribuição; 12% contratam toda a cota; 20% contratam uma parte e pagam contribuição para completar a cota; as demais fazem outras combinações” (PASTORE, 2000, p. 166). Alguns outros países desenvolvidos, certamente com a finalidade de não criarem transtornos aos capitalistas, nunca estableceram leis que definissem reservas de postos de trabalho para as pessoas com deficiência. Também existem aqueles que, após várias décadas de adoção das mesmas, vêm abandonando-as e utilizando outros procedimentos mais ajustados à lógica do capital. Dentre os países que nunca adotaram dispositivos legais reservando postos de trabalho para as pessoas com deficiência, encontra-se os Estados Unidos da América, no qual só existe uma lei genérica “antidiscriminação”, aprovada em 1990. No mesmo, a política específica, voltada para a inserção deste segmento social no processo produtivo, está assentada simplesmente na flexibilização dos direitos trabalhistas e num serviço de reabilitação e habilitação. Neste país, “a legislação trabalhista é suficientemente flexível para permitir às empresas pagar um portador de deficiência, por exemplo, 75% do salário quando a sua produtividade é de 75% em relação à de um não-portador” (GOPUS Página 177. apud PASTORE, 2000, p. 135). Mesmo com tal flexibilidade, o aproveitamento desta força de trabalho é muito pequeno, pois “nos Estados Unidos, cerca de 400 mil novos portadores de deficiência entram nos serviços de reabilitação todos os anos. Apenas 4 mil conseguem retornar ao trabalho” (MASHAWE RENO apud PASTORE, 2000, p. 144). Nas últimas décadas, enquanto reflexo das chamadas políticas neoliberais, alguns governos vêm tornando mais fácil a tarefa dos capitalistas - a de explorar com mais lucratividade a capacidade produtiva do trabalhador. Neste sentido, alguns países que foram pioneiros no estabelecimento de leis reservando postos de trabalho para as pessoas com deficiência, vêm abandonando tais procedimentos. Este é o caso da Inglaterra, onde “o sistema de cotas foi abandonado em 1995. Atualmente, os programas de apoio aos portadores de deficiência se baseiam na lei antidiscriminação (Disability Discrimination Act), aprovada naquele ano” (PASTORE, 2000, p. 176). Diante do que já foi exposto a respeito das dificuldades que as pessoas com deficiência têm encontrado para se inserir no mercado de trabalho, bem como, das medidas que vêm sendo adotadas para favorecer o aproveitamento de sua capacidade de produzir, parece ser desnecessário elencar novos argumentos para comprovar que a capacidade produtiva deste segmento social não interessa à lógica da produção capitalista. Apesar do número de pessoas com deficiência inseridos no mercado de trabalho ser um pouco maior nos países desenvolvidos, em comparação com aqueles das nações em desenvolvimento, não resta dúvida de que nos primeiros a burguesia também despreza esta força de trabalho. Em tais países, a maior parte das empresas privadas, mesmo com os incentivos financeiros estatais e da flexibilização das leis quando a legislação permite, preferem pagar determinadas contribuições a fundos especiais do que explorar a capacidade produtiva daqueles com deficiência física, sensorial e mental. Página 178. Apesar do desinteresse do capitalismo pela capacidade produtiva das pessoas com deficiência, algumas destas, devido ao desenvolvimento tecnológico, mais do que nunca, vêm percebendo que podem contribuir no processo de produção e lutam para romper com uma prática que os excluem socialmente desde os tempos mais remotos da história da humanidade. Porém, a luta para se romper com as atuais condições de existência das pessoas com deficiência, não passa somente pela conscientização de que são seres humanos com capacidade de produzir e muito menos com a inserção de alguns no mercado de trabalho. Para atuar nesta direção se faz necessário construir uma nova sociedade, onde o trabalho não esteja colocado como instrumento a serviço da exploração do homem pelo homem e sim, como processo coletivo de produção dos meios necessários a vida humana. Somente com a edificação de uma sociedade com esta característica é que o trabalho das pessoas com deficiência pode ser valorizado, pois nela se poderá adotar à máxima socialista que afirma: “A cada um conforme suas necessidades. De cada um conforme suas possibilidades”. A construção desta nova sociedade passa necessariamente pela superação de todas as formas de conformismo e uma luta incessante contra todas as práticas exludentes que estão presentes na atualidade. Dentre estas, não se pode esquecer da exclusão das pessoas com deficiência do atual processo produtivo, que, devido a lógica constituinte das relações burguesas de trabalho, são consideradas como seres inválidos, incapazes e inúteis, ficando desprovidos da possibilidade de compor o sujeito histórico de seu tempo. Página 179. REFERÊNCIAS BIANCHETTI, L. Aspectos históricos da apreensão e da educação dos considerados deficientes deficientes. In: BIANCHETTI, L. e FREIRE, I. M. Um olhar sobre a diferença diferença: interação, trabalho e cidadania. Campinas/SP: Papirus, 1998. BRASIL. Lei 8.112 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Brasília, Diário Oficial da União, 12 de dezembro de 1990. _______. Lei 8.213 8.213, de 24 de julho de 1991. Brasília, Diário Oficial da União, 25 de julho de 1991. _______. Decreto Federal nº 3.298 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Brasília, Diário Oficial da União, 21 de dezembro de 1999. HERMAKOVA, A. F. e RÁTNIKOV B. V. Que são as classes e a luta de classes? Moscovo: Edições Progresso, 1986. MANACORDA, M. A. História da educação: da Antigüidade aos nos- nossos sos dias dias. São Paulo: Cortez, 1997. MARX, K. O capital. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982. MARX, K. e ENGELS, F. O Manifesto Com Comunista unista unista. São Paulo: CPV, 2001. PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portador portadores es de defi- deficiência ciência ciência. São Paulo: LTR, 2000. PONCE, A. Educação e luta de classes classes. São Paulo: Cortez, 1992. 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O presente artigo pretende demonstrar que o surgimento e fortalecimento do movimento das pessoas com deficiência no final da década de 1970 e início de 1980, no Brasil, contou com a conjugação de pelo menos quatro fatores: 1 - necessidades objetivas possibilitaram a tomada de consciência de uma parcela das próprias pessoas com deficiência no sentido de travarem lutas na defesa dos seus direitos; 2 - a conjuntura nacional favorável, em que movimentos políticos e sociais lutavam contra a Ditadura Militar, na busca da redemocratização, da participação e da garantia de bens materiais; 3 - a mobilização internacional do segmento das pessoas com deficiência forçando uma conjuntura favorável em torno desta problemática social; 4 - um certo estímulo do governo brasileiro que não via nesse movimento nenhuma ameaça política ideológica. Ao lado de alguns elementos sobre o trabalho, enquanto base material do processo de exclusão histórica das pessoas com deficiência, o estudo pretende também fazer algumas inferências sobre o real caráter das entidades criadas e dirigidas pelas pessoas com deficiência. Com base nas investigações preliminares até agora realizadas e aqui expostas, em linhas gerais, parece possível deduzir que do ponto de vista do objetivo da prestação de serviços não existia (em sua origem e continua não existindo hoje) grande divergência entre as entidades para e as entidades de pessoas com deficiência. Por fim, o trabalho destaca a importância das conquistas obtidas pelo movimento nos últimos vinte anos no Brasil, mas aponta a necessidade da redefinição dos seus rumos e a superação na crença da democracia liberal baseada na equiparação de oportunidades enquanto possibilidade real na perspectiva da construção de uma sociedade inclusiva de fato e não apenas de direito formal. Hoje está mais do que claro a necessidade da superação do modelo societário Página 183. capitalista, cada vez mais devastador da natureza e destruidor da humanidade em todos os aspectos da vida social. Sintetizando as atitudes pela qual a sociedade se portou diante da pessoa com deficiência ao longo da história, de acordo com Lafayette Pozzoli (2006, p. 192): três tipos de conduta se perpetuaram e ainda se fazem presentes: a indiferença, a caridade e o paternalismo. Dessas, a mais nefasta para as pessoas com deficiência certamente tem sido a atitude de indiferença. Para os indiferentes é como se essas pessoas não existissem. Na perspectiva dos indiferentes, os membros deste segmento são o substrato da sociedade e não têm sequer o direito de terem direitos. Quem não tem direito de ter direito não é cidadão nem mesmo nos termos meramente jurídicos. Apesar do apelo também danoso, a caridade se legitima pelo altruísmo do caridoso. De sentimento normalmente religioso, o caridoso vê na pessoa com deficiência apenas um objeto de remissão dos pecados. No entendimento do caridoso a pessoa com deficiência não se enquadra no conceito jurídico de “pessoa”, portanto, não é sujeito de direito. Por fim, o paternalismo procura assumir com exclusividade a responsabilidade pela direção das questões da pessoa com deficiência. Na perspectiva da concepção paternalista, apesar da pessoa com deficiência possuir direitos, ela não está capacitada para exercê-los, por isso necessita de um tutor. Ainda hoje, A maioria das pessoas, ressalvadas as devidas proporções, se adapta às situações que acabamos de referir sobre as concepções. A angústia desse reconhecimento parece ser o primeiro passo para uma reflexão mais séria sobre o problema que estamos abordando porque a pessoa portadora de deficiência não quer ser segregada, não deseja esmolas e muito menos paternalismo; a pessoa portadora de deficiência exige direitos, a começar pelos contemplados na Constituição de 1988, devendo exercitar sua cidadania. (POZZOLI, 2006, pp. 192-193). Página 184. Essas atitudes têm na aparência o preconceito e a discriminação como justificativa principal da causa da exclusão das pessoas com deficiência sem questionar a origem do próprio preconceito e da discriminação também como produção social histórica. Assim, na essência desta problemática social, descendo até a raiz, encontra-se a perpetuação de uma situação que acompanha a civilização humana desde os tempos em que a vida social pouco se distinguia da vida animal. Em toda parte, a identidade entre o homem e a natureza aparece de modo a indicar que a relação limitada dos homens com a natureza condiciona a relação limitada dos homens entre si, e a relação limitada dos homens entre si condiciona a relação limitada dos homens com a natureza, exatamente porque a natureza ainda está pouco modificada pela história. E, por outro lado, a consciência da necessidade de estabelecer relações com os indivíduos que o circundam é o começo da consciência de que o homem vive em sociedade. Este começo é tão animal quanto a própria vida social (...) (MARX e ENGELS, 1984, p. 45). Partindo deste pressuposto histórico, no entendimento deste estudo, a raiz de praticamente todas as formas de exclusão e conseqüentemente de preconceito e discriminação contra as pessoas com deficiência encontra-se na idéia historicamente construída de que elas são inúteis para o trabalho. São inúmeros os exemplos relatados pela literatura especializada pontuando fatos que consideram essas pessoas como um peso morto para a sociedade. Como não existe espaço para explorar com maiores detalhes todos estes aspectos, destaca- se apenas um deles, presente na história moderna recente: “Calcula- se que até a derrota alemã em 1945, duzentas mil pessoas entre adultos e crianças deficientes tenham sido assassinadas”. Para conseguir o apoio social, “O objetivo da mensagem martelada pelos nazistas era estigmatizar deficientes e doentes mentais como um peso morto para a sociedade” (LOBO, 1997, p. 155). Página 185. Como se pode constatar a seguir, de alguma maneira o tipo de pensamento acima ainda se reflete fortemente nos dias de hoje, principalmente no que diz respeito ao acesso ao mercado de trabalho. Lidando com as questões de emprego e desemprego há mais de 40 anos, confesso ter deixado passar despercebido, durante muito tempo, um dos problemas mais sérios do Brasil: a baixíssima participação dos portadores de deficiência no mercado de trabalho. Comecei a estudar o assunto em 1997. Examinando os dados, percebi, de início, o quanto estávamos atrasados. O Brasil possui uma das maiores populações de portadores de deficiência do mundo (16 milhões de pessoas) e uma das menores taxas de participação no mercado de trabalho. Segundo estimativas disponíveis, 9 milhões estão em idade de trabalhar. Destes, os que trabalham no mercado formal somam cerca de 2%, enquanto nos países mais avançados essa proporção fica entre 30% e 45% (PASTORE, 2000, p. 07). Embora este estudo esteja utilizando essas informações do Professor José Pastore, não pode deixar de mencionar e criticar que no conjunto do seu trabalho encontra-se uma clara oposição ao atual modelo de cotas. Ao fazer critica à legislação brasileira que obriga tanto o setor público como o setor privado reservar vagas para as pessoas com deficiência, o autor acaba reforçando a posição da grande maioria dos empresários que se tivessem a opção não teriam pessoas com deficiência trabalhando nas suas empresas. Não é raro ouvir de alguns empregadores ou responsáveis pelos setores de recursos humanos: “mas eu não posso dispensar um pai de família para colocar uma pessoa com deficiência”, como se pessoa com deficiência também não tivesse família e não necessitasse comer, vestir-se, morar, etc. A idéia da inutilidade para o trabalho não trouxe como conseqüência somente a segregação dessas pessoas “inválidas” e “incapazes”, em locais especializados próprios, afastadas do conjunto da sociedade, Página 186. onde os “perturbadores” da ordem social passaram a ganhar tratamentos diferenciados. A indiferença com o segmento social se reflete também no campo da produção do conhecimento, cujo interesse pela temática sobre movimentos sociais, por exemplo, acaba sendo preocupação quase que somente da chamada literatura especializada. Numa investigação sobre o movimento social das pessoas com deficiência, é extremamente raro encontrar alguma menção ou desenvolvimento do assunto por parte de autores que discutem os movimentos sociais no Brasil. Numa das obras mais completas sobre movimentos sociais, lançada no Brasil nos últimos anos, Teorias dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos e Contemporâneos, a autora, Maria da Glória Gohn, afirma que: A origem de um movimento social advém de uma demanda/carência não atendida, podendo ser esta (de ordem econômica, política, social e cultural) ou projetos de uma utopia. As carências podem ser de bens materiais ou simbólicos. A luta contra as desigualdades no tratamento das pessoas em relação a cor, raça, nacionalidade, religião, idade, sexo etc. situa-se no plano do simbólico (1997, p. 258). Mesmo reconhecendo que “a origem de um movimento social advém de uma carência/demanda não atendida”, a renomada autora, no conjunto do seu texto - aliás, obra muito esclarecedora e de um rigor teórico notável sobre movimentos sociais - em nenhum momento faz menção ao movimento das pessoas com deficiência, apesar deste segmento representar 14,5% da população do Brasil, segundo dados do IBGE apurados no Censo de 2000. Certamente tem conhecimento da sua existência, mas parece desconsiderar como força organizada capaz de lutar pela superação das suas “carências/demandas não atendidas”. Limita-se a incluí-lo, é o que parece, nos “etc.” ou no quadro dos movimentos dos “excluídos”. Página 187. Porém, dois anos depois, 1999, a mesma autora, em outro texto, “Educação Não Formal e Cultura Política: Impacto Sobre o Associativismo do Terceiro Setor”, captando a realidade, faz uma pequena menção ao segmento das pessoas com deficiência. Diz ela: Deve-se destacar ainda a nova cultura política que vem sendo gerada em relação ao espaço público e aos temas de interesse coletivo, como meio ambiente, saúde, lazer etc., ou temas de interesse de coletivos específicos como os portadores de deficiência física, mental, do vírus da AIDS etc. (GOHN, 1999, p. 86). Revelando uma mudança substancial no modo de organização e no conteúdo das reivindicações (ou proposições) dos movimentos sociais dos anos noventa, com o deslocamento do plano econômico para o plano da cultura, a autora demonstra que O cenário da mobilização e organização da sociedade civil também mudou substancialmente nos anos 90. Os movimentos que resistiram estão colocando ações mais defensivas do que reivindicativas e adquirindo também outra natureza, atuando mais no plano da cultura, na busca de valores identitários, no plano da moral, do que no plano econômico (GOHN, 1999, p. 87). Quando o assunto aparece em trabalhos de autores fora da área (como também dela mesma), em certos casos, ainda são utilizadas terminologias e expressões inadequadas. Embora tenha dado uma contribuição ao reconhecer e incluir o movimento das pessoas com deficiência como parte integrante dos outros movimentos sociais que participam, por exemplo, da Central de Movimentos Populares, Frei Betto cunha a terminologia PODE para se referir a pessoa com deficiência. “Ela é um PODE (Portador de Direitos Especiais)” (2001, p. 177). Ainda que faça isto para destacar que além dos direitos universais essas pessoas possuem direitos especiais em face das suas necessidades escíficas Página 188. não parece adequado afirmar que a pessoa com deficiência seja um “PODE”, desconsiderando, sobretudo, a opção terminológica assumida pelo próprio movimento das pessoas com deficiência. A falta de maior interesse pela pesquisa sobre o movimento social das próprias pessoas com deficiência ainda não mereceu a devida atenção nem mesmo por pesquisadores ligados ao campo desta problemática social. A maioria dos trabalhos científicos que tomam as questões envolvendo as pessoas com deficiência como objeto de estudo ainda se voltam mais para a educação, a psicologia e o trabalho. Mesmo assim, apesar da escassa produção e da dificuldade de acesso às bibliografias disponíveis, principalmente aquelas produzidas pelas próprias pessoas com deficiência, com base no material investigado, o presente estudo pretende assinalar alguns tópicos - em caráter provocativo - sobre a origem e o núcleo central da reivindicação do movimento das pessoas com deficiência no Brasil. No final da década de 1970, o país atravessava uma crise econômica, política e social. Neste cenário de crise, inclusive de legitimidade do governo militar, inúmeras forças políticas e sociais atuavam em busca do atendimento das suas demandas/ reivindicações específicas, inscritas no plano econômico, político, social e cultural. Com a restrição da liberdade de organização e expressão, uma bandeira que unia desde setores da esquerda até parte das forças liberais era o clamor pela redemocratização do país. A busca do direito à participação se transformou então no grande lema, inclusive das próprias pessoas com deficiência que reclamavam o fim da tutela e a “participação plena”. Como dizia um analista político na época, “algo surpreendente está ocorrendo com a participação: estão a favor dela tanto os setores progressistas que desejavam uma democracia mais autêntica, como os setores tradicionalmente não muito favoráveis aos avanços das forças populares” (BORDENAVE, 1994, p. 12). Página 189. Com interesses e fins diferentes dos setores populares ou mesmo de alguns setores liberais, até o próprio “bloco no poder”, na expressão de Poulantzas (SAES, 2001), passou a falar da participação dentro do plano estratégico de abertura lenta e gradual, definindo qual era a oposição tolerável e qual era a intolerável. Os parâmetros da ‘democracia forte’ eram definidos de modo a limitar a participação de setores da população até então excluída e permitir que o Estado determinasse qual era a oposição aceitável e qual é intolerável. Grupos ligados aos movimentos sociais de trabalhadores e camponeses, fossem seculares ou vinculados à igreja, enfrentaram repressão contínua e sistemática (ALVES, 1989, p. 225 - grifos da autora). Buscando uma conexão do movimento brasileiro e aqueles das pessoas com deficiência de outras regiões do mundo, é possível constatar a existência da articulação das suas ações e o conteúdo das propostas defendidas. Embora essas mobilizações só tenham eclodido com maior força a partir do início da década de 1970, tanto no Brasil como no exterior, elas já vinham sendo “gestadas” desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando os mutilados de guerra começaram exigir reabilitação profissional e reinserção no mercado de trabalho. Esse movimento vai se disseminando, se fortalecendo e incorporando também pessoas com deficiência que não haviam ido à guerra, a ponto de exigir da ONU - Organização das Nações Unidas, documentos versando sobre os seus direitos. Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Resolução, 217-A (III), de 10 de dezembro de 1948, no seu Artigo 7º afirme que “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito à igual proteção da lei”, foi preciso que a ONU em 1975, por meio da “Declaração dos Direitos dos Deficientes”, reiterasse: “As pessoas deficientes têm os mesmos direitos civis e políticos que outros Página 190. seres humanos”. Ora, depois de 27 anos da aprovação da Declaração dos Direitos Humanos, a publicação de uma Declaração específica reiterando que as pessoas com deficiência possuem os mesmos direitos civis e políticos que os outros seres humanos, confirmando a idéia de que nem a Lei era para todos e nem todos eram iguais perante a Lei. A “Declaração dos Direitos dos Deficientes” faz menção aos “direitos civis e políticos”, ou seja, reconhece o direito civil de cidadania e por conseqüência o direito político da participação. A tese central do documento da ONU tem, portanto, no seu núcleo o conteúdo do direito individual lockeano: “(...) cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo” (LOCKE, 1991, p. 228). Por exemplo, com base neste direito natural o sistema tutelar começou a ser questionado nos Estados Unidos da América, pelos idealizadores do primeiro Centro de Vida Independente (CVI), de Derkeley, criado em 1972 por um grupo de tetraplégicos: “[...] Nós, um pequeno grupo de clientes institucionalizados, resolvemos abandonar a proteção do ambiente institucional e saímos às ruas para protestar e encontrar alguma outra forma de viver que não fosse tutelada, dependente e humilhante” (DRATER, apud SASSAKI, 2003, p. 10). Quanto a libertação da tutela institucional no Brasil, no início da década de 1980, é preciso esclarecer que isto atingia mais diretamente aquelas pessoas com deficiências mais comprometidas. As pessoas com deficiência visual, com deficiência auditiva, as cegas, as surdas e as com deficiências físicas em sua grande maioria, embora recebendo algum tipo de “tutela” por parte dos profissionais das áreas específicas, não podem ser consideradas institucionalmente tuteladas. Por exemplo, mesmo antes do período em análise, houve por parte do Estado brasileiro “alguma percepção da importância da participação política do deficiente, Página 191. como se nota em 1954, quando Getúlio Vargas determina providencias para que se conceda o direito de voto ao indivíduo cego como parte importante à sua recuperação social” (JANNUZZI, 2004, p.72). Assim, as mobilizações de rua e inúmeras outras formas de manifestações nos principais centros mundiais forçou os membros da ONU, encarregados pela preparação do ano Internacional da pessoa com deficiência, a reconhecerem que ocorria uma dramática mudança nas atitudes das pessoas deste segmento social. Elas estavam assumindo cada vez mais o papel de um grupo consumidor que tinha seus próprios pontos de vista quanto à forma de como as melhorias de suas condições de vida deveria ser efetivada e desejavam que esses pontos de vista fossem conhecidos daqueles que tomavam decisões (SILVA, 1986, p. 331). Além da garantia dos direitos civis e políticos, a “Declaração dos Direitos dos Deficientes”, reconheceu também o direito ao trabalho, a sindicalização e a organização das próprias pessoas com deficiência. Os itens 07 e 12 tratam do assunto, in verbis: As pessoas deficientes têm direito à segurança econômica e social e a um nível de vida decente e, de acordo com suas capacidades, a obter e manter um emprego ou desenvolver atividades úteis, produtivas e remuneradas e a participar dos sindicatos; as organizações de pessoas deficientes poderão ser consultadas com proveito em todos os assuntos referentes aos direitos de pessoas deficientes. No Brasil, seguindo a tendência internacional, a mobilização das próprias pessoas com deficiência teve início no final da década de 1970 e início da década de 1980. De acordo com Araci Nallin, citada por Sassaki (2003): A mobilização das pessoas deficientes no sentido de uma luta reivindicatória é fato bastante recente na história do nosso país. Os grupos Página 192. com esta característica começaram a surgir em fins de 1979 e início de 1980, período que coincidiu com o início da “abertura” política que permitia o debate de vários temas e a organização de diversos setores da comunidade (p. 04 - grifos da autora). Conforme a mesma fonte, também aqui aparecia em destaque o questionamento contra a tutela das pessoas com deficiência: “Antes deste período, a questão das pessoas deficientes era ligada à religião ou à medicina e seus ‘porta-vozes’ eram os religiosos e os profissionais de reabilitação”. (SASSAKI, p. 04 - grifos nossos). Também como resultado do processo de mobilização do movimento internacional das pessoas com deficiência, em 16 de dezembro de 1976, foi aprovada a Resolução n° 31/123, proclamando o ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, cujo lema oficial era a “participação plena” (SILVA, 1986, p. 330). Com esta Campanha a ONU objetivava sensibilizar as Nações para que incorporassem no seu ordenamento jurídico os direitos específicos, bem como procurassem incentivar e apoiar a realização da Campanha e a participação das pessoas com deficiência nas suas organizações e na vida social em geral. Todavia, também aqui o apoio do governo federal só veio após a mobilização e manifestação do movimento já organizado em diversas regiões do país. Essas mobilizações começaram a ocorrer de forma espontânea a partir de 1979, surgindo simultaneamente em algumas cidades do Brasil (Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Salvador, Brasília, Ourinhos e outras), de início sem articulação de âmbito nacional. No bojo dessas discussões, no início do mês de julho de 1980, surgiu em São Paulo um grupo constituído por pessoas com e sem deficiência, cujo objetivo era apoiar a realização no Brasil do Ano Internacional. Consta que logo após a sua primeira reunião foi tomada a deliberação de remeter ao Senhor Presidente da República ofício subscrito Página 193. por entidades participantes, solicitando que fosse dado ao Ano o nome correto ao assinar o decreto de criação da Comissão Nacional. Ouvia-se falar de traduções inaceitáveis, tais como “Ano Internacional do Incapacitado”, “Ano Internacional do Excepcional” e outros nomes que estavam sendo fortemente tentados. A mensagem, juntamente com outras de locais e iniciativas diferentes, parece que chegou ao destino, pois em 16 de julho de 1980 o Presidente da República assinava o Decreto criando a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (SILVA, 1986, pp. 336 - 337). Neste processo, um marco importante para o movimento em todo o País, foi a realização do primeiro Encontro Nacional de Entidades de Pessoas com Deficiência, com cerca de mil participantes, incluindo cegos, surdos, deficientes físicos e hansenianos de diversas regiões do país. Na pauta principal o lema da Participação plena e o fim da tutela do Estado e das instituições especializadas (JANNUZZI, 2004). Segundo a mesma autora, Em relação aos deficientes, a década de 1980 foi significativa para o movimento, surgindo em 1984 a Federação Brasileira de Entidades de Cegos (FEBEC), a Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos (ONEDEP) a Federação Nacional de Educação de Surdos (FENEIS) e o Movimento de Reintegração dos Hansenianos (MORHAM). Em dezembro do mesmo ano foi fundado o Conselho Brasileiro de Entidades de Pessoas Deficientes que reuniu as quatro entidades e substituiu a coalizão nacional organizada em Brasília em 1980, no primeiro encontro nacional anteriormente referido (JANNUZZI, 2004, p. 184). Mesmo tendo vida curta, a Coalizão realizou em 1981, na cidade do Recife, de 20 a 25 de outubro, o primeiro Congresso Brasileiro das pessoas com deficiência, com mais de 600 participantes. A característica maior deste evento foi o seu objetivo político de lançar bases para exercer pressão, capaz de reivindicar mudanças no sistema Página 194. de atendimento às pessoas com deficiência, nos programas de reabilitação e na luta contra as barreiras ambientais e sociais, argumentavam os seus organizadores. Revelando uma confluência das idéias, as propostas do Encontro do Recife sinalizavam na mesma perspectiva das questões defendidas pelo movimento de São Paulo. Além da proposição da criação de um órgão de caráter inter-secretarial, contando com representação não só das Secretarias de Estado envolvidas, mas também de entidades de/para pessoas com deficiência e com dotação orçamentária própria, havia também a preocupação com a educação, prevenção, reabilitação global, trabalho, conscientização, acesso, eliminação de barreiras, materiais, equipamentos e legislação. Fechando o ciclo dos três grandes eventos nacionais deste período, em 1982, em Contagem, Minas Gerais, de 23 a 26 de março, foi realizado o Segundo Encontro Nacional, inclusive com a presença da Comissão Nacional, das Comissões Estaduais, entidades de e para pessoas com deficiência, onde foi avaliado o resultado do Ano Internacional e definidas novas estratégias de ações para o movimento. Este Encontro também estabeleceu como prioridade “a necessidade de criação de um órgão nacional com o objetivo de planejar e acompanhar as recomendações fundamentais para a década de 80 aprovadas nesse encontro” (SILVA, 1986, p. 342). Além disso, no ano de 1982, em São Bernardo do Campo, com o apoio de diversas associações das Pessoas com Deficiência, foi definido o dia 21 de setembro como o dia Nacional de Lutas, até hoje lembrado com atividades e manifestações pelo segmento. Na ocasião, vários atos de rua foram realizados no País e em São Paulo, destacando-se as memoráveis manifestações nas Estações de Metrô, na Avenida Paulista e na Praça da Sé, liderados pelo movimento representativo das próprias pessoas Página 195. com deficiência e com ampla divulgação pela imprensa. Esse processo de mobilização iniciado nas capitais foi se disseminando rumo ao interior com a criação de entidades por áreas específicas. Em 1984, com o fim da Coalizão Nacional, que reunia todas as áreas das deficiências, começou a ocorrer uma reformulação geral no movimento, dando origem às Federações nacionais e estaduais, marcando o início da proliferação das entidades específicas nos municípios. No âmbito nacional, surgiu a Organização Nacional de Entidades de Pessoa com Deficiência Física (Onedef), Movimento Nacional de Reintegração do Hanseniano (Morhan), Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (Feneis), Sociedade Brasileira de Ostomizados (SOB), a Associação de Paralisia Cerebral do Brasil (APCB) e a Federação Brasileira de Entidade de Cegos (FEBEC). De acordo com Bieler, citada por Sassaki (2003): A partir de 1984, portanto, foi configurado no Brasil um movimento organizado, estruturado, separado por área de deficiências e que tentou se articular num Conselho Brasileiro de Pessoas com Deficiência, unindo todas essas representações, mas que, infelizmente, não conseguiu colocar em funcionamento (pp. 03-04). Assim, os movimentos específicos das pessoas com deficiência foram se organizando como muitos outros; por exemplo, os das mulheres, dos negros e outras etnias, dos homossexuais, movimentos ecológicos e outros em torno de temas específicos. Conquistaram espaços públicos através dos diversos conselhos tentando resolver alguns problemas comuns. Suas reivindicações às vezes ganhavam relativa força, reunindo sob um enfoque comum pessoas de categorias sociais diferentes, algumas com acesso aos núcleos políticos poderosos que até lhes possibilitaram algumas tênues conquistas (JANNUZZI, 2004, p. 185). Página 196. Buscando caracterizar o movimento das pessoas com deficiência na década de oitenta, Sassaki (2004, p. 08) assinala quatro possíveis tendências: 1 - Conscientização e disseminação de informações sobre problemas, situações, necessidades, direitos e deveres e potencialidades das pessoas com deficiência, com o conseqüente surgimento da bandeira da integração social; 2 - Formação de organizações de pessoas com deficiência (por exemplo, associações e cooperativas de trabalho); 3 - Elaboração e aprovação de leis específicas deste segmento populacional além da inserção de preceitos específicos dentro da Constituição; 4 - Formulação de reivindicações: atendimento através de centros regionais de reabilitação, projetos de Reabilitação Baseada na Comunidade e/ou serviços básicos de reabilitação nas redes oficiais e particulares e formação de recursos humanos para os programas e serviços de reabilitação. As características e as tendências pontuadas pelo autor, na essência, refletem os anseios do movimento internacional e nacional pelo fim da tutela e do direito a participação, ou seja, o reconhecimento dos direitos civis e políticos já assegurados a todos os cidadãos, independente das suas características físicas, cognitivas ou sensoriais. Mas, a luta dessas pessoas não se restringia apenas nessas reivindicações, outras inúmeras foram incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro e posteriormente ganharam materialidade na política nacional da pessoa com deficiência, principalmente após 1988 e 1989, com a aprovação da Constituição e da Lei Federal n.º 7.853/89, respectivamente. Como resultado deste processo de mobilização, duas propostas gestadas diretamente no interior do movimento merecem uma atenção especial. Uma delas deu origem à Coordenadoria Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), instituída pelo Decreto n.º 93.481/ 86. A outra deu origem ao Conselho Nacional do Direito da Pessoa Página 197. Portadora de Deficiência (CONADE), criado pelo Decreto nº. 3.076 de 01 de junho de 1999. Pode-se dizer que a criação desses dois órgãos na estrutura do governo federal é bastante revelador, pois ao mesmo tempo em que atende a reivindicação do movimento acaba também atraindo o segmento para dentro da estrutura do Estado, comprometendo a sua autonomia e as lutas políticas reivindicatórias. A mobilização e a organização das pessoas com deficiência nas suas próprias entidades, como protagonistas da sua própria história, inquestionavelmente representou avanço significativo para o conjunto da sociedade e no crescimento da consciência crítica deste segmento. Este processo cumpriu importante papel na consolidação de direitos na Constituição de 1988, assegurados nos seguintes dispositivos específicos: art. 7º, XXXI, art. 24, XIV, art. 37, VIII; art. 203, IV e V; art. 227, §1º, II e art. 244, §2º. A regulamentação desses dispositivos resultou nas seguintes Leis: Lei n.º 7.853/89, dez anos depois regulamentada pelo Decreto n.º 3.298/99 e no Decreto n.º 5.296/04, que regulamenta as Leis n.º 10.098/00 e 10.048/00, que dispõem sobre a acessibilidade. No plano geral, essas normas e mais o capítulo V da Lei n.º 9.394/96 (LDB), destinado à Educação Especial, definem os aspectos jurídicos e as medidas a serem implementadas pela política nacional da pessoa com deficiência nos diversos setores da administração pública direta e indireta, no âmbito nacional, estadual e municipal. Sassaki (2004, p. 09), avaliando os desafios enfrentados pelo movimento na década de 1990, revela que a luta se restringiu na tentativa da implementação dos projetos e planos de equiparação de oportunidades, para consolidar o ideal de inclusão social com a participação plena das pessoas com deficiência em todos os aspectos da vida comunitária; cumprimento da legislação conquistada por este segmento; implantação das reivindicações formuladas na década de Página 198. 80; implantação de programas de emprego apoiado nas empresas e nas entidades de reabilitação, juntamente com o treinamento de pessoal para tais programas. O mesmo autor, analisando as perspectivas da reabilitação na América Latina para as próximas décadas, mantém o otimismo e a crença no poder de pressão do movimento das pessoas com deficiência. Ao fazê-lo toma como exemplo o modelo Norte Americano de organização baseado no CVI: “[...] Proliferação de Centros de Vida Independente, com a conseqüente melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência e o aumento do seu poder de pressão social e política junto aos governos em todos os níveis e junto a outros setores da sociedade” (2004, p. 10). Hoje, diante da afirmação das políticas (neo) liberais e do progressivo afastamento do Estado brasileiro na subvenção econômica das políticas públicas sociais, é preciso refletir melhor sobre o otimismo do autor a cerca dos possíveis objetivos e da real força política do segmento, não apenas do Movimento de Vida Independente (MVI), mas também das entidades das outras áreas das deficiências. Com base no material investigado, embora houvesse indicativo claro da luta de alguns segmentos das pessoas com deficiência pelo fim da tutela da família, do Estado e das instituições especializadas, não existem dados suficientes para sustentar que as entidades de pessoas com deficiência, criadas e dirigidas por elas próprias, não tinham na sua perspectiva a prestação de serviço. A luta contra o modelo de instituição para pessoa com deficiência não era por causa da prestação de serviços e da conseqüente relação de colaboração e dependência econômico-política que elas mantinham com o Estado. Na essência, questionava-se a forma de relacionamento que essas entidades e os seus profissionais mantinham com as pessoas com deficiência, Página 199. consideradas meros objetos de comoção social - em certos casos como forma de angariarem fundos - sem vontade própria e capacidade física, sensorial, cognitiva ou intelectual de tomarem decisões sobre as suas próprias vidas. De acordo com Drater, citado por Sassaki, além do fim da tutela os CVIs tinham dois objetivos principais: Primeiro, fornecer às pessoas com deficiência os serviços essenciais que as capacitassem a viver independentemente na comunidade, assumindo maior controle sobre sua vida. Segundo, defender os direitos das pessoas com deficiência a fim de efetivarmos mudanças nos setores público e privado, principalmente nos ambientes sociais, políticos e físicos ainda inacessíveis às pessoas com deficiência (2004, p. 11). Constata-se, então, que os CVIs nascem, proliferam-se nos EUA e chegam no Brasil com três características básicas: 1 - prestação de serviços, concorrendo ou assumindo o papel do Estado; 2 - defesa de direitos das pessoas com deficiência, sem fazer enfrentamento com o Estado que deveria cumprir e fazer cumprir os direitos; e 3 - movimento de matriz Norte Americana, é um movimento despolitizado que não questiona o sistema capitalista em vigor. Não há dúvida de que o americano se organiza: Está no Rotary Clube, está no Lyons, está na Associação dos amigos dos cachorros, dos inimigos dos gatos, dos prós e dos antitabagistas etc.etc. Mas trata-se de um associativismo, de uma sociedade civil que se organiza de modo inteiramente despolitizado. Em que sentido? Cada uma dessas associações luta por interesses restritos, meramente econômico-corporativos [...] (COUTINHO, 2001, p. 26). O CVI chegou ao Brasil em 1988, na cidade do Rio de Janeiro e pretendia se transformar em uma força organizada de vanguarda em todo o País. Mesmo sendo um Centro de Vida aberto às pessoas com Página 200. qualquer tipo de deficiência por força das circunstâncias acabou se configurando num movimento quase que exclusivamente de usuários de cadeiras de rodas, que carregam o estigma de elitizados. Hoje, após 17 anos no Brasil, o movimento enfrenta dificuldades para se firmar como proposta alternativa, apesar da novidade que representou num primeiro momento. Assim, como outras entidades de pessoas com deficiência, pode-se mesmo dizer que vive uma espécie de crise de identidade, entre assumir uma posição mais firme de pressão contra os governos ou se manter na linha da prestação de serviços, dependendo do financiamento do orçamento público ou da benevolência de algumas empresas que financiam projeto com a marca da “responsabilidade social”. Porém, o CVI e o modelo Norte Americano não são os únicos a exercerem influência no Brasil. Também o modelo da ONCE - Organização Nacional dos Cegos Espanhóis - faz sucesso aqui nessas terras tupiniquins. Essa entidade acabou se transformando numa grande empresa de prestação de serviço e geradora de emprego aos cegos, através da exploração de uma concessão diária de loterias fornecida pelo governo Espanhol e transmitida pela televisão. Essa loteria é toda feita pela ONCE, com seus próprios funcionários, no país inteiro. Ela distribui prêmios em dinheiro. São cinco prêmios e o sorteio é feito todos os dias no canal 5 da televisão espanhola. A ONCE tem 200 prédios em toda a Espanha, onde funciona a loteria. Grande número de cegos trabalha em função da loteria”. Além disso, “A ONCE é detentora de uma grande parte de ações desse canal de TV. Possui estação de rádio, e na Ilha Marguerita, na Venezuela, é dona de um magnífico hotel de turismo (NOWILL, 1995, p. 211 - 212). Diante desses e outros inúmeros exemplos dentro e fora do Brasil, constata-se que a luta das pessoas com deficiência para criarem e dirigirem as suas próprias organizações foi legítima e necessária, mas isso por si só não ofereceu nenhuma garantia de que estas Página 201. entidades foram e continuarão sendo mais combativas e menos conservadoras sob os aspectos políticos ideológicos. Mesmo sendo entidades de pessoas com deficiência, a grande maioria das existentes no Brasil e no exterior, limitam-se a desempenhar a função de prestadoras de serviços, competindo, colaborando ou substituindo o Estado, exercendo pouco ou nenhum poder de pressão capaz de provocar mudanças substanciais na vida da grande maioria das pessoas com deficiência em um futuro próximo. No momento, as entidades de pessoas com deficiência (ONGs), que nasceram no bojo das lutas sociais reivindicatórias, têm assumido um caráter empresarial que se situa no campo do empreendedorismo, cujo objetivo principal é a atuação na geração de emprego e renda para os seus associados, e em muitos casos somente para os dirigentes. Inserida no conjunto das políticas (neo) liberais, esta estratégia também cumpre outro objetivo, não menos importante para o Estado mínimo: introduz a idéia de que as entidades precisam gerar, através de relações comerciais, os recursos financeiros próprios para a manutenção de suas ações, isentando o Estado das suas responsabilidades constitucionais. Neste quadro, onde todos os “gatos” parecem “pardos”, “quantas ONGs são hoje pequenas empresas? Quantas ONGs são hoje bico para se ganhar dinheiro? Vamos ser sinceros! Parece que o mundo das ONGs é constituído pela generosidade celestial mas não é verdade. A sociedade civil não é angelical; nela também há demônios” (COUTINHO, 2002, p. 36). Corroborando com Coutinho, Maria da Gloria Gohn afirma que As novas entidades que estão se expandindo estruturam-se como empresas, autodenominam-se cidadãs por se apresentarem sem fins lucrativos e atuarem em áreas de problemas sociais, criam e desenvolvem frentes de trabalho em espaços públicos não-estatais; algumas Página 202. nasceram por iniciativas de empresários privados e se apresentam juridicamente como ONGDS – Organizações Não-Governamentais de Desenvolvimento Social. Este fato ampliou o universo da participação para campos pouco ou nada politizados e desenvolveu inúmeras novas formas de associativismo ao nível do poder local (...) São ONGs que dão novo perfil ao terceiro setor brasileiro, caracterizando o que tem sido denominado de “privado, porém público” (1999, p. 79 - grifo da autora). Percebe-se, portanto, que numa realidade onde o imperativo do mercado e o fetichismo da mercadoria são dominantes, mesmo as necessidades específicas das pessoas com deficiência também foram transformadas em mercadorias e colocadas no mercado capitalista de troca com fins de acumulação de riquezas. A própria ONU, durante a preparação do Ano Internacional, já se referia às pessoas com deficiência como um “grupo consumidor”, caracterizando bem a perspectiva futura deste segmento. Enquanto uma pequena parcela de pessoas com deficiência se insere como cliente consumidor - o verdadeiro cidadão - no mercado de consumo, a enorme massa, o “resto”, a “sobra” continua enquadrada na categoria da desvantagem social (CASTEL, 1998), totalmente dependentes da “benemerência dos ricos com relação aos pobres, reforçando a tradição assistencialista da sociedade brasileira” (CHAUI, 2001, p. 14). No início da década de 1980, uma pequena “elite” dessa massa de miseráveis com deficiência estigmatizada, levantou a bandeira da “libertação” do jugo da família, do especialista, do médico e do Estado, tal como já fizera em tempos passados o escravo em relação ao amo e o servo em relação ao senhor feudal. A “libertação” conclamada pelas pessoas com deficiência foi concedida e proclamada pelos organismos internacionais e pelos Estados nacionais, na forma legal do livre direito à plena participação, mas será isto suficiente para a superação histórica Página 203. do processo de exclusão social? Não, é claro que isso não é suficiente. O reconhecimento de que as pessoas com deficiência possuem os mesmos direitos que “os outros seres humanos”, não deixou de ser importante. O direito à “participação plena” e a equiparação de oportunidades também representou uma conquista significativa dentro dos marcos da democracia liberal do pós Segunda Guerra Mundial. Porém, Propalada desde a época da Primeira Guerra Mundial, a democracia liberal organiza-se com base na igualdade de oportunidades conforme a capacidade de cada indivíduo, não tencionando a igualdade real na sociedade. Esta democracia se assenta no equilíbrio de forças entre governantes e governados no plano político e não no plano econômico (VIEIRA, 1992, p. 96). Apesar do reconhecimento da igualdade de oportunidades, segundo o documento “Alianças para um desenvolvimento inclusivo”, versão Brasil, 2004, elaborado por organismos de cooperação das agências internacionais, publicado com o apoio da CORDE, as perspectivas para as pessoas com deficiência (e não só) não são nada animadoras. Alguns dados apresentados a seguir demonstram bem o quanto a democracia política sem a democracia econômica transforma a equiparação de oportunidades numa tese de conteúdo meramente ideológico com a nítida função de ocultar a realidade social. A maioria das pessoas com deficiência (70 a 85% das quais são crianças) vive nos países economicamente mais pobres do Sul, onde a falta de acesso aos direitos humanos traduz-se em uma grande falta de respeito por direitos, tais como direito à educação, à alimentação, à água e à moradia. Dado que a pobreza é tanto uma causa como uma conseqüência da deficiência, alguns cálculos indicam que uma de cada cinco pessoas pobres apresenta uma deficiência. Isto significa que praticamente todas as famílias das comunidades pobres são diretamente afetadas pela deficiência (p. 09). Página 204. O mesmo documento (pp. 09 - 10) demonstra: Apesar das dificuldades, várias agências das Nações Unidas coletaram grande variedade de dados ao longo dos anos. Embora não tenha sido possível obter cifras precisas, os cálculos gerais são corroborados pela experiência e são úteis para o planejamento. Vejamos a seguir um resumo dos pontos-chave nesses dados. Distribuição: 70% das pessoas com deficiência vivem nos países pobres do hemisfério Sul; Infância: 87% das crianças com deficiência vivem nos países do Sul; Impacto familiar: em um país com famílias que têm em média seis membros, e se apenas 5% da população tiver alguma deficiência, mais de 25% dessa comunidade será diretamente afetada pela deficiência. Tratando do crescimento demográfico e a sua relação com o aumento das deficiências entre os países ricos e os países pobres, o estudo ainda revela o tamanho da diferença de proporção, confirmando que as causas fundamentais das deficiências estão na falta da distribuição de rendas, ou seja, tem uma forte base econômica. “Segundo estimativas do crescimento demográfico, o número de pessoas com deficiência aumentará 120% nos países do Sul nos próximos trinta anos. No mesmo período, o índice de aumento do número de pessoas com deficiência nos países do Norte será de 40%” (p. 10). Mesmo este artigo assumindo um posicionamento crítico diante da tese da equiparação de oportunidades, propalada praticamente no mundo inteiro, quase como uma profecia de fé, não pode deixar de reconhecer a força ideológica devastadora desta proposta de essência extremamente liberal, individualista, competitiva e conservadora. Verdade seja dita: essa proposta deu conta de romper o bloqueio e penetrar na consciência e na prática até mesmo daqueles partidos políticos de esquerda e dos movimentos populares que tinham na sua origem a perspectiva da destruição do capitalismo e a Página 205. construção do socialismo. Daquelas entidades nacionais que abandonaram a perspectiva da luta de classe e o socialismo como projeto estratégico, talvez o caso mais emblemático, dado a sua importância no novo movimento sindical brasileiro, nascido das lutas contra a ditadura e o arrocho salarial dos fins da década de 1970, seja justamente a Central Única dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983/ 1984, questionando as práticas assistencialistas dos sindicatos “pelegos”. Em trabalho recente, analisando a Política de Formação Sindical da CUT, Tumolo assim sintetiza a sua trajetória: Podem-se vislumbrar três fases na trajetória do sindicalismo cutista. Primeiramente, aquela que vai de 1978-1983 até aproximadamente 1988, que se caracteriza por uma ação sindical combativa e de confronto. A segunda, cujo período aproximado é de 1988 a 1991, que pode ser classificada como a fase de transição e, por último, a mais recente, caracterizada por um sindicalismo propositivo e negociador. Trata-se, portanto, de uma mudança política substancial, de um sindicalismo combativo e de confronto, de cunho classista e com uma perspectiva socialista, para uma ação sindical pautada pelo trinômio proposição/negociação/participação dentro da ordem capitalista que, gradativamente, perde o caráter classista em troca do horizonte da cidadania (2002, p. 129). Nos dias de hoje, falar em participação sem mencionar de que participação está se falando e para que fins e interesses se defende a participação é incorrer num gravíssimo erro teórico e político, pois a participação de agora, tão apregoada por todos os cantos do país e utilizada por todos os setores da sociedade indistintamente, foi totalmente esvaziada do seu conteúdo político e significado de controle social do final da década de 1970 e início da década de 1980, quando os movimentos sociais combativos pretendiam através da participação exercer o controle sobre o Estado. Página 206. Pode-se mesmo dizer que ninguém vive na sociedade sem tomar parte dela, de uma ou de outra forma, com maior ou menor grau de envolvimento, agindo ou se omitindo. É com base nisso que alguns sustentam que ninguém vive excluído na sociedade, pois todos estão e fazem parte da mesma sociedade. Quando se diz: não gosto de política, já se tomou parte em favor de um tipo de política que necessita da participação por omissão para se perpetuar. A participação pode ser com fins coletivos ou individuais, pode ser para conservar, reformar ou transformar uma dada realidade social. Hoje, por exemplo, embora boa parte das empresas no Brasil defenda a participação dos trabalhadores dentro e fora do local do trabalho, como estratégia de cooptação, na realidade, há “um empenho das empresas no sentido de afastar e neutralizar a ação sindical, valendo-se de diversos mecanismos desde a proposta de participação controlada dos trabalhadores até a perseguição e mesmo a demissão sumária dos ativistas sindicais” (TUMOLO, 2002, pp. 64 - 65). Revelando a existência de uma ação articulada e coordenada, a mesma postura dos empresários vale também para o Estado, por meio de todo o seu aparato de controle burocrático, jurídico e ideológico. A proposta de controle dos movimentos sobre o Estado acabou se convertendo no controle do Estado sobre os movimentos. Quem controla e libera recursos financeiros para os movimentos sociais em geral, também controla o poder e determina, por meio do conjunto de normas e regras estabelecidas, os limites das ações permitidas. Com este intuito, o Estado possibilita e até estimula a participação de todos, mas é uma participação totalmente despolitizada e conservadora, utilitarista e desmobilizadora de qualquer conteúdo revolucionário das massas exploradas pelo capitalismo. Constata-se que diante de um momento em que tanto se fala em participação nunca se negou tanto o direito a uma efetiva participação da população nas decisões como no atual momento histórico. Se Página 207. o conceito de participação nos dias de hoje está diretamente ligado e articulado com o conceito de ser cidadão; se só é cidadão quem participa da chamada sociedade do consumo como consumidor, então a grande massa excluída da possibilidade de ser consumidora, conseqüentemente está também excluída da participação social. Quanto ao fetichismo da mercadoria e o imperativo do mercado capitalista, ou da chamada sociedade do consumo, segundo alguns autores, Vivemos, hoje, a etapa ou o caráter neoliberal do sistema capitalista, centrado na obtenção do lucro. Agora, com a ditadura do mercado, a palavra “marginalização” já não se aplica. Hoje, aplica-se a palavra “exclusão”, na medida em que a sociedade se divide entre aqueles que têm e os que não têm acesso ao mercado. A família, a escola e as Igrejas pretendem formar cidadãos. Mas toda a cultura midiática que respiramos pretende formar consumidores. Essa é a tensão de fundo que vivemos nesse momento de mercantilização do planeta, inclusive das relações humanas (FREI BETTO, 2001, p. 176 - grifos do autor). Diante deste quadro e da ofensiva implacável do capital na busca da sua reprodução cada vez mais acelerada e ampliada, além das lutas pelos interesses específicos e imediatos, as entidades de pessoas com deficiência e do campo popular, comprometidas com um projeto socialista, precisam compreender que esta situação de exclusão social só poderá ser resolvida, em definitivo, com uma profunda e radical distribuição de renda - no Brasil, em torno de 05% dos mais ricos controlam o equivalente a 50% da renda dos mais pobres, caracterizando bem o tamanho da exploração da classe trabalhadora - divisão e socialização da terra, a real democratização do acesso à informação e a cultura historicamente produzida pela humanidade. Nesta conjuntura, a bandeira da inclusão social deve ser apropriada pelo movimento das pessoas com deficiência e ser utilizada como instrumento de denúncia contra um sistema que no plano da formalidade legal e do discurso afirma Página 208. a igualdade de oportunidades e uma sociedade inclusiva para todos, mas no plano da realidade objetiva continua negando e sonegando o acesso aos bens materiais e espirituais necessários há uma vida digna a milhões de seres humanos, com ou sem deficiência. Embora não faça parte do objetivo deste trabalho e nem haja espaço para desenvolver o assunto devido a sua amplitude e complexidade, a guisa de finalização merece uma breve consideração sobre a inclusão social das pessoas com deficiência. Kátia Moreno Caiado, na sua tese de doutoramento transformada em livro, fazendo menção as lutas sociais da década de 1980, afirma Que a redação constitucional do direito à educação do aluno deficiente no ensino regular, direito registrado no art. 208, expressa a luta do movimento social no país, que era a luta pelo direito de cidadania para todos. Ainda que forças conservadoras no Congresso tenham lutado contra o direito público de uma educação especial inclusiva no ensino regular, esse direito foi grafado como vitória das forças progressistas (2003 p. 09-10). Assim, ampliando o leque da inclusão educacional para a inclusão social, retirando a atuação das forças conservadoras de dentro do Congresso e estendendo para o conjunto da sociedade, de modo geral e sem o aprofundamento dos debates e da exploração de todas as controvérsias que permeiam a pendenga social em tela, nem procurando identificar as concepções e suas matrizes teóricas, é possível afirmar que hoje os debates sobre a inclusão encontram-se polarizados basicamente entre duas tendências, uma que pode ser caracterizada de “forças conservadoras (contra a inclusão) e outra de “forças progressistas” (a favor da inclusão). O fato dessas “forças” representarem interesses antagônicos em certos aspectos políticos ideológicos, em termos de projeto societário ambas podem ser caracterizadas de conservadoras, Página 209. pois na essência do progresso, de onde se origina o progressista, está precisamente a conservação da sociedade capitalista. Se do ponto de vista teórico este artigo não compartilha da tese da inclusão propagandeada justamente pelo seu caráter liberal, a-histórico, biologizante e idealista, sob o aspecto político, entretanto, coloca-se ao lado da inclusão social e educacional das pessoas com deficiência, justamente como instrumento de pressão social, como forma de enfatizar o caráter de classe escamoteado pela maioria dos autores que discutem o assunto. A problemática social da pessoa com deficiência necessita ser analisada com base em pressupostos teóricos metodológicos que rejeitem a concepção utilitarista de ser humano apregoada pelo mercado capitalista. No atual contexto da sociedade brasileira, se as forças do capital mais falam do que objetivamente fazem a inclusão social como estratégia de conservação e preservação da sociedade capitalista, outras tantas forças sociais não menos conservadoras, com interesses ideológicos os mais variados, inclusive econômicos, combatem a inclusão simplesmente porque ela se apresenta como parte do ideário (neo) liberal, destituindo tanto o (neo) liberalismo como a inclusão de historicidade. Adotando este tipo de postura política, essas forças vêem as árvores, mas não vêem a floresta. Ou seja, pretendem analisar a inclusão como um fenômeno isolado, fora da totalidade histórico-social, com todas as suas múltiplas mediações, determinações, relações e contradições próprias de um sistema de conjunto em permanente movimento e transformação. Em suma, essas forças parecem não considerar que Os objetos do conhecimento, que são as feições e situações da Realidade que se trata de conhecer, embora se discriminando e individualizando, o fazem como elementos do sistema de relações em que se totalizam e unificam, e em função dele. É o que Marx denomina Páhgina 210. ‘a unidade na diversidade’, e entende por ‘concreto’, o que se exprime muito bem e ilustra no conhecido dito no qual tão acertadamente se distingue a floresta das árvores que a compõem (viu as árvores, não viu a floresta) (PRADO JR. 1973 - grifos do autor). Partindo da especificidade sem perder a noção de conjunto que se integra numa totalidade que com ela mantém relação, para o movimento das pessoas com deficiência, comprometido com um novo projeto societário, se apropriar da bandeira da inclusão e fazer a denúncia contra a exclusão é assumir a bandeira da inclusão como ação estratégica sem desconsiderar a luta política de enfrentamento também como uma estratégia de ação para atingir o fim pretendido, ou seja, a superação do sistema capitalista. A discussão da inclusão só tem sentido e significado histórico se for para aprofundar as contradições do sistema capitalista e não para consolidar o consenso e dissolver as contradições próprias da sociedade de classes. Se o consenso em torno da inclusão dissolve a contradição, a simples negação da inclusão como processo histórico contraditório não só dissolve a contradição como também não compreende que Onde existe uma relação, ela existe para mim: o animal não se ‘relaciona’ com nada, simplesmente não se relaciona. Para o animal, na relação com outros não existe como relação. A consciência, portanto, é desde o início um produto social, e continuará sendo enquanto existirem homens, consciência é, naturalmente, antes de mais nada mera consciência do meio sensível mais próximo e consciência da conexão limitada com outras pessoas e coisas situadas fora do indivíduo que se torna consente; é ao mesmo tempo consciência da natureza , a princípio, aparece aos homens como um poder completamente estranho (...) (MARX e ENGELS, 1984, pp. 43 -44 - grifos dos autores). A necessidade da superação do mercado imperativo capitalista, cada vez mais devastador da natureza e destruidor da humanidade em Página 211. todos os aspectos, precisa com urgência retornar à pauta dos movimentos sociais brasileiros comprometidos com a construção do socialismo. Tanto os movimentos sociais populares como o movimento das pessoas com deficiência, seduzidos pela idéia liberal da equiparação de oportunidades, precisam perceber que uma sociedade verdadeiramente democrática, sem explorados e exploradores, dominantes e dominados, não será alcançada sem profundas transformações sociais. Os dados estatísticos aqui expostos e tantos outros produzidos por agências nacionais e internacionais a serviço do próprio capital indicam a concentração de renda, a falta de democratização do acesso aos conhecimentos científicos já produzidos pela humanidade e a necessidade da socialização/ distribuição da terra, como os principais fatores responsáveis pela exclusão e marginalização de milhões de seres humanos em todo o planeta, com ou sem deficiência. Diante do exposto, fazemos nossas as palavras de Ellen Meiksins Wood: “a esperança de atingir um capitalismo humano, verdadeiramente democrático e ecologicamente sustentável vai-se tornando transparentemente irrealista. Mas, conquanto essa alternativa não esteja disponível, resta ainda a alternativa verdadeira do socialismo” (2001, p. 130). CONCLUSÃO Ratifica-se a posição exposta no início deste estudo, segundo a qual com relação à prestação de serviço, não há diferença entre as entidades para e entidades de pessoas com deficiência. Mesmo os dados aqui expostos e a realidade objetiva de certa forma comprovando tal comparação, é preciso deixar claro que a questão não é assim tão simples como parece e nem pode ser generalizada. Isto certamente requer um estudo que leve em conta toda a dimensão, complexidade e as devidas e necessárias mediações não exploradas Página 212. neste trabalho, tanto por falta de espaço como também pela necessidade de se avançar nas investigações nos materiais já disponíveis, bem como em outras fontes ainda não catalogadas. No trabalho, também foi possível demonstrar que o surgimento do movimento não só representou avanço como cumpriu importante contribuição na formulação e consolidação de alguns espaços institucionais, bem como na configuração e implementação de algumas políticas públicas específicas, tanto em âmbito nacional, estadual e municipal, cuja implementação continua dependendo da pressão do movimento para se tornar realidade. Não se pode negar que ainda existe uma enorme distância entre o direito proclamado e a realidade objetiva, mas somente o fato de uma parcela significativa das pessoas com deficiência ter saído da histórica condição de meros objetos da caridade não deixou de representar avanço importante nessas últimas duas décadas no Brasil. Embora o movimento das pessoas com deficiência, de modo geral, ainda continue alimentando e acreditando na crença da equiparação de oportunidades como o caminho para a superação das desigualdades sociais, constatou-se que ele não ocupa sozinho tal condição, pois até mesmo movimentos de trabalhadores que surgiram com uma perspectiva de enfrentamento de classe e a luta pelo socialismo, hoje abandonaram esta possibilidade e aderiram a prática da colaboração de classe. Isso só confirma a urgente necessidade de se recolocar na pauta a discussão do socialismo como perspectiva estratégica, definição de lutas e enfrentamentos contra a ofensiva do capital, cada vez mais devastador da natureza e da humanidade. Mas este próprio movimento, surgido a partir da tomada de consciência de uma parcela das pessoas com deficiência, para continuar cumprindo verdadeiramente com a finalidade de lutar pela inclusão plena de todas as pessoas com deficiência precisa repensar a Página 213. sua prática em diversos aspectos. Talvez, de todos o mais substancial seja justamente o caráter de cúpula que a maioria das entidades acabaram adquirindo, não só deixando de representarem os interesses coletivos da base como também se constituindo em espaços de exclusão na medida em que não dão conta de incorporarem as pessoas com deficiência mais necessitadas como agentes sociais ativos na luta pelos seus próprios interesses. Resta ainda uma última consideração. A escassa produção científica na área dos movimentos sociais das pessoas com deficiência, bem como a dificuldade de acesso ao material produzido, sobretudo às fontes primárias, principalmente no período entre o final da década de 1970 e meados da década de 1980 - fase do alvorecer do movimento no Brasil - que requer um estudo de maior fôlego e abrangência, com maior profundidade e rigor metodológico. As lutas sociais de maior ou menor abrangência, as polêmicas que envolveram o movimento, as disputas de concepções ou mesmo políticas, as razões que levaram ao fim da Coalizão e mais tantos outros elementos e fatos daquele período histórico precisam ser recuperados e trazidos à luz, de preferência pelos próprios sujeitos que fizeram parte e ajudaram a escrever, ou melhor, a fazer, na realidade objetiva, com as condições materiais concretas, um marco importante na vida de uma parcela significativa das pessoas com deficiência no Brasil. REFERÊNCIAS ALIANÇA PARA UM DESENVOLVIMENTO INCLUSIVO. 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