DEFICIÊNCIA MENTAL E TERMINALIDADE ESPECÍFICA: NOVAS POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO OU EXCLUSÃO VELADA?1 Ms. Jane Peruzo Iacono2 Dra. Nerli Nonato Ribeiro Mori3 Universidade Estadual de Maringá Uma das questões mais relevantes hoje no que se refere à educação de alunos com deficiência mental, especialmente aqueles com maiores comprometimentos, são os aspectos referentes à sua terminalidade acadêmica e conseqüente certificação denominada terminalidade específica vislumbradas como possíveis de serem efetivadas oficialmente, a partir da LDB nº 9394/96 (Art.59, II). Esta pesquisa tem como objetivo mostrar inicialmente, o surgimento do discurso da inclusão na sociedade capitalista, em que o homem, historicamente, de diferentes formas, é explorado, expropriado e excluído. Mostra que o discurso da inclusão vem, de forma ideológica, contraporse às situações de exclusão, sustentandose em palavras tais como direito, igualdade, diferença, diversidade e eqüidade. Neste contexto, vai sendo construído então, um novo mito, chamado educação inclusiva, idealista como todos os mitos e necessário para legitimar o intenso processo de exclusão. Num segundo momento, a pesquisa procura desvelar o significado da terminalidade específica, no sentido de se questionar se sua concessão a alunos com deficiência mental, significa sua autonomia, na medida em que receberiam a certificação do Ensino Fundamental ou uma forma oficial de desocuparem as vagas das escolas onde estudam. A pesquisa referese a cinco alunos jovens e adultos da região oeste do Paraná, cujas suas histórias de vida e de escolaridade como pessoas com deficiência mental evidenciam aspectos relevantes da educação especial na região. O estudo sugere finalmente, que a terminalidade específica não deveria ser concedida ainda, a nenhum dos alunos da pesquisa, até que se tenha clareza de seu real significado e intencionalidade, das reais condições desses alunos para recebêla e as bases materiais necessárias para seus encaminhamentos posteriores, quer para a Educação de Jovens e Adultos quer para a Educação Profissional. Palavraschave: Sociedade Capitalista; Exclusão/Inclusão; Terminalidade Específica; Direito à Educação. A mobilização das pessoas com necessidades educacionais especiais por educação no ensino regular, junto com todos os outros alunos, é um processo chamado “inclusão escolar”. Este conceito vem sendo tratado, desde que surgiu no Brasil, como uma nova panacéia capaz de dar conta dos inúmeros problemas afetos à educação especial e vem exigindo uma revisão dos parâmetros até 1 Pesquisa de Mestrado em Educação, realizada na UEM – Universidade Estadual de Maringá/Pr, em 2004 e apresentada na V ANPED Sul/2004, em Curitiba/Pr.    2 Docente do Colegiado de Pedagogia da Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná e autora deste artigo. 3 Professora orientadora deste trabalho de mestrado. então colocados. Para viabilizar realmente o processo de inclusão cuja discussão, normalmente eivada de idealismo e voluntarismo, tem mascarado os reais determinantes históricos que limitam e condicionam sua efetivação são necessárias mudanças estruturais na sociedade e na escola. Nesta última exigese, entre outras medidas, uma nova política de formação de professores, quebra de barreiras arquitetônicas e atitudinais, equipamentos, materiais e currículos adaptados e equipe técnica de apoio, formada por profissionais das áreas da saúde e educação. No contexto das diferentes áreas que compõem a educação especial deficiência visual, mental, auditiva e física, condutas típicas e altas habilidades/superdotação a educação de alunos com deficiência mental, tem sido um desafio constante não só para os profissionais que trabalham nesta área, como para os pais destes alunos. Historicamente, a educação de pessoas com deficiência mental aconteceu mais tarde que a educação das pessoas das demais áreas de deficiência. A história nos aponta que seu início deuse com o trabalho realizado pelo médico Jean Marc Gaspard Itard (1774 1838), ao qual foi confiado o menino selvagem Victor, encontrado no ano de 1799 nas florestas de Aveyron, no sul da França. Itard realizou com Victor uma autêntica pedagogia da educação especial sendo considerado “um dos grandes pedagogos da educação de surdosmudos além de ser o primeiro pedagogo da oligofrenia e teórico da educação especial de deficientes mentais” (PESSOTI, 1984, p.30). No Brasil a educação de pessoas com deficiência mental tem início oficialmente em 1932 com a criação da Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte MG e em 1954 com a criação da APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais considerada hoje um dos maiores movimentos comunitários do país, com cerca de 2000 instituições em municípios brasileiros, os quais, muitas vezes, são única alternativa educacional para alunos com deficiência mental. A polêmica sobre a inclusão de alunos com deficiências/necessidades especiais nas escolas regulares acontece no sentido de que a depauperada escola brasileira e seus professores assentes numa sociedade em que o modo de produção capitalista produz mais e mais concentração de renda e enormes contingentes de excluídos e, por conseqüência, mais e mais desigualdade social receberam a incumbência de fazer a inclusão, mas, não receberam as condições materiais para tal. Neste cenário, a legislação nacional garante a esses alunos possibilidades de prosseguimento de sua vida acadêmica e profissional. Tal possibilidade quando se refere à certificação do ensino fundamental a alunos com deficiência mental, que não puderem atingir o nível acadêmico exigido para tal, em virtude de suas deficiências nos leva a resgatar o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, que preconizava ser a educação trazida pela Escola Nova uma reação categórica, intencional e sistemática contra a escola tradicional artificial e verbalista vinculada a interesses das classes a quem servia. Dizia que a Educação Nova perde o sentido aristológico (...) deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assumir um caráter biológico (...) reconhecendo a todo o individuo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e social. A educação nova, alargando as suas finalidades para além dos limites das classes, assume, com sua feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparandose para formar a hierarquia democrática pela hierarquia das capacidades, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação (Ghiraldelli, 1994, p.59). Estas afirmações do “Manifesto de 32” levam a duas reflexões no que tange à educação das pessoas com deficiências/necessidades especiais. Teria a educação perdido realmente seu caráter aristológico, deixando de ser privilégio dos que têm melhores condições econômicas e sociais? Consideradose que hoje cerca de 97% da população brasileira da faixa etária de 7 anos matriculase na escola, dirseia que sim e que os ideais das duas primeiras décadas dos anos de 1900 propalados pelo movimento intitulado “Entusiasmo pela Educação” estariam, 80 anos depois, sendo atingidos, ou seja, a escola se democratizou em relação a se permitir o acesso de grande parte das crianças; no entanto, há que se fazer o enfrentamento de questões como permanência na escola e conclusão de estudos com qualidade, por parte desta população. A segunda reflexão remete ao caráter biológico assumido pelos signatários do Manifesto dos Pioneiros, pelo qual o indivíduo deve ser educado até onde lhe permitirem suas aptidões naturais, compondo assim a “hierarquia democrática” da sociedade pela “hierarquia das capacidades”, afirmando ainda que, tanto mais perfeitas serão as sociedades, quanto mais pesquisada e selecionada for a sua elite, cuja seleção se deve processar não por diferenciação econômica, mas pela diferenciação de todas as capacidades, desenvolvendo ao máximo os indivíduos dentro de suas aptidões naturais e selecionando os mais capazes, de forma a que pudessem exercer influência efetiva na sociedade e afetar dessa forma a consciência nacional (Xavier, 1990, p.80). Essa visão impõe uma nova limitação em relação à educação a condição “natural” do sujeito o que implica dizer que aqueles que não possuíam condições biológicas favoráveis, tinham limitada sua entrada e permanência na escola. Desta forma, embora garantidas pelas leis e declarações, o que se constata é que há uma luta desigual das pessoas com deficiências/necessidades especiais por educação, pois além de elas estarem historicamente atrasadas em exigir sua inclusão social e escolar são limitadas pelas exigências requeridas hoje pela educação formal, impostas pelo mundo do trabalho, ou por currículos e práticas pedagógicas que se mantém inalteradas, ou ainda pressupostos teóricos que não acompanham a visão de educação para todos, encontrandose então, em desvantagem em relação às outras pessoas. Neste rol de dificuldades, cumpre colocar que as pessoas com deficiência mental com mais comprometimentos são aquelas que têm encontrado os maiores obstáculos à sua educação, especialmente no tocante a terminalidade acadêmica. O que a história recente da educação escolar dos alunos com deficiência mental tem demonstrado, é que eles passam anos de suas vidas estudando e acabam saindo da escola, na maioria das vezes, sem certificação de conclusão de escolaridade, principalmente os que têm comprometimentos mais acentuados. Para estes, a LDB nº9394/96 traz, no capítulo V que trata da Educação Especial Art. 59, II, a possibilidade dessa terminalidade acadêmica, através de uma certificação de escolaridade chamada terminalidade específica. Segundo a Resolução 02/01 do CNE Conselho Nacional de Educação, que instituiu as DNEE Diretrizes Nacionais para Educação Especial: É facultado às instituições de ensino, esgotadas as possibilidades pontuadas nos Artigos 24 e 26 da LDBEN, viabilizar ao aluno com grave deficiência mental ou múltipla, que não apresentar resultados de escolarização previsto no Inciso I do Artigo 32 da mesma lei, terminalidade específica do Ensino Fundamental, por meio de certificação de conclusão de escolaridade, com histórico escolar que apresente, de forma descritiva, as competências desenvolvidas pelo educando bem como o encaminhamento devido para a Educação de Jovens e Adultos e para a Educação Profissional. Constatase também, que os obstáculos à aprendizagem não são exclusividade dos alunos cegos, surdos, com deficiência mental, paralisia cerebral, dificultandolhes a apropriação dos conteúdos. Tais obstáculos podem ser temporários ou permanentes e fazem parte também do cotidiano escolar de inúmeros alunos que, pelo fato de apresentarem dificuldades para aprender, são rotulados como alunosproblema ou têm estabelecidos limites para sua capacidade de aprendizagem. O grande desafio do educador hoje, é implementar uma prática pedagógica que elimine qualquer barreira à aprendizagem, deslocando o foco da problemática, das características do aluno, de suas condições orgânicas, psicossociais o que o tem responsabilizado pelo seu fracasso na escola para outros fatores como o educador, a escola, o sistema educacional, as influências das representações sociais e os aspectos ideológicos e políticos que determinam tal prática. Segundo Aquino (1997, p.93), é necessário retirar o focodiagnóstico da figura do “alunoproblema”, deslocando o olhar para as relações conflitivas que o circunscrevem, das quais ele é tão somente portavoz. Atualmente a Escola tem a prerrogativa legal, por que prevista na LDB (art. 12 Inciso I), para elaborar o seu projeto pedagógico, de forma a atender a diversidade social e cultural e avaliar as práticas implementadas. Ao construir o projeto pedagógico, devese conceber o ato pedagógico como fruto da relação entre os diferentes níveis e segmentos da comunidade escolar, que se configura no processo ensinoaprendizagem. Do projeto pedagógico faz parte o Currículo que, na definição de Coll, é o projeto que preside as atividades educativas escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e úteis para os professores que são diretamente responsáveis por sua execução. Para isso, o currículo proporciona informações concretas sobre o quê ensinar, quando ensinar, como ensinar e como e quando avaliar.(1996, p.45). Um dos componentes curriculares que preocupam a escola hoje, é o quê ensinar diante da imensa gama de conhecimentos historicamente produzidos. Segundo Stainback & Stainback (1999, p.201), tornase relevante, o desenvolvimento de cidadãos que buscam informações e solução de problemas, e que sejam capazes de ter sucesso no complexo e diverso século XXI, rico em informações e voltado para a tecnologia. Os futuristas da educação observam as tendências sociais interdependentes e internacionais que tornam cada vez mais difícil para os currículos escolares acompanhar o aumento exponencial das informações e das descobertas tecnológicas e científicas. Segundo Wiggins, apud Stainback, 1999, p.201, “há simplesmente informações demais para qualquer um de nós conhecer, que dirá para ensinar para uma enorme quantidade de alunos em um dia letivo curto. Esse fato trágico levanos a uma conclusão libertadora: a sabedoria vale mais do que o conhecimento”. Ainda com referência a se definir sobre o quê ensinar e a fragmentação dos conteúdos e sua descontextualização, Kuenzer (1999, p.127), afirma: na escola, a seleção dos conteúdos sempre foi regida por uma concepção positivista da ciência, fundamentada na lógica formal, em que cada objeto do conhecimento origina uma especialidade que desenvolve sua própria epistemologia e se autonomiza, quer das demais especialidades, quer das relações sociais e produtivas concretas. Neste sentido é importante aprofundar os estudos relativos aos saberes necessários à obtenção da terminalidade acadêmica dos alunos com deficiência mental, qual o momento adequado de seu processo de escolarização em que a terminalidade deve ocorrer e quais as adaptações curriculares necessárias ao currículo regular, que possam proporcionar maiores chances de continuidade do processo de escolarização para estes alunos. No entanto, os saberes possíveis de serem adquiridos pelas pessoas com deficiência mental, especialmente aquelas com maiores comprometimentos, de forma a garantirlhes terminalidade acadêmica, contraditoriamente, poderiam não estar garantindolhes a verdadeira inclusão escolar e social, tendo em vista que a sociedade tem exigido cada vez mais, escolarização consistente que possibilite à pessoa utilizar nas práticas sociais, os conhecimentos adquiridos, e estes dadas às dificuldades em assimilálos não poderiam ser apropriados em sua totalidade. E também porque, como afirma Duarte (2000, p.116): (...) a educação passa cada vez mais a ser valorizada não por seus conteúdos concretos, mas por produzir as capacidades abstratas que permitiriam o “aprender a aprender”. O objetivo a ser alcançado com a educação escolar não é o de formar um indivíduo que possua determinados conhecimentos, mas um indivíduo disposto a aprender aquilo que for útil à sua incessante adaptação às mutações do mercado globalizado (grifos do autor). Ou seja, se se apropriar do conjunto dos conteúdos ensinados pela escola já é difícil para esses alunos com deficiência mental, a situação tornase mais complicada quando se trata de escolas que trabalham na lógica neoliberal do “aprender a aprender”. Então, para a área da Educação Especial em que nem sempre se consegue ensinar tudo, muito menos a todos, a legislação oficial recomenda que se deve organizar no projeto curricular das escolas, ajustes ou adaptações num contínuo, que vai desde pequenas modificações na programação das aulas, até mudanças significativas que podem se distanciar consideravelmente do projeto curricular estabelecido. São as chamadas adaptações curriculares, que têm por finalidade conseguir a maior participação possível dos alunos. No caso daqueles que apresentam deficiência mental, devese adaptar as atividades desenvolvidas no projeto curricular da escola e na programação da sala de aula. Tais adaptações são desenvolvidas de acordo com os níveis de exigência dos alunos e consistem em: Adaptações de acesso ao currículo, Adaptações curriculares não significativas ou de pequeno porte e Adaptações curriculares significativas, ou de grande porte. Porém, se as adaptações curriculares, pressupõem flexibilização do currículo (leiase diminuição, adaptação e eliminação) de conteúdos e objetivos e pressupõem ainda metodologias diferenciadas, que poderiam constituirse de extrema importância para estes alunos com necessidades educacionais especiais, pois lhes permitiria avançar no seu processo de escolarização, paradoxalmente, não lhes possibilitaria a aquisição de habilidades cognitivas e competências sociais, indispensáveis hoje, já que no novo panorama econômico, a reunificação de tarefas em oposição aos procedimentos do taylorismo, aponta não apenas para a substituição do homem pela máquina, mas para uma nova exigência de qualificação profissional da mãodeobra, que não poderia ser mais repetidora mecânica de tarefas simples, mas controladora de processos mais complexos, o que por sua vez exigiria habilidades intelectuais mais apuradas. Aqui se expressa a seguinte contradição: se o acesso à escola regular aos alunos com deficiência mental for tão adaptado (leiase adaptações curriculares significativas), eles não teriam a formação necessária para enfrentar o mundo competitivo fora dos muros da escola (por exemplo, o mundo do trabalho), mas por outro lado, se não lhes forem possibilitadas tais adaptações, talvez a maioria deles não possa ser inserida nas escolas regulares, promovida para séries posteriores e ter acesso a terminalidade de sua escolaridade no ensino fundamental. Se em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova afirmava que as pessoas poderiam ser educadas até onde lhes permitissem suas aptidões naturais e hoje a legislação afirma que todas as pessoas devem ser educadas de forma incondicional, independente de suas aptidões ou capacidades e vai além, quando garante terminalidade acadêmica para o aluno, mesmo que ele não tenha atingido o nível de aquisição de conteúdos normalmente exigido para a certificação do Ensino Fundamental, talvez se possa afirmar que houve avanços no processo educacional brasileiro. Porém, há ainda questões cruciais cujas respostas precisam ser construídas, sob pena de estarse no afã de garantir direitos colaborando para o processo de exclusão destes alunos. Nesta linha de reflexões, cumpre colocar as seguintes questões: Como estes indivíduos poderiam receber certificação de conclusão do Ensino Fundamental sem terem se apropriado dos mesmos conteúdos que os demais alunos e obterem sucesso na continuidade da vida escolar e/ou no mundo do trabalho? Não estarseia vivenciando um resgate cruel da dualidade do sistema educacional que perpassou a história da educação brasileira, com uma escola para ricos e outra para pobres e hoje, com uma educação para as pessoas consideradas normais e outra para as que têm necessidades especiais? Com estas preocupações, a presente pesquisa aborda a questão da terminalidade específica para alunos com grave deficiência mental ou múltipla, num contexto educacional em que o processo de inclusão escolar é a temática norteadora dos novos rumos da educação especial. A pesquisa trabalha inicialmente, do ponto de vista teórico, com o surgimento do discurso da inclusão nesta sociedade capitalista marcada pela exclusão, no sentido de demonstrar as contradições que permeiam o movimento de educação inclusiva, ao desvelar seus aspectos históricos, legais e ideológicos. Trabalha ainda com uma pesquisa de campo realizada com cinco alunos de escolas públicas, egressos de escolas e/ou classes especiais e que, por suas dificuldades de aprendizagem seriam candidatos a terminalidade específica, conforme o Art. 59, Inciso II, da LDB nº 9394/96 e a Resolução nº 02/01 do Conselho Nacional de Educação. Quando este estudo foi iniciado, duas questões básicas foram formuladas: O que é terminalidade específica? Que alunos, dentre aqueles atendidos pela educação especial, teriam dificuldade de atingirem o nível exigido para concluir o ensino fundamental por causa de suas deficiências? A primeira questão ficou temporariamente sem resposta até a normatização do capítulo V da LDB da Educação Especial pelo CNE, através da Resolução 02/01. Quanto à segunda questão, levantouse logo a hipótese de que se tratava de alunos da área da deficiência mental aos quais o legislador fazia referência. Realmente os alunos referidos eram os que apresentavam graves deficiências mentais ou múltiplas, o que restringia enormemente a população candidata a terminalidade. E então, num primeiro momento, a possibilidade da terminalidade através de certificação de ensino fundamental a alunos com grave deficiência mental ou múltipla, causou certa perplexidade e ceticismo e passouse a levantar questionamentos a respeito da temática. Dessa forma, foi elaborado o projeto desta pesquisa e, coerente com a concepção teórica que o embasava, seu objetivo geral era compreender, no contexto da sociedade capitalista, como poderia se efetivar a terminalidade acadêmica de alunos com deficiência mental, que fossem egressos de escolas e/ou de classes especiais. Seus objetivos específicos eram: Refletir sobre a lógica da sociedade capitalista e sua relação com a educação e o movimento denominado educação inclusiva; investigar os saberes necessários à obtenção da terminalidade específica para os alunos com grave deficiência mental ou múltipla e analisar os sujeitos da pesquisa no tocante aos saberes de que se apropriaram e a possibilidade ou não de receberem a terminalidade específica. Quanto ao objetivo número um, as reflexões sobre a educação inclusiva no contexto da sociedade capitalista, apontam que vem sendo construída no imaginário dos educadores e das pessoas de uma forma geral, a idéia, o mito de que é possível incluir numa sociedade de classes, em que a extrema desigualdade social evidencia a realidade inexorável que não permite minimamente, as condições para se efetivar uma inclusão real. Sobre o conceito de desigualdade, Benevides (1998), afirma: o contrário da igualdade não é a diferença, mas a desigualdade, que é socialmente construída, sobretudo numa sociedade tão marcada pela exploração classista. É preciso ter claro que igualdade convive com diferenças mas que não são reconhecidas como desigualdades (...) A diferença pode ser enriquecedora, mas a desigualdade pode ser um crime (p. 166). E para melhor compreender a questão da inclusão como um mito que vem sendo construído, fazse necessário definir o conceito de mito. Aranha e Martins (1986, p.2021; 24) afirmam que, numa leitura apressada, podese pensar que o sentido de mito é uma maneira fantasiosa de explicar a realidade, que ainda não foi justificada pela razão. Continuam as autoras, “essa posição a respeito do mito nos esconde o preconceito comum de ver o mito como uma lenda, uma fábula, uma forma menor de explicação do mundo, prestes a ser 'superada' por formas mais racionais”. Afirmam, porém, que “a noção de mito é mais complexa e mais rica do que essa posição redutora”. E exemplificam: (...) quando alguém diz que o socialismo é um mito, pode estar querendo dizer que se trata de algo inatingível, de uma mentira, de uma ilusão que não leva a lugar nenhum. Mas, opondose a esse sentido negativo de mito, outros poderão ver positivamente o mito do socialismo como uma utopia, o lugar do “ainda não”, cuja força mobiliza as pessoas a construírem o que um dia poderá vir a ser (p.21) (grifos das autoras). Dessa forma, talvez seja possível afirmar que a inclusão constituise em um mito, no sentido de que vivemos numa sociedade capitalista excludente, na qual não há espaço para a inclusão (verdadeira e de todos), porque as condições materiais não permitem. Então, utilizase ideologicamente o discurso da inclusão para camuflar a profunda exclusão a que é submetida à imensa maioria dos seres humanos desta sociedade. Nela, palavras como direitos, igualdade, eqüidade, cidadania, solidariedade e a própria inclusão, funcionam como bálsamo, como apanágio para os males da dura realidade capitalista, levando as pessoas a acreditarem, de forma ingênua e idealista, que é possível a realização das mudanças necessárias à transformação social, a partir de mudanças no plano das idéias, o que é impossível numa concepção materialista histórica de sociedade, pois, conforme Marx (1983) afirma: “o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência” (1983, p. 24). No caso das pessoas com deficiência, o mito se confirma ainda com mais veemência, mostrando que a inclusão escolar tem sido (e o futuro próximo aponta que deverá continuar sendo) para poucos, porque só um número muito pequeno destas pessoas (cerca de 3% a 5% do total de pessoas com deficiência), tem acesso a escolas especiais ou regulares. Em se considerando como educação inclusiva, apenas alunos com deficiência inseridos em escolas regulares, este percentual tornase ainda menor, demonstrando que a inclusão só acontece hoje, em casos pontuais e, na maioria deles, nas classes sociais mais abastadas em que as famílias têm maiores conhecimentos sobre os direitos dos alunos com deficiência a estudarem preferencialmente na rede regular de ensino e/ ou para pessoas que participam de movimentos sociais e que lutam por seus direitos. Dessa forma, para dar sustentação ao mito da educação inclusiva, propalase um discurso de inclusão que, na verdade esconde os reais determinantes que constituem os obstáculos para sua efetivação: a sociedade dividida em classes e as condições materiais da sociedade e da escola. Nesta última, o número excessivo de alunos nas salas de aula, a inexistência de uma política de formação de professores para a educação especial, barreiras físicas e atitudinais, etc. Quanto ao objetivo número dois, referente aos saberes necessários à obtenção da terminalidade específica, foi formulada a seguinte questão inicial: Quais os saberes necessários à obtenção da referida terminalidade para alunos com grave deficiência mental ou múltipla, no contexto de uma sociedade em que os saberes já não são mais conteúdos concretos, mas encontramse fragmentados e desvinculados das práticas sociais? Mantoan (2002), afirma que: a escola é velha na sua maneira de ensinar, de planejar, de executar e de avaliar seu projeto educativo. O tradicionalismo, o ritualismo de suas práticas, cega a grande maioria de seus professores e dos pais diante das transformações, dos caminhos diferentes e não obrigatórios do aprender. Persistem ainda, os regimes seriados de ensino, os conteúdos programáticos hierarquizados, homogeneizadores, que buscam generalizar, unificar, despersonalizar quem ensina e quem aprende (p. 80). Diz ainda, que pela incompetência atribuída ao aluno e que o leva à exclusão escolar, ele sofre “as conseqüências de um jogo desigual, de cartas marcadas pelo autoritarismo e poder arcaico do saber escolar” (Id., p.80). E, finalmente a autora sugere: “Precisamos de professores que não sujeitam os alunos a saberes que os impedem de ser, de pensar, de decidir por si próprios (...)” (Id., p.92). Dada a complexidade da questão dos saberes ou conhecimentos historicamente construídos que se deve ensinar na escola hoje, cumpre colocar que as limitações deste estudo não permitem um maior aprofundamento nesta temática, mas aponta para duas questões fundamentais. A primeira é que para alunos com grave deficiência mental ou múltipla, de maneira geral os saberes que lhes têm sido ensinados, referemse àqueles que compõem os chamados currículos funcionais, compostos por programas educacionais que têm como objetivo ensinar ao aluno, algo que seja útil e funcional para sua vida. A segunda questão trata da resposta que deve ser dada à pergunta sobre “o que é preciso saber para receber a terminalidade”. Na verdade deve se inverter a pergunta, ou seja, ela deve ser formulada nos seguintes termos: o que é preciso “não saber” para receber a terminalidade? A resposta é simples e óbvia: é preciso “não saber” ler, escrever, e calcular! Quanto à questão número três, referente à concessão ou não da terminalidade específica aos sujeitos da pesquisa após análise de suas histórias de vida e de escolaridade e, principalmente, dos saberes que lhes foi possível apropriaremse podese afirmar que não se esgotaram as possibilidades apontadas nos Artigos 24, 26 e 32 da LDB para que lhes fosse fornecida a referida terminalidade e, portanto, eles não devem recebêla ainda, mas continuar matriculados na escola, mesmo que em programas de educação especial. Para melhor fundamentar esta afirmação, fazse necessário classificar os sujeitos da pesquisa em dois grupos. O primeiro grupo é formado por três alunos que freqüentam a 5ª a 8ª séries do ensino fundamental (mais precisamente a 6ª série em 2004) e o outro grupo, formado por dois alunos matriculados em classe especial do ensino regular, ainda não alfabetizados. Os três alunos do primeiro grupo (P.C.D., S.B. e M.M.), da 6ª série, embora tenham entre 18 a 21 anos não deverão receber a certificação de ensino fundamental denominada terminalidade específica, porque todos eles superaram, pelo nível de conhecimento apresentado, os requisitos exigidos para a concessão da referida terminalidade, que é ter grave deficiência mental ou múltipla e, principalmente, não ter os resultados de escolarização previstos nos Artigos 24, 26 e 32 da LDB. Ou seja, todos os alunos se apropriaram da leitura, da escrita e do cálculo e estes são meios para que possam continuar sua escolarização até a conclusão do ensino fundamental e mesmo para cursar o ensino médio e quiçá, o ensino superior. No entanto, há que ressalvar que os conhecimentos adquiridos, especialmente na matemática, não lhes possibilitam apropriaremse do total do conjunto de conteúdos que os demais alunos de sua série/ciclo escolar e nem no mesmo ritmo que eles. Necessitam, portanto, de adaptações curriculares não significativas ou de pequeno porte quando se tratar de questões mais relacionadas à organização escolar e de adaptações curriculares significativas ou de grande porte, quando se tratar de questões ligadas ao currículo escolar e seus componentes fundamentais: objetivos, conteúdos, metodologias e avaliação. As adaptações serão significativas na medida em que as modificações nestes elementos curriculares, implicarem em mudanças muito significativas ou radicais. Dessa forma reiterase: com tais adaptações curriculares, estes alunos poderão prosseguir em seu processo de escolarização e concluir o Ensino Fundamental sem necessidade da terminalidade específica. Quanto aos dois alunos que ainda não estão alfabetizados H. B. e A.M. as conclusões deste estudo apontam que eles ainda não devem receber a conclusão de escolaridade via terminalidade específica, porque suas condições demonstram que ainda não se esgotaram suas possibilidades de aprender os conteúdos escolares, porque eles são ainda muito jovens para recebêla e também por que, dentre outros fatores, encontramse ainda motivados para a aprendizagem; a escola lhes é extremamente significativa. Assim, com a clareza do caráter de provisoriedade e das limitações deste estudo, concluiuse que nenhum dos cinco sujeitos desta pesquisa deve receber a terminalidade específica, pois conquanto este estudo tenha sido difícil de realizar por tratarse de discutir fenômenos que estão ocorrendo e que, por isso, não se tem muita clareza de como se constituem, devese reiterar o “direito” destes alunos com deficiência mental, tanto quanto todos os outros alunos, a permanecerem matriculados na escola e prosseguirem da forma que puderem, o seu percurso escolar, não sendo encaminhados, apressadamente e sem apoio especializado, para a Educação de Jovens e Adultos e/ou para a educação profissional. REFERÊNCIAS AQUINO, J. G. (org.) Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997. ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1986. BENEVIDES, M. V. Educação para a cidadania e em direitos humanos. 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